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Archive for maio \27\-03:00 2011

Sidney Silveira

O conhecimento diabólico do futuro

Sabemos que os entes operam no limite das potências radicadas na forma específica do seu ato de ser, que é participado. Assim, apesar de Charles Darwin, no dia em que o macaco resolver um teorema de matemática pura, entender as relações geométricas implicadas numa variante do jogo de xadrez e, por fim, redigir algo tão extraordinário como o PL 122 que circula pelos corredores de nosso Legislativo, teremos encontrado o elo perdido da teoria da evolução. Mas como a metafísica aconselha-nos a não ser tão otimistas, fiquemos por ora com a certeza de que, nos entes, o operar segue o ser (operatio sequitur esse), e, portanto, nada pode atuar além de suas possibilidades ontológicas. E isto também se aplica aos demônios: a sua operação é demarcada pela forma entitativa que lhes é própria, o que nos leva a uma série de questões relevantes, se se trata de estudar como tais criaturas podem agir sobre o homem. Uma delas implica o ato do conhecimento, que neles é mais perfeito do que em nós.

Pois bem, conhecer é apossar-se da forma inteligível do ente em ato, além de ser um movimento acidental da potência intelectiva. Esta máxima gnosiológica, no entanto, não elucida todos os modos próprios deste tipo especial de relação chamada “conhecimento”. Ressalte-se, neste ponto, que uma coisa é o conhecimento atual — ou presencial, para alguns tomistas. Este acontece quando o intelecto tem a clara visão de determinado inteligível. Por exemplo, o médico que, após a análise de um conjunto de exames à luz dos princípios por ele conhecidos, constata o câncer do paciente. Neste caso poder-se-ia dizer que a inteligência do médico o câncer, presencia-o, ou seja, apossa-se formalmente desta realidade extramental (quer dizer: que está fora de sua mente). Então o médico pode afirmar: eu sei, aqui e agora, que este meu paciente tem um câncer. Em síntese, dá-se nesta hipótese a adequação entre a inteligência a coisa.

Ocorre que conhecer algo não é apenas conhecer as causas de que depende. Posso muito bem conhecer as causas de uma coisa, mas não elucidar a sua essência e não esgotar a inteligibilidade do seu modo de operar (aqui, dada a nossa humana forma de conhecer, não custa lembrar que só temos a notitia veritatis da essência de uma coisa quando descortinamos quais são as suas operações próprias, e não por uma espécie mágica de intuição direta). Daí que exista também um tipo de conhecimento ao qual podemos chamar de conjectural, ou seja: um saber que parte de premissas claras e seguras, mas ainda não é atual, no sentido de que: a) a realidade cognoscível ainda não se atualizou na ordem do ser, e, portanto, trata-se de uma mera probabilidade; b) ela atualizou-se, mas o cognoscente ignora algumas de suas notas distintivas; c) ela atualizou-se, mas o cognoscente não conhece a totalidade da série causal ali implicada; etc.

Não é o caso, neste texto, de examinar todos os tipos de conhecimento, mas cito os dois acima — o presencial e o conjectural — para abordar um problema a propósito do tema em questão. Pois bem, tendo os demônios as formas inteligíveis das coisas infundidas em sua mente por Deus desde o instante em que foram criados como anjos, eles não extraem das coisas o conhecimento, como nós, mas contemplando-as apenas atualizam o conhecimento que desde sempre tiveram acerca delas. Por exemplo: antes de haver o ente gato, eles já conheciam a forma inteligível gatesca que lhes havia sido posta na inteligência por Deus, razão pela qual Santo Tomás de Aquino, fazendo uso de uma linguagem analógica, chega a afirmar em alguns textos que as coisas têm mais ser na inteligência dos anjos do que em si mesmas.

Ocorre o seguinte: conhecer o quid est do gato não é conhecer este ou aquele gato (pois o conhecimento quiditativo também se distingue do presencial, como me ensinou o meu querido amigo Luiz Astorga, um metafísico de alto coturno, para usar uma metáfora militar dos tempos de antanho), razão pela qual a questão espinhosa no tomismo sempre foi saber como os demônios, conhecendo desde sempre as essências ou quididades, conhecem também os entes singulares. Esta questão é correlata a outra — a que nos interessa aqui, pois estamos em meio a uma investigação teológica: até que ponto podem os demônios conhecer o futuro? E, conhecendo-o, como poderiam atuar sobre o homem, para perdê-lo?

Noutros textos assinalamos que Deus, sendo Ser infinito, simplícimo, conhece tudo presencialmente, ou seja, tem a posse perfeita de todos os inteligíveis em ato porque todos têm a sua fonte n’Ele mesmo e nada existe fora do Ser, quer dizer: à parte de Deus. Daí afirmar-se que Deus, conhecendo-Se em ato perfeitamente, conhece tudo o que é, o que foi, o que será e o que seria — em grau sumo e sem defecção de nenhum tipo. Por sua vez, dos anjos (e por conseguinte dos demônios), que não são Ato Puro simplícimo de ser, dado que têm composição de ato e potência, de substância e acidentes e de essência e ser, podemos dizer que:

a) tendo em sua inteligência todas as formas inteligíveis das coisas criadas, eles conhecem virtualmente tudo no plano natural, embora não de forma instantânea (num só ato), e sim sucessiva, com um antes e um depois;

b) eles não esgotam a inteligibilidade do Próprio Ser, que é Deus, pois a inteligibilidade deste é tão inesgotável e infinita quanto o seu Ser, e nenhum ente finito pode abarcá-la;

c) eles não conhecem a ordem da Divina Providência, que sobrepassa toda natureza criada.

Acrescente-se a isto o fato de que os demônios (como qualquer criatura) precisam transitar da potência ao ato para atuar, na exata medida em todo ente, não sendo ato puro de ser, é composto, e tudo o que tem composição opera por meio de faculdades, e estas, por sua vez, estão em potência em relação aos seus objetos formais próprios. No caso do demônio, criatura angelical, a sua inteligência, mesmo tendo as formas inteligíveis das coisas já infundidas nela, está em potência para adquirir novos conhecimentos ou atualizar os que virtualmente já possui. Assim, pode um anjo conhecer um novo conteúdo inteligível sobrenatural, revelado diretamente por Deus, por exemplo; pode conhecer algo novo comunicado por um anjo de hierarquia superior, que conhece as mesmas coisas por meio de formas inteligíveis mais universais; etc.

Tendo em vista tudo o que foi assinalado até aqui, com relação ao modo elevado de conhecimento angélico — e portanto demoníaco —, diga-se que a criatura espiritual conhece as coisas de três formas principais: 1ª.: o já citado conhecimento presencial (a posse do inteligível hic et nunc, numa fulgurante intuição direta das essências das coisas); 2ª.: o conhecimento certo (o futuro necessário, deduzido das causas essencialmente ordenadas)1; 3ª.: e o conhecimento conjectural, também mencionado (o futuro contingente, deduzido de causas acidentalmente ordenadas). Neste último caso, é possível ao anjo errar, pois, embora as suas deduções sejam precisas ao extremo, não abarcam a completude dos modos de ser da realidade, daí Santo Tomás ter provado que somente Deus pode conhecer perfeitamente os futuros contingentes, pois tudo para a Sua inteligência é presença; só Ele, pois, é omnisciente.

Finalizando o quadro, podemos dizer que um evento futuro pode ser conhecido em si mesmo, ou nas causas de que depende. O primeiro modo só cabe a Deus, Ser perfeitíssimo e, portanto, superior a qualquer ordem temporal — pois Ele não apenas é eterno, mas é a própria eternidade sem a qual sequer poderia haver tempo, como mostra o Nougué no segundo DVD da série A Síntese Tomista, intitulado “O Tempo e a Eternidade em Santo Tomás de Aquino”. Sendo assim, o futuro para Ele não há.

Com relação ao segundo modo, vale reiterar o que ficou acima assentado, mas com outras formulações:

  • Ø Certos sucessos ou eventos dependem de causas necessárias, ou seja, não podem não acontecer num dado contexto (por exemplo, a aurora). Este e qualquer outro futuro necessário pode ser conhecido perfeitamente pelo demônio, cuja inteligência agudíssima penetra os segredos da natureza;
  • Ø Outros sucessos ou eventos dependem de causas acidentais radicadas em algumas tendências do ente. Trata-se aqui do futuro conjecturável, que não pode ser conhecido perfeitamente pelo demônio, mas em muitos casos pode ser deduzido com grande probabilidade de acerto, mas não mais que isto. A propósito, o demônio somente tentou a Cristo porque o seu conhecimento acerca da pessoa de Nosso Senhor era conjectural, e não presencial apodíctico, como se afirmou alhures;
  • Ø Por fim, outros sucessos provêm de causas imprevisíveis, ou seja, que podem produzir este ou aquele efeito de forma indiscriminada (por exemplo, diante de um mesmo fato, um homem converte-se à fé e o outro se perde). É o chamado futuro livre ou contingente, que não está à mão de nenhuma criatura prever.

Ditas estas coisas, concluamos dizendo que o conhecimento do demônio acerca da natureza humana é superior ao do próprio homem, mas ainda há mais: o conhecimento presencial dos demônios acerca de um enorme conjunto de acidentes individuantes deste ou daquele homem é também elevadíssimo. Por exemplo, ao contemplar um indivíduo qualquer, um demônio — cuja inteligência não possui o obstáculo da matéria — conhece todos os seus detalhes corporais (ex.: se há alguma artéria entupida, a quantidade de sangue circulante no corpo, os dentes bons e cariados, etc.).

Ora, como boa parte dos pecados têm ressonância no corpo, um demônio com poucas informações consegue muitas vezes ter a clara visão da situação espiritual de um homem (se é tendente à gula, à luxúria, à ira, etc.). Daí que, conhecendo essas tendências viciosas, bastará a ele apresentar ou sugerir as imagens que induzirão o homem a atualizá-las.

O que os satanazes não podem, de maneira alguma, é prever com grau máximo de certeza se o homem tentado cairá ou não, pois, como ficou acima dito, só Deus conhece os futuros contingentes.

(continua)

[1] Quem me adverte com relação ao conhecimento certo (intermediário entre o presencial e o conjectural) é também o nobre amigo Luiz Astorga, que atualmente está se doutorando com uma tese sobre o estatuto ontológico das formas inteligíveis angélicas. Um tomista de quem todos ainda ouviremos muito falar no Brasil.

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Fonte: Contra Impugnantes

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Sidney Silveira
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Aos amigos que, nesta semana, me enviaram mensagens indagando acerca do evento do dia 28/05, em São Paulo, um aviso: a pedido do Pe. Renato Leite, este dia de atividades centradas na obra de Santo Tomás de Aquino foi transferido para o final de julho. Outras informações serão dadas adiante aqui mesmo no Contra Impugnantes e, também, no Fratres in Unum.
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Carlos Nougué
As “Jornadas 2011” da FSSPX, no Seminário de La Reja, versarão sobre o tema da “Política Católica”, e terão entre seus expositores o Padre Álvaro Calderón. Ou seja, versarão sobre o próprio tema que nos levou à fundação do SPES – Seminário Permanente de Estudos Sociopolíticos Santo Tomás de Aquino, e contarão com aquele por quem nos orientamos constantemente, o Padre Calderón. Vejam o cartaz das Jornadas aqui.
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Traduzimos abaixo o e-mail de convite às Jornadas, e reproduzimos, em PDF, o próprio folheto da FSSPX sobre este evento da maior importância.
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“Caros amigos,
Enviamos-lhes o folheto e o convite para as JORNADAS 2011. Aos jovens pedimos que se inscrevam O QUANTO ANTES para facilitar a organização.
A todos: que rezem pelo sucesso destas Jornadas; convidem seus conhecidos e parentes e nos ajudem a pagar os numerosos gastos gerados por estas Jornadas.
Desde já muito obrigado a todos, e que Deus os bendiga copiosamente.”
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Palestrante: Prof. Sidney Silveira

Dia 28 de Maio de 2011

Inscrições até o dia 26 de maio

Programação:

9h às 12h: A Metafísica do Pecado (da impecabilidade de Deus à realidade do homem caído);

14h às 17h: Os princípios metafísicos da ordem moral

18h: Santa Missa no Rito Tridentino

Informações e inscrições pelo email: evento_tomista@hotmail.com

Investimento: R$ 50,00 — incluso material didático e brunch

Local do Evento: Colégio Maria Imaculada –  Av. Bernardino de Campos, 79 (Próximo ao metrô Paraíso).

Fonte: Fratres in Unum

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Fonte: Escravas de Maria

Um dia inesquecível para Nova Friburgo
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Depois dos lamentáveis acontecimentos ocorridos na Cidade de Nova Friburgo no início deste ano, Dom Tomás de Aquino, procurou o senhor prefeito sugerindo a consagração da cidade ao Imaculado Coração de Maria, como melhor meio de obter ao mesmo tempo a proteção de Deus contra novos flagelos e a conversão da cidade cujos pecados certamente foram a causa principal dos males que recaíram sobre ela.
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E hoje, dia treze de maio de 2011,  Nossa Senhora concedeu esta grande graça aos friburguenses, pois na sede da Prefeitura, na presença de Dom Tomás de Aquino, dos monges beneditinos da Santa Cruz e de alguns fiéis, o Excelentíssimo Prefeito Doutor Demerval Barboza Moreira Neto, consagrou a cidade de Nova Friburgo ao Imaculado Coração de Maria, deixando exposto num lugar de honra a imagem deste venerado Coração, cumprindo tanto quanto foi possível, a vontade de Nosso Senhor manifestada em Fátima, de ver os corações, as famílias, as cidades, os paises e o mundo inteiro, consagrado ao Imaculado e Doloroso Coração de Sua Mãe Santíssima. “Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Coração Imaculado.” Nossa Senhora de Fátima.
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Rezemos para que Deus, Nosso Senhor,  possa derramar graças por meio do Imaculado Coração de Maria a esta cidade tão flagelada pelos últimos acontecimentos, trazendo para este solo consagrado:  conversão, santificação, esperança e consolo, para que se reestabeleça neste local o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo.  Rezemos também para que o Santo Padre consagre a Rússia ao Imaculado Coração, rezemos para que os sacerdotes se empenhem na propagação desta devoção,  que como disse o Cardeal Cerejeira, Patriarca de Lisboa, é a última intervenção misericordiosa do Coração de Maria para salvar os homens e as nações.
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ATO DE CONSAGRAÇÃO PROFERIDO
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Conscientes de nossa responsabilidade diante de Deus e de nossos concidadãos, conscientes de que nada acontece sem a permissão de Deus, que tempera as alegrias e as dores em vista da salvação eterna de seus filhos, conscientes de que os flagelos não têm outra razão senão os nossos pecados, conscientes, enfim, de que Deus Ele mesmo nos deu Maria Santíssima, Mãe de seu eterno Filho, por medianeira de todas as graças e auxílio de todos os que a ela recorrem, nós, com ardente amor filial, consagramos hoje a cidade de Nova Friburgo ao Imaculado Coração de Maria, pedindo-lhe que afaste de nossa cidade toda e qualquer calamidade e, acima de tudo, nos obtenha a graça de nos afastarmos daquilo que mais ofende a soberania divina, ou seja, nossos pecados, causa dos males que sobrevieram sobre nós na terrível catástrofe do 12 de janeiro deste ano de graça de 2011.
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        Ó Mãe Santíssima, animados por um profundo amor filial, nós vos consagramos nossa cidade, nossas pessoas e nossos bens. Cuidai de uns e outros como coisa e propriedade vossa. Protegei nossas almas, nossos corpos, nossas famílias, nossos parentes e nossos amigos.
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        Nós vos reconhecemos por nossa Mãe e por Mãe de Deus. Nós reconhecemos vossa Imaculada Conceição e todos os privilégios que Deus vos concedeu.
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        Muitos vos desconhecem, muitos vos abandonaram, mas tende piedade de todos e estendei vossa proteção sobre toda a nossa cidade. Assim seja.
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Que assim seja em Nova Friburgo!
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 Obs. Esta consagração se inspirou no apostolado das Irmãs Escravas de Maria Rainha da Paz, de Campo Grande, que já haviam obtido uma consagração semelhante em Campo Grande/MS  e que divulgam com grande ardor e zelo esta devoção, por meio da Cruzada Cordimariana , a pedido do Monsenhor Alfonso de Galarreta, Bispo da FSSPX, consagrando instituições, cidades e famílias. A Cidade de Campo Grande, cidade onde residem as irmãs, já foi consagrada aos Sagrados Corações, graças também a seu apostolado. Confira as fotos: http://escravasdemaria.blogspot.com/p/c-erimonia-de-consagracao-de-campo.html
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Entre neste exército,
 consagre-se já  ao Imaculado Coração de Maria
por meio da Cruzada Cordimariana!

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Fonte: Escravas de Maria

Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!

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A Mensagem de Fátima
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“A imagem de Nossa Senhora de Fátima recorda a última intervenção misericordiosa do Coração de Maria para salvar os homens e as nações”, dizia o Cardeal Cerejeira, Patriarca de Lisboa. E Pio XII acrescentava: “Passou a hora de discutir a realidade das aparições de Fátima. Já chegou o momento de aceitar os seus ensinamentos”.
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Em Fátima a Virgem Maria falou ao mundo e nos revelou o seu Coração Doloroso e Imaculado como arca de salvação, refúgio e renovação das almas, como caminho seguro e simples para chegar a Deus nestes tempos de tanto perigo e desorientação, em troca tão somente, assim prometeu Nosso Senhor, de um amor sincero de entrega e de reparação pelas ofensas ao seu Coração.
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A história de Fátima pode dividir-se em três capítulos, tão entrelaçados como vinculados entre si: as aparições do Anjo em 1916, as aparições da Virgem Maria desde maio até outubro de 1917, e algumas aparições complementares nas quais a Virgem vem realizar o que havia prometido  no dia 13 de julho de 1917. Todo isso forma uma unidade perfeita, na qual não é possível separar umas coisas das outras, nem nos fatos, nem na mensagem.
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A mensagem de Fátima se resume no Coração Imaculado de Maria, elemento central e onipresente nestas revelações. Vejamos que graça e perfeição contêm este Coração que Deus criou para a sua glória e para a nossa salvação.
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As aparições do Anjo
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Quando se sucederam os acontecimentos de 1917, Lúcia, de 10 anos, e seus primos Francisco e Jacinta, irmãos de 9 e 7 anos respectivamente, já guardavam um grande segredo: lhes tinha aparecido um Anjo e lhes tinha falado três vezes.
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Na  primeira aparição, ajoelhando-se e prostrando-se em terra, fez os meninos repetirem três vezes: “Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos! Peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam” e lhes manifestou uma esplêndida promessa, vinculada aos Sagrados Corações: “Orai assim. Os corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas”.
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 Na  segunda aparição insistiu que os Sagrados Corações têm desígnios de misericórdia sobre aqueles pastorzinhos: “Orai, orai muito! Os Corações Santíssimos de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente, ao Altíssimo, orações e sacrifícios”.
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 “Estas palavras do Anjo – disse Lúcia –  gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que nos fazia compreender quem era Deus, como nos amava e queria ser amado, o valor do sacrifício, e como Lhe era agradável, como, por  atenção a ele, convertia os pecadores”.
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E na terceira aparição o Anjo descobre todo o mistério de reparação que vai se desenvolver na mensagem de Fátima. Ajoelhando-se junto a eles, lhes  faz repetir três vezes a seguinte oração: “Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, adoroVos profundamente e ofereço-Vos o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E,  pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores”.
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O Anjo de Fátima deixava desta maneira nos meninos um sentimento profundo da Majestade de Deus ofendida, um sentido de reparação e desejo veemente de sacrifício pelos pecadores, mostrava a íntima união dos Corações de Jesus e de Maria, e preparava a manifestação do Coração da Mãe de Deus.
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As aparições marianas
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A 13 de maio de 1917, domingo, a Virgem Maria aparecia em Fátima, cerca do meio dia, aos três pastorzinhos. “Vimos sobre uma azinheira uma Senhora vestida toda de branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz mais clara e intensa que um copo de cristal cheio de água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente”. Depois de um breve diálogo, que poderíamos chamar de apresentação, a Virgem Maria desenvolve a sua mensagem: “Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?” – “Sim, queremos” – respondeu Lúcia em nome dos três. 10 – “Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto”. “Foi ao pronunciar estas últimas palavras que abriu pela primeira vez as mãos comunicando-nos –  é a irmã Lúcia quem descreve – uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que, penetrando-nos no peito e no mais íntimo da alma, fazia-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente do que nos vemos no melhor dos espelhos”.
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13 de junho
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Tinha passado um mês. O cenário era o mesmo e os personagens também. Lúcia: “Queria pedir-Lhe para nos levar para o Céu”. Nossa Senhora: “Sim, à Jacinta e ao Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. A quem a abraçar, prometo a salvação; e serão queridas de Deus estas almas, como flores postas por Mim a adornar o seu trono”. Lúcia: “Fico cá sozinha?” Nossa Senhora: “Não, filha. E tu sofres muito? Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”. 11 “Foi no momento que disse estas últimas palavras que abriu as mãos e nos comunicou pela segunda vez o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como que submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco pareciam estar na parte dessa luz que se elevava para o Céu e eu na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora estava um Coração cercado de espinhos que pareciam estar nele cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que queria reparação”.
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13 de julho
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Nossa Senhora: “Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por vosso amor, pela  conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”. Lúcia: “Ao dizer estas últimas palavras abriu de novo as mãos como nos dois meses passados. O reflexo pareceu penetrar a terra e vimos como que um grande mar de fogo e mergulhados nesse fogo os demônios e as  almas como se fossem brasas transparentes e negras ou bronzeadas com forma humana que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados – semelhantes ao cair  das fagulhas nos grandes incêndios – sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa. Assustados e como a pedir socorro, levantamos  os olhos para Nossa Senhora que nos disse com bondade e tristeza:” Nossa Senhora: “Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores. Para salvá-las, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração. Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas  almas e terão paz… Virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas; por fim, o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-Me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz”. Nesta terceira aparição, Nossa Senhora descobria todas as misteriosas intenções de Deus  sobre o mundo, encerradas nele. É aqui onde o tema do Coração de  Maria vai unido ao segredo de Fátima. Primeiro a visão do inferno, que não se tratava de assustar as pobres crianças, mas de destacar bem que atualmente a misericórdia do Senhor colocava de forma especial a salvação das almas na mediação do Coração de Maria. Depois o anúncio da paz, desde que “atenderem a meus pedidos”, quer dizer, se cumpríssemos a sua Vontade. De fato o texto acrescentava que a guerra, presente então, a de 1914-18, estava por acabar, mas que se não deixassem de ofender a Deus, logo começaria outra pior, na qual Deus ia castigar o mundo pelos seus crimes. A devoção ao Coração Imaculado de Maria estava destinada em parte a impedir a guerra de 1939-45. Não merecemos esta graça. Por isso o texto diz literalmente: “Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora”. A grande promessa de Pontevedra e Tuy não estava destinada unicamente a alcançar a salvação individual das almas, mas a uma ampla graça de paz e de conversão para todo o mundo.
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Nossa Senhora voltou
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Nossa Senhora cumpriu a sua promessa de voltar para manifestar a sua vontade a Lúcia, e por ela a todos os homens. Duas coisas havia anunciado que viria pedir: a prática da comunhão reparadora dos primeiros sábados do mês e a consagração da Rússia ao seu Coração Imaculado.
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Vejamos como e quando fez estes pedidos.
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A grande promessa do Coração de Maria em Pontevedra
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A primeira promessa Nossa Senhora cumpriu no dia 10 de dezembro de 1925. Irmã Lúcia, como postulante dorotéia, estava na sua cela quando lhe apareceu Nossa Senhora pondo-lhe uma mão sobre o ombro enquanto lhe mostrava na outra um coração cercado de espinhos. Ao lado de Nossa  Senhora estava o Menino Jesus sobre uma nuvem luminosa, quem lhe disse: “Tem pena do Coração de tua Santíssima Mãe, que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Lhe cravam, sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar”.
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A Santíssima Virgem acrescentou: “Olha, minha filha, o meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Me cravam com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar, e dize que todos aqueles que durante cinco meses, no primeiro sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um terço e me fizerem quinze minutos de companhia meditando nos quinze mistérios do Rosário com o fim de Me desagravar, Eu prometo  assisti-los na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas”.
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Existe algo essencial a todos estes elementos: a reparação cordimariana. Naturalmente que toda reparação do pecado vai dirigida a Deus Pai, por meio  do Filho no Espírito Santo, mas o lugar singular que a Virgem Maria tem na obra da salvação faz que o pecado fira de modo especial o seu Coração.
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Explicação das condições
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• A confissão em espírito de reparação. Se não puder ser feita no primeiro sábado do mês, pode ser antecipada dentro dos oito dias. Inclusive poderia bastar a confissão mensal, que sempre deve ser feita com a intenção de reparar o Coração Imaculado de Maria.
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• A  comunhão reparadora. É o ato essencial desta devoção. Para compreender o seu sentido e o seu alcance, é preciso relacioná-la com a comunhão milagrosa do outono de 1916, orientada pelas palavras do Anjo a uma idéia reparadora, e com a comunhão das primeiras sextas-feiras de mês que pediu o Sagrado Coração em Paray-le-Monial.
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Sobre a dificuldade pontual para cumprir com esta condição no sábado, Nosso Senhor respondeu à Irmã Lúcia na noite do 29 ao 30 de maio de 1930: “Será igualmente aceita a prática desta 15devoção no domingo seguinte ao primeiro sábado, quando os meus Sacerdotes, por justos motivos, assim o concederem às almas”.
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Desse modo, não só a comunhão, mas também a reza do terço e a meditação sobre os  mistérios podem ser feitos no Domingo, e por justos motivos que corresponde ao sacerdote julgar.
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• A oração do  terço. A 13 de outubro de 1917, a Virgem Santíssima revelou que queria que Ela fosse invocada em Fátima sob o vocábulo “Nossa Senhora do Rosário”. Em cada uma das suas seis aparições pediu a reza cotidiana do terço. E tratando-se aqui de reparar as ofensas ao seu Coração Imaculado, esta é certamente a oração vocal que lhe é mais agradável.
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• Os quinze minutos de  meditação. A Santíssima Virgem pede “quinze minutos de meditação sobre os quinze mistérios do Rosário”. Não é indispensável meditar cada mês sobre os quinze mistérios. Ao padre Gonçalves, seu diretor, Irmã Lúcia escreveu: “trata-se de acompanhar durante quinze minutos a Nossa Senhora meditando os mistérios do Rosário”. A vidente afirmava no dia 3 de dezembro de 1939, em outra carta ao seu confessor, o seguinte: “Diz o Sr. Bispo (de Leiria) que a meditação se pode fazer durante a reza do terço. Diz Sua Excelência que o faz assim para facilitar ao povo a prática dessa devoção, já que ordinariamente este não está habituado a meditar; que assim como a Santa Igreja permite que durante a Missa se rezem várias orações que são de obrigação, como a penitência da confissão, etc., e se cumpre o preceito, assim também neste caso. Contudo, será mais perfeito que quem puder faça cada coisa por separado”.
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• A intenção reparadora. Sem esta intenção geral, sem esta vontade de amor que deseja reparar e consolar a Santíssima Virgem, sem esta “compaixão”, todas estas práticas seriam incompletas. Trata-se de consolar o Coração Doloroso e Imaculado da Nossa Mãe. Ainda aqui não se trata em primeiro lugar de consolar a Virgem Maria compadecendo se do seu Coração transpassado por causa dos sofrimentos do seu Filho, mas o sentido preciso desta devoção reparadora considera as ofensas que atualmente recebe o Coração Imaculado de Maria por parte dos que rejeitam a sua mediação materna e menosprezam as suas prerrogativas. São estes outros tantos espinhos que devemos arrancar do seu Coração por estas práticas de reparação, para consolá-la e obter assim o perdão para as almas que o ofendem tão gravemente.
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Por que cinco sábados?
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“Ficando na capela, com Nosso Senhor, parte da noite do dia 29 para 30 do mês de Maio, 1930, e falando a Nosso Senhor desta questão, senti-me, de repente, possuída mais intimamente da divina Presença; e, se me não engano, foi-me revelado o seguinte:
“Minha filha, o motivo é simples: São  5 as espécies de ofensas e blasfêmias proferidas contra o Imaculado Coração de Maria.”
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1° As blasfêmias contra a Imaculada Conceição;
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2° Contra a sua Virgindade;
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3° Contra a maternidade divina, recusando, ao mesmo tempo, recebê-La como Mãe dos homens; 17
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4° Os que procuram publicamente infundir, nos corações das crianças, a indiferença, o desprezo, e até o ódio para com esta Imaculada Mãe;
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5° Os que A ultrajam diretamente nas Suas sagradas imagens.
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“Eis, minha filha, o motivo pelo qual o Imaculado Coração de Maria Me levou a pedir esta pequena reparação”.
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O Coração de Maria e a Rússia

Rússia na mensagem de Fátima

Respeito à consagração da Rússia à Mãe de Deus voltou a ser pedido no momento da grande  visão trinitária acontecida em Tuy, no dia 13 de junho de 1929. Estando Irmã Lúcia de Jesus na capela das Irmãs Dorotéias, lhe apareceu Nossa Senhora: “É chegado o momento em que Deus  pede para o Santo Padre fazer, em união com todos os Bispos do mundo, a consagração da Rússia ao meu Imaculado Coração, prometendo salvá-la por este meio.
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São tantas as almas que a Justiça de Deus condena por pecados contra Mim cometidos, que venho pedir reparação: sacrifica-te por esta intenção e ora”. E a Irmã Lúcia acrescenta: “Mais tarde, por meio de uma comunicação íntima, Nossa Senhora me disse, queixando-se: “Não quiseram atender ao meu pedido. Como o Rei de França, arrepender-se-ão e fa-lo-ão, mas será tarde. A Rússia terá já espalhado os seus erros pelo mundo, provocando guerras, perseguições à Igreja: o Santo Padre terá muito que sofrer”.
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Assim como Cristo exigiu através de Santa Margarida Maria Alacoque a consagração da França, assim também nos nossos dias o Céu pediu a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Por que a Virgem Maria cita a Rússia? Não há outros países tão pecadores e culpáveis como a Rússia? Quando os videntes ouvem, em julho de 1917, a palavra Rússia, não sabem de que se trata. É para eles simplesmente símbolo de algo maligno que combate contra Deus, o Papa, a Igreja, e que causa males sem número. Na mensagem de Fátima,  Rússia significa algo religioso, ou melhor, anti-religioso, que se concretiza no comunismo ateu e marxista, que declarou oficialmente guerra a Deus e à Igreja, e que se prolonga no ateísmo materialista e na divinização humanista que hoje reina no mundo. Se Fátima fala da Rússia não é mais que para pedir uma consagração, pressuposto necessário para a sua conversão.
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Mas por desgraça nenhum Papa cumpriu ainda a consagração da Rússia tal como a pede Nossa Senhora. E, no entanto, o Céu vinculou graças decisivas para a Igreja e para o mundo ao cumprimento deste pedido. Deve entender-se também, reciprocamente, que, se não a cumprem, sobrevirão catástrofes sobre o mundo, pelo simples fato de que Deus deixa a humanidade sem socorro, abandonada a si mesma. Por que Deus faz depender a salvação do mundo de um ato tão simples e em aparência insignificante?
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A insignificância da consagração deve pôr de manifesto a eficácia de Maria na conversão realizada. Desde o ponto de vista humano o ato que Deus pede para a conversão da Rússia não tem proporção alguma com o efeito  prometido. No entanto, será precisamente isto o que, diante  de todos os homens, mostrará a grande conversão como um fato sobrenatural. Além disso, como a consagração, segundo o pedido de Maria, deve ter um caráter público e mundial, também o conhecimento dessa conversão será acessível a todos os homens. Precisamente por esta falta aparente de proporção, o grande papel de Maria  como Medianeira de todas as graças brilhará diante dos homens na sua plena grandeza, como também se porá de manifesto a sua vitória sobre o demônio.
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Por que a Santa Sé não cumpre com os seus desejos? A Irmã Lúcia atribuía a uma permissão divina inescrutável. E quando lhe perguntaram porque Deus não convertia a Rússia sem necessidade de recorrer a este meio, respondeu com uma comunicação recebida do Senhor: “Porque quero que toda a minha Igreja reconheça essa consagração como um triunfo do Coração Imaculado de Maria, para depois estender o seu culto e pôr, ao lado do meu Divino Coração, a devoção deste Imaculado Coração”.
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A conversão da Rússia, no entanto, não deve ser pensada como produzida mecanicamente por  uma fórmula, recitada um dia pelo Papa em união com os Bispos de todo o mundo. Isto exige necessariamente a cooperação humana: uma intensa difusão da devoção ao Coração de Maria, como grande intercessora neste grave problema, para que seja a Virgem Maria, com o seu Coração Imaculado, quem venha a ser o grande suplemento em todas as deficiências da humanidade e da Igreja. “Rússia – dizia a Irmã Lúcia – está entregue a esse Coração Imaculado”. A conversão da Rússia é uma graça tão grande para a humanidade dos nossos dias que deve ser merecida com a nossa própria conversão.
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O Coração de Maria e a Igreja
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A conversão da Rússia não somente se encaminha à conversão deste povo, senão que, apesar da sua modesta aparência, será um verdadeiro meio de cura para a crise interna da Igreja, que é uma crise de Fé.
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Na aparição de julho, a Virgem Maria tinha anunciado: “se não, [Rússia]  espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja;  os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer…”. Na terceira parte do segredo faz-se menção a essa perseguição: “Vimos numa luz imensa que é Deus, algo semelhante a como se vêem as pessoas num espelho quando lhe passam por diante, um Bispo vestido de Branco (tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre), vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e  religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trêmulo, com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás  outros os Bispos Sacerdotes, religiosos e religiosas e várias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de varias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal na mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus”.
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… o  sangue dos mártires é semente de cristãos. Mas não esqueçamos que diante dos sofrimentos que seus filhos terão que suportar, Maria nos dá o seu Coração como lugar de refúgio.
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Jacinta foi talvez a que melhor compreendeu a relação que tinha a devoção ao Coração de Maria com o amor à Igreja e ao Santo Padre: “Em Jacinta se enraizou tanto amor pelo Santo Padre, que sempre oferecia um sacrifício a Jesus acrescentando: “É pelo Santo Padre”. A ele corresponde realizar esses desejos do Céu e ninguém mais pode substituí-lo. Irmã Lúcia, numa carta ao seu diretor espiritual, Padre  Gonçalves, precisava: “Deus promete pôr fim à perseguição na Rússia se o  Santo Padre se digna fazer, e ordena fazer igualmente aos bispos do mundo católico, um ato solene e público de reparação e de consagração aos Sacratíssimos Corações de Jesus e de Maria, e se Sua Santidade promete, mediante o fim desta perseguição, aprovar e recomendar a prática da devoção reparadora indicada mais acima”. A conclusão é simples: Deus quer salvar o mundo de hoje por meio de um verdadeiro ato de Fé da hierarquia católica.
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A consagração da Rússia se converte desta maneira na solução para a restauração da fé católica na Igreja e no mundo. Os frutos provenientes de dita consagração serão magnificamente coroados pela intervenção da Virgem: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”. A sua intervenção ficará patente: é uma graça que Deus pôs nas suas mãos, e somente por meio do seu Coração Imaculado a Igreja recuperará o seu esplendor. Por isso, apesar da profunda crise que estamos vivendo, conservamos uma esperança: o Coração de Maria.
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A Consagração ao Coração de Maria
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Em Fátima propriamente não se pediu mais que a consagração da Rússia como um meio eficaz da sua conversão e da paz do mundo. Mas evidentemente que essa consagração deverá ser precedida de uma prática extensa e intensamente vivida de outras consagrações, pessoais e sociais. É mais: a consagração da Rússia não chegará provavelmente senão como um fruto dessa consagração da Igreja em todas as ordens.
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O fundamente desta consagração é simplesmente o domínio ou realeza que Ela tem sobre nós. Nós nos consagramos ao Coração de Maria para reconhecer a posição de Maria na obra da salvação como Medianeira de todas as graças, para achar refúgio nEla pelo seu amor maternal, prometer viver  como filhos seus fiéis e querer expiar e reparar os pecados pelos quais se ofende o seu Coração Imaculado e Doloroso. Pio XII concretizava o seu sentido na mensagem de rádio da Coroação da Virgem de Fátima no dia 13 de maio de 1946: “Vós, coroando a imagem de Nossa Senhora, assinastes, com o atestado de  fé na sua realeza, o de uma submissão à sua autoridade, de uma correspondência filial e constante ao seu amor. Fizestes mais ainda: alistaste-vos Cruzados para a conquista ou reconquista do seu Reino, que é o Reino de Deus. Quer dizer: obrigastes-vos a trabalhar para que Ela seja amada, venerada, servida à volta de vós, na família, na sociedade do mundo”.
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Pela consagração nos entregamos a Deus, por meio da Virgem Maria, e concretamente, por meio do Coração Imaculado e Doloroso de Maria. Esta doação, para ser perfeita, deve ser total, das nossas pessoas e nossas coisas, e para sempre. São Luis Maria Grignion de Montfort diz no  seu ato de consagração: “Eu Vos escolho hoje, ó Maria, na presença de todos os bem-aventurados do Céu, por minha Mãe e Rainha; eu Vos entrego e consagro em toda submissão e amor o meu corpo e minha alma, minha liberdade, minha inteligência, memória e vontade, todas as minhas faculdades e sentidos, e todos os meus bens exteriores e até mesmo o valor das minhas boas ações passadas, presentes e futuras; eu me uno a Vós 24para Vos obedecer em tudo e deixar-me conduzir como uma criança; Vós podeis, pois, dispor de mim e de tudo o que me pertence segundo o vosso agrado, para a maior glória de Deus, no tempo da minha vida terrestre e por toda a eternidade. Amém”.
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Não esqueçamos que o Coração de Maria é o Coração de uma Mãe, “é o Coração da melhor das Mães – dizia Irmã Lúcia – sempre vigiando atento pela última das suas filhas. Como esta certeza me alenta e conforta!” É o Coração de uma Virgem que nos manterá puros. É o Coração de uma Rainha que nos acolherá a todos debaixo do seu manto. É finalmente o Coração de uma mártir que nos dará a fortaleza para enfrentar a vida de hoje e avançar na virtude.
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Entendida assim, a consagração a Maria é uma entrega confiante e definitiva de si mesmo à sua maternal proteção; uma súplica para que nos alcance da Divina Misericórdia graças especiais para a nossa própria santificação e que nos guie para que  alcancemos o nosso fim último, a eterna bem-aventurança do Céu.
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“Quero o que Vós quereis, lanço-me no vosso Coração abrasado de amor, divino modelo no qual devo formar-me e nele me escondo e me perco para rogar, obrar e sofrer sempre por Vós e convosco para a maior glória do vosso Divino Filho Jesus”
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São Luis Maria Grignion de Montfort
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O Coração de Maria e a santidade
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Em formas simples, a mensagem de Fátima nos descobre o mistério da graça, da habitação e da presença divina nas almas, que alcança não somente a vida cristã simples e fundamental, mas também os mais elevados graus de contemplação mística.
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Não podemos esquecer que a vida espiritual dos videntes forma parte também dessa mensagem e que eles são um exemplo palpável do que se pode aprender como chegar até os mais altas cumes da santidade, abraçando e vivendo plenamente as indicações da Virgem Maria, posto que a fonte da alta vida da graça dos videntes deve ser buscada no Coração de Maria. Umas crianças do campo, sem passar ainda da infância, com uma instrução religiosa elementar, encontram-se repentinamente transformadas em almas com intuições maravilhosas sobre os dogmas da fé e sobre a prática da vida cristã nos seus graus mais altos de heroísmo, o qual não se pode explicar sem uma clara intervenção do sobrenatural.
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São três os pontos nos quais podemos resumir a espiritualidade cordimariana segundo os testemunhos dos videntes.
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• O Coração de Maria é fonte de santificação e salvação. Jacinta, já próxima de voar ao Céu, encarrega a sua prima: “Dize a todos que Deus concede as suas graças por meio do Imaculado Coração de Maria; que peçam-nas a Ela”. Por sua parte, Francisco disse depois da segunda aparição: “Por que estava Nossa Senhora com um Coração na mão espargindo sobre o mundo essa luz tão grande, que é Deus?”, do qual se deduz que Deus – a luz – se comunicava a eles e ao mundo através do próprio Coração Imaculado.
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• A origem última desta eficácia santificadora que emana do Coração de Maria  é Deus, que mora no Coração Imaculado; e é Deus, ou seja,  a vida divina, o que Ela transmite às almas: “Ao pronunciar estas últimas palavras, abriu pela primeira vez as mãos comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que, penetrando-nos no peito e no mais íntimo da alma, fazia-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente do que nos vemos no melhor dos espelhos”.
Francisco, por sua parte, exclamava: “Esta gente fica tão contente só porque os demais lhes dizem que Nossa Senhora mandou rezar o Rosário… Que seria se soubessem que Ela nos mostrou a Deus no seu Coração Imaculado, nessa luz tão grande…!” Francisco era incapaz de traduzir as suas experiências: “Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como”; “O que mais me impressionou e absorveu era Deus, a Santíssima Trindade, nessa luz imensa que nos penetrava no mais íntimo da alma. Depois dizia: estávamos ardendo naquela luz e não nos queimávamos. Como é Deus? Não se pode dizer. Isso sim que ninguém pode dizer”.
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• O Coração de Maria é morada e refúgio para a alma, e caminho, em outras palavras, presença e ajuda ao longo da vida espiritual até os cumes mais altos: “O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”. Lúcia comentaria mais tarde: “Foi ao dizer estas palavras quando abriu as mãos, fazendo penetrar no nosso peito o reflexo que delas expedia. E me parece que, neste dia, este reflexo teve como fim principal infundir em nós um conhecimento e um amor especial ao Imaculado Coração de Maria; assim como nas outras duas vezes o teve em relação com Deus e o mistério da Santíssima Trindade. Desde esse dia, sentimos no coração um  amor mais ardente pelo Coração Imaculado de Maria”.
Através desta devoção ao Coração Imaculado de Maria, Francisco e Jacinta, no breve  tempo que entre o começo das aparições e sua morte, chegaram  a escalar os cumes mais altos e heróicos da perfeição cristã. Deus, poderíamos dizer, os fez santos queimando as etapas. Em particular os sofrimentos da última doença levaram a Francisco e a Jacinta a uma identificação perfeita com Cristo crucificado.
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E essa mesma transformação é a que nós devemos pedir, descansando e apoiando-nos no Coração de Maria. Como Jacinta, devemos reparar o Coração de Maria, como Francisco consolá-lo, como Lúcia fazê-lo conhecer e amar.
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O Coração de Maria e o espírito de reparação
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Para um mundo que está perdendo o sentido do pecado, as mensagens de Fátima começam exigindo uma conversão do coração. O Anjo ensina as crianças a rezar com um sentido de reparação “pelos que não crêem, não adoram, não esperam e não amam”. Ensina-lhes a oferecer orações e sacrifícios “pela conversão dos pecadores”. E lhes convida a gestos de penitência: ajoelhar-se, prostrar-se em terra, inclinar a cabeça até o chão.
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A Virgem Maria, além de estabelecer a devoção ao seu Coração Imaculado, cujo fruto espontâneo é o amor, pediu com insistência a reparação pelos ultrajes cometidos contra o seu Coração Imaculado: “Quereis vos oferecer a Deus para fazer sacrifícios e aceitar voluntariamente todos os sofrimentos que Ele quiser vos enviar, em reparação  de tantos pecados com que a divina Majestade é ofendida, para obter a conversão dos pecadores e em desagravo das blasfêmias e ultrajes feitos ao Imaculado Coração de Maria?” Seu ensinamento doutrinal é simples e direto, dirigido contra o pecado: “Vistes o inferno, para onde vão as almas dos pobres pecadores”. As suas últimas palavras são: “Não ofendam mais a Nosso Senhor, que já está muito ofendido”.
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A forma de mortificação que os viventes praticaram continuamente compreende uma gama imensa de pequenas e grandes mortificações. Especialmente depois da visão do inferno estão sempre pendentes de qualquer ocasião de sacrifício para aproveitá-la: privavam-se da  comida dando-a aos pobres ou às ovelhas, passavam de joelhos longos tempos com a cabeça tocando o chão rogando pelos pecadores, deixavam de beber quando era o mais intenso do verão, apesar do sol ardente e da nuvem de pó que o rebanho levantava; se aplicavam urtigas, dormiam sobre o chão, se privavam de toda classe de guloseimas, suportavam as contradições e os maus tratos com resignação e conformidade… Seu desejo de sacrifício lhes inspirou levar  a cintura cingida com uma corda grossa e áspera de junco todo o dia e noite, até que Nossa Senhora teve que lhes dizer na aparição de 13 de setembro: “Deus está contente dos vossos sacrifícios, mas não quer que durmais com a corda posta. Levai-a só durante o dia”. Lúcia se mostra especialmente impressionada pela tristeza da Santíssima Virgem em outubro: “Nesta aparição as palavras da Virgem que mais profundamente ficaram gravadas no coração foram aquelas com que Nossa Senhora a Mãe do Céu pedia que não ofendessem mais a Deus Nosso Senhor, que já estava demasiado ofendido. Que amoroso lamento e que suplica tão terna contêm! Quem dera ressoasse por todo o mundo e que todos os filhos da Mãe do Céu escutassem a sua voz!”. O mesmo acontece com Francisco, em quem causaram profunda impressão as palavras do Anjo na sua terceira aparição: “Consolai o vosso Deus”. “Enquanto a Jacinta parecia preocupada com o único pensamento de converter os pecadores e de preservar as almas do inferno. Ele [Francisco] tratava somente de pensar em consolar a Nosso Senhor e a Virgem, que lhe pareciam estar tão tristes”.
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Como mortificação cristã fundamental, Fátima pôs de relevo a importância que tem  a prática do dever cotidiano bem cumprido: “Deus se vai deixando aplacar. Mas se queixa amargamente e dolorosamente do número limitadíssimo das almas em graça dispostas a renunciar-se no que delas exige a observância da sua lei. Porque esta é a penitência que Deus pede agora: “o sacrifício que cada pessoa tem que se impor a si mesma para levar uma vida de justiça na observância da sua Lei. E, desta maneira, que se dê a conhecer com claridade este caminho às almas, porque muitas, julgando o sentido da palavra “penitência” por grandes austeridades e não sentindo força nem generosidade para elas, se desanimam e repousam numa vida de tibieza e de pecado”.
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Para acompanhar com a oração a prática dos sacrifícios, a Virgem lhes ensina a que poderíamos chamar a “jaculatória reparadora de Fátima”: “Sacrificai-vos pelos pecadores e dizei muitas vezes e em especial sempre que fizerdes algum sacrifício: Ó Jesus, é por vosso amor, pela  conversão dos pecadores e em reparação pelos pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”.
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O Coração de Maria e o Santo Rosário

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Com a devoção e consagração ao Coração de Maria, a oração do Santo Rosário mostra uma importância de primeiríssimo plano nas revelações de Fátima.  O Terço é, sem dúvida, a prática mais insistentemente recomendada por Nossa Senhora em todas as aparições:
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• 13 de maio: “Rezem o Terço todos os dias para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra”.
• 13 de junho: “Quero que… rezeis o Terço todos os dias”.
• 13 de julho: “Quero que continuem a rezar o Terço todos os dias em honra de Nossa Senhora do Rosário para obter a paz do mundo e o fim da guerra, porque só Ela lhes poderá valer”. “Quando rezais o Terço, dizei depois de cada mistério: Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o Céu, e socorrei principalmente as que mais precisarem”.
• 19 de agosto: “Quero que… continueis a rezar o Terço todos os dias”.
• 13 de setembro: “Continuem a rezar o terço para alcançarem o fim da guerra”.
• 13 de outubro: “Quero dizer-te que façam aqui uma capela em minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o Terço todos os dias”.
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Não se podia dar maior insistência na recomendação desta prática mariana que tantas bênçãos trouxe sempre à Santa Igreja e às famílias católicas, sobretudo a paz, a união e o espírito cristão de piedade, de esforço e de paciência.
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Mas Nossa Senhora se dignou sinalar algumas características especiais para a sua oração:
• Finalidade: a paz e a conversão dos pecadores. Assim indicam-no as referidas palavras da Virgem Maria e a oração que pediu para que intercalassem entre os mistérios de cada dezena.
• Modo:  que se meditem os mistérios, condição precisa para merecer a grande promessa dos cinco sábados do mês.
• Espírito: em reparação das ofensas que se fazem ao Coração Imaculado de Maria, segundo a mesma promessa sabatina.
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Do conjunto da doutrina de Fátima se deduz que o caminho mais curto e mais eficaz para penetrar no amor e na devoção ao Coração da Virgem é a oração do santo Terço com a meditação dos mistérios e com este ânimo reparador cordimariano. Santo Antônio Maria Claret compreendeu as relações que existem entre o Terço e a devoção ao Coração de Maria: “Para chegar ao Coração de Maria, o caminho mais curto e seguro é o santíssimo Terço”.
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Um exemplo concreto da eficácia do Terço o temos em Francisco. Quando Lúcia perguntou à Virgem se ele iria ao Céu, a Virgem lhe respondeu: “Francisco também irá para o Céu, mas antes tem que rezar muitos Terços”. Ele, feliz, manifestando como se sentia alegre pela promessa de ir ao Céu, cruzando as mãos sobre o peito dizia: “Ó minha Mãe, Terços rezo todos os que Vós queirais”. E desde então tomou o costume de separar-se de nós como passeando e, se alguma vez o chamava e lhe perguntava o que estava fazendo, levantava o braço e me mostrava o Terço. Se lhe dizia que viesse a brincar, que  depois rezaríamos todos juntos, respondia: “Depois rezo também. Não lembras que Nossa Senhora disse que eu tinha que rezar muitos Terços?” O Terço foi para Francisco o meio de ganhar o Céu.
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“Eu creio – afirmava Irmã Lúcia –  que, depois da oração litúrgica do Santo Sacrifício da Missa, a oração do santo, pela origem e pela sublimidade das  orações que o compõem e pelos mistérios da Redenção que recordamos e meditamos em cada dezena, é a oração mais agradável que podemos oferecer a Deus e de maior proveito para as nossas almas. Se não fosse assim, Nossa Senhora não teria recomendado com tanta insistência”.
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O Coração de Maria e os Novíssimos
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A mensagem de Fátima manifesta o que chamamos os “novíssimos” do homem. A morte, por exemplo, se mostra como um fato inevitável, e as preocupações em torno a esta realidade adquiriam então uma gravidade especial em razão da guerra que causava tantas mortes: “Jacinta, em que pensas? E não poucas vezes respondia: “Nessa guerra que deve vir, em tanta gente que vai morrer e ir ao inferno. Que pena! Se deixassem de ofender a Deus não viria a guerra nem iriam ao inferno”.
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O dogma do Purgatório nos é apresentado também de uma forma tremenda, no caso de uma tal Amélia: “Então me lembrei de perguntar por duas moças que tinham morrido fazia pouco tempo. Eram minhas amigas e iam à minha casa para aprender a ser tecelãs com a minha irmã maior:
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– A Maria das Neves já está no Céu?
– Sim, está. (Parece-me que devia ter uns 17 anos)
– E a Amélia? 33
– Estará no Purgatório até o fim do mundo. (Parece-me que devia
ter de 18 a 20 anos)”.
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Mas se a morte e o Purgatório aparecem desta maneira tão viva nos relatos de Fátima, sem dúvida é o dogma do Inferno o que ocupa um lugar importante, especialmente nas experiências místicas dos videntes, e ainda de um modo mais impressionante na sensível alma de Jacinta: “Nossa Senhora nos mostrou como que um mar de fogo. Mergulhados nesse fogo, os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio, levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao  cair das fagulhas nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero, que horrorizava e fazia estremecer de pavor. Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa”.
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As crianças tinham já recebido um primeiro ensino de Lúcia. Jacinta lhe pergunta: o que é o inferno? E Lúcia responde como pode: “- É uma cova de bichos e uma fogueira muito grande (assim me explicava minha mãe) e vai para lá quem faz pecados e não se confessa e fica lá sempre a arder.
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– E nunca mais sai de lá?
– Não.
– E depois de muitos anos, muitos anos?! 34
– Não; o inferno nunca acaba. E o Céu também não. Quem vai para o Céu nunca mais de lá sai. E quem vai pra o inferno também não.
– Não vês que são eternos, que nunca acabam?
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Fizemos, então, pela primeira vez, a meditação do inferno e da eternidade”.
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Lúcia se perguntava: “Como é que Jacinta, tão pequena, se deixou possuir e chegou a compreender um espírito tão grande de mortificação e de penitência?” E achava a resposta assim: “Parece-me que foi, primeiro, por uma graça especial que Deus quis lhe conceder por meio do Imaculado Coração de Maria. Segundo, pondo seu olhar no inferno e na desgraça das almas que caem ali. Algumas pessoas, mesmo as piedosas, não querem falar às crianças sobre o inferno para não as assustar. Deus, no entanto, não duvidou em mostrá-lo a três crianças, e uma de apenas seis anos, ainda sabendo que se tinha de horrorizar tanto que quase ia morrer de susto”.
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Mas não só o inferno: o Céu entra também na mensagem de Fátima com a alegria de uns simples e inocentes pedidos infantis. Nossa Senhora responde a Lúcia que lhe pergunta de onde vem: “Sou do Céu”. E já na primeira aparição a Virgem Maria promete o Céu aos seus pequenos interlocutores, depois das perguntas interessadas, mas simples, de Lúcia:
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“- E eu também vou para o Céu?
– Sim, vais.
– E a Jacinta?
– Também.
– E o Francisco?
– Também, mas tem que rezar muitos Terços”.
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Nas últimas despedidas entre Lúcia e seus primos se estabelece um emotivo diálogo: “Chegou, por fim, o dia de partir para Lisboa. A despedida cortava o coração. Permaneceu muito tempo abraçada ao meu pescoço e dizia, chorando: – Nunca mais nos tornaremos a ver! Reza muito por mim, até que eu vá para o Céu”. Francisco diz com toda a naturalidade: “vou para o Céu”. O mesmo dizia Jacinta: “Eu vou para o Céu”. E, apesar desta certeza da salvação, as crianças continuam a sua vida de fé e de esperança como se não tivessem recebido uma graça tão grande. Deste modo até parecia que o Céu estava ao alcance das mãos: as recomendações para o Céu eram feitas como se tratasse de uma região conhecida, onde moram familiares nossos: “Saudações a Nosso Senhor e a Nossa Senhora; e dizei-lhes que sofro tudo o que queiram pela conversão dos pecadores e em reparação do Coração Imaculado de Maria”.

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A Cavalaria

Fonte: SPES

Non nobis Domine, non nobis, sed nomine Tuo da gloriam.

Frederico de Castro

A instituição da Cavalaria armou os exércitos da Cristandade não apenas com uma doutrina bélica nunca antes vista, mas a revestiu com grande prestígio até os dias de hoje.
Ao lado da pureza da imagem da Mãe de Deus e nossa, o prestígio da cavalaria é muito provavelmente o que mais se cobiça pelos inimigos da Santa Igreja.
Debaixo do nome cavalaria todo tipo de irmandade, tanto seculares como pseudorreligiosos, hão chegado a numerar um número que se aproxima das centenas, isto sem se levar em conta as denominações apócrifas e as natimortas.
Individuos diversos se meteram neste “negócio”; alguns aventureiros trataram de explorar o prestígio e a nobreza da cavalaria falsificando insígnias e as condecorações das verdadeiras ordens de cavalaria, que muitas vezes distribuíam de maneira pródiga, mas nunca gratuitamente. Em consequência surgiu todo um grupo de ordens consideradas falsas.
Apenas para exemplificar, no século XVII Marino Caraccioli (1624), um nobre napolitano, logrou passar-se Grão Mestre da Ordem dos Cavaleiros de São Jorge, que dizem remonta a Constantino o Grande.
Em 1632 Baltasar Girón, que se apresentava como etíope, introduziu na Europa uma ordem não menos antiga, a de Santo Antônio de Etiópia, na verdade uma fraude imediatamente desmascarada por outro oriental, chamado Abraham Echelensis (1646).
Como se pode ver, as fraudes que pretendem invocar o prestígio da cavalaria não são de hoje.
As ordens verdadeiras, historicamente existentes, podem reduzir-se a três categorias:
 a) Grandes Ordens Regulares;
 b) Ordens Regulares Menores;
 c) Ordens Seculares.
As grandes Ordens Militares tiveram sua origem nas cruzadas, donde surgiu o distintivo referente a toda verdadeira Ordem de Cavalaria: a cruz no peito. As Ordens Regulares Menores se distinguiam das Grandes Ordens somente em deveres e obrigações. Por fim, as Ordens Seculares se formaram no século XIV como fraternidades de cavaleiros laicos à semelhança das regulares, sendo um padrão entre todas elas um voto de servir à Santa Igreja, ao Soberano (católico) e ao Grão Mestre (católico) através da prática de certos atos devocionais.
Como se sabe, a Santa Igreja não possui mais ordens militares regulares, sendo que a única força armada responsável pela defesa secular do Papa e do Vaticano é a Guarda Suíça Pontifícia, lembrando-se que o Papa Paulo VI extinguiu ainda a Guarda Nobre e a Guarda Palatina do Vaticano, ficando a Santa Igreja praticamente à mercê do poder temporal.
As ordens seculares foi o pouco que sobrou e, contudo, não raro, são alvo de sobrelevada ganância por prestígio e poder.
Vejam então como é que certos agrupamentos de canalhas seduzem grande número de pessoas valendo-se do prestígio das antigas Grandes Ordens Regulares.
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A Formação de um Cavaleiro
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A Cavalaria foi idealizada pela Santa Igreja para a sua defesa e para a defesa do bem comum. De um candidato à Cavalaria se diz que irá armar-se ou fazer-se cavaleiro.
Ela é (ou foi) uma instituição aberta, ou seja, homens (como regra) de qualquer classe social podiam e podem ser “armados”/”feitos” cavaleiros. Estão excluídos somente os doentes, por motivos óbvios, e os desonrados.
Na Idade Média, os cavaleiros usualmente eram da nobreza porque a este estamento social competia a defesa da sociedade, portanto, tal acontecia apenas por uma questão de funções e nada impedia que um camponês ou um “burguês” se armassem cavaleiros. Não estava nada conectado a uma aristé esvaziada como se dará a partir da decadência do período medieval.
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Depois, ele deveria seguir um rito de “armação” da Santa Igreja. Primeiro uma vigília, dita de armas; depois, uma Missa Solene  onde se abençoavam as armas do cavaleiro e, por fim, um novo tapa, desta vez na face e concedido pelo sacerdote que dizia: “Se te dou essa espada, é sob a condição de que sejas paladino do Senhor”. O tapinha pode ser substituído pelos famosos três golpes pranchados de espada em nome da Santíssima Trindade.
Até este momento, o católico, que era apenas candidato, já é então um cavaleiro; o que não significa dizer que pertença a alguma Ordem de Cavalaria. Com efeito, cavaleiros desvinculados de ordens e cujo suzerano falecia sem deixar herdeiro se tornavam durante algum tempo cavaleiros sem senhor, pautando-se somente pela obediência à Igreja.
Para que o cavaleiro pudesse pertencer a uma Ordem de Cavalaria necessitava ser aceito e jurar determinados votos da regra de cada qual. As ordens, por sua vez, são criadas por grupos de cavaleiros e devem ter suas regras submetidas à aprovação eclesial.
Como se vê, não é nada fácil o surgimento de uma nova ordem de cavalaria. Não existe essa bobajada de “cavalaria espiritual” ou coisa semelhantemente esotérica!
Quantos homens de valor, quantos católicos fervorosos, não buscariam uma chance de pertencer a uma instituição como a cavalaria!!! Infelizmente, hoje em dia, com a separação que existe entre o Estado e a Igreja é impossível ser membro de uma força armada regular e ser cavaleiro a um só tempo sem que se quebre o juramento que se faz à Santa Igreja através da cavalaria.
Existe hoje somente um lugar no mundo, em que isto ainda pode ser possível, e, mesmo assim, o amargor da dúvida de alguns deveres muitas vezes deve ser atroz: somente em alguns cantões suíços isto ainda é possível para fazer parte da Guarda Suíça Pontifícia. No mais, as ordens hoje existentes não passam de ordens devocionais e nobiliárquicas.
O resto é brincadeira de capa e espada ou então tentáculos de obscuros inimigos da Santa Igreja.
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A Paixão da Santa Igreja e as Algemas na Cavalaria
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O Tempo presente com muito pouca dúvida pode ser considerado como que uma espécie de paixão da Santa Igreja. Nosso Senhor Jesus Cristo nos garantiu que a Igreja iria durar até o fim dos tempos, mas falou também que os discípulos devem seguir o mesmo destino do Mestre, ou seja, cada qual carrega a sua cruz.
Escutem, por exemplo, este sermão de D. Tomás de Aquino, Prior do Mosteiro da Santa Cruz:
Não nos enganemos, a Santa Igreja já está manietada! As correntes são o Concílio Vaticano II e as chaves dos cadeados estão nas mãos de seus defensores: o Clero conciliar e os governantes temporais, bem como as associações que os sustentam.
Ela está entregue ao poder secular laico, logo, pelo menos os conciliares, não permitirão a formarão ordens de cavalaria e nem armarão cavaleiros regulares, a não ser nessas ordens devocionais ou nobiliárquicas cuja atividade se distancia cada dia mais e mais do nobre ideal da cavalaria.
O que fazer? muitos perguntam. A situação é complexa, mas o pensamento político de São Pio X dá-nos um norte: restaurar todas! as coisas em Cristo!

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Fonte: Contra Impugnantes

Sidney Silveira

De acordo com alguns dos maiores teólogos da história da Igreja, entre os motivos pelos quais Deus permite a possessão diabólica estão:

a) o aumento da glória de Deus[1], devido ao fato de que, por meio dos possessos, se manifestam de forma patente as perfeições e a autoridade divina; b) a manifestação da verdade da Religião Católica (a verdadeira religião), pois somente ela é dotada de poder sobre as forças infernais, por delegação direta de Cristo; c) o castigo dos pecadores, em especial dos mais obstinados que pecam contra o Espírito Santo; d) o proveito espiritual dos bons, ou seja, dos justos; e) os ensinamentos que se extraem de cada caso de possessão, tanto acerca do mundo espiritual como a respeito da condição humana.[2]

Da parte do Lúcifer e de todos os seus seguidores, a causa da possessão é simplesmente o imenso ódio que os demônios têm dos homens e o prazer que sentem ao perdê-los, ao retirá-los do caminho conducente ao céu. Vale dizer que os demônios, se não fossem limitados por Deus, perderiam a humanidade inteira, em razão de sua absoluta superioridade ontológica em relação a nós, nesta gradação de ser que vai da matéria prima ao Ato Puro da essência divina.

Como ficou anteriormente assentado, a possessão é uma das quatro formas de ação diabólica sobre o homem, e, em boa parte dos casos, dão-se algumas predisposições humanas para que se chegue a tal ponto. A principal é a seguinte: o indivíduo que leva uma vida de pecado em matéria grave acaba transformando-se em merecedor desta triste condição de endemoniado, embora não se deva pressupor que a possessão represente sempre um castigo dos pecados do possesso; não foi tão rara na história da Igreja a possessão de homens justos e bons, para se cumprirem alguns dos motivos acima arrolados da permissão divina para esse tipo de mal. A propósito, é sobre as almas boas que o demônio preferiria agir sempre, pois o pecador em estado de pecado mortal habitual já está, de alguma forma, sob o domínio satânico, razão pela qual é justamente contra os que buscam a santidade que o Maligno mais gosta de agir.

Com relação ao modo da possessão diabólica, diga-se que ele está circunscrito ao que a sua forma entitativa é capaz de atualizar, na ordem do ser. Assim, por exemplo, tendo as criaturas espirituais domínio sobre a matéria – que, em sentido metafísico, é absolutamente inerte, pois não pode passar por si mesma da potência ao ato –, elas conseguem realizar quaisquer movimentos locais sem a menor dificuldade. Assim, os demônios podem mover objetos de um lugar a outro, para sugestionar uma alma que esteja sob o influxo da infestação local. Observe-se que este domínio sobre a matéria é extrínseco, ou seja, não é dado aos entes espirituais criar a matéria nem mudar a substância de forma direta e imediata. Como salientam alguns teólogos e exorcistas, os demônios podem mudar internamente a matéria tão-somente de forma indireta e mediata, ou seja, alterando a qualidade das substâncias pela mescla de elementos.

No caso do homem, também a ação satânica é direta e imediata apenas sobre o corpo e suas potências, sendo indireta e mediata sobre a alma. Em síntese, o demônio influencia a alma só a partir daquilo em que ela é dependente do corpo para atuar. Assim, ele é capaz de trabalhar sobre a imaginação (sentido corporal interno) sugerindo formas que possam causar medo, desejo, ira, etc., e desta forma predispor a vontade a escolher mal, obliterada por paixões. Mas não pode o demônio agir diretamente sobre a vontade, razão pela qual não está em seu poder obrigá-la a querer pecar, mas apenas induzi-la a fazê-lo atuando sobre o corpo predispositivamente. Por exemplo: o demônio pode acelerar os batimentos cardíacos de uma pessoa e dar a ela a sensação de morte iminente, para induzi-la a cometer algum pecado específico sobre o influxo do medo – que, como se diz neste conto, em geral não é outra coisa senão um desgoverno na imaginação.

Dadas estas premissas, reiteremos: os demônios só podem exercer alguma influência sobre as atividades intelectivas e volitivas humanas de forma indireta e limitada.

No próximo texto, veremos de que forma estas criaturas espirituais maléficas podem atuar sobre a inteligência e a vontade do homo viator, deste peregrino pelo vale de lágrimas que é o mundo.

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[1] Diga-se que, sendo Deus absolutamente glorioso, em si mesma a Sua glória não pode aumentar. O que aumenta é o que os teólogos chamam de glória extrínseca, ou seja, a glória que os homens tributam a Deus, embora Ele não necessite dela.
[2] Estes são apenas os principais motivos da permissão divina para a possessão. Alguns teólogos enumeram outros motivos, como: 1- para que as pessoas próximas ao possesso se arrependam e se convertam; 2- para manifestar a omnipotência e a misericórdia divinas; 3- para provar os eleitos em sua santidade; 4- para humilhar o demônio; 5- para mostrar aos homens que os demônios existem e que é necessário se precatar contra eles; 6- para evitar o aumento da culpa do endemoniados; 7- etc.

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Fonte: Mulher Católica

Fonte: http://www.cathinfo.com

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Publicado originalmente em 16/2/2011

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“Deus está prestes a Punir o Mundo”: Entrevista de Padre Fuentes [clique no texto para ouvir]

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Fonte: Fatima On Demand

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Fonte: SPES

Frederico de Castro

“1) Como se lê no magnífico texto do Padre Mestre (a que adiro sem ressalvas), o milenarismo, quer em sua forma material, quer em sua forma espiritual, foi de algum modo condenado ou criticado pelo magistério infalível.

2) De maneira geral, o milenarismo pode dizer-se de qualquer movimento de natureza política e/ou religiosa que se caracteriza pela espera da salvação deste e/ou neste mundo. Mas de maneira especial nos interessa aqui o milenarismo espiritual ou quiliasmo, ou seja, mais precisamente, a doutrina segundo a qual os predestinados ficariam ainda na Terra durante mil ou dois mil anos após o julgamento final, no gozo de diversos desfrutes. Esse milênio (ou duplo milênio) seria a era do reinado terrestre do Espírito Santo (é a tese do herético franciscano Joaquim de Fiori) ou de Jesus Cristo (é a tese, por exemplo, do Padre Castellani).

3) Interessa-nos ainda mais especialmente a última tese, que, como podem ler no texto do Padre Mestre, se baseia em obscura frase do Apocalipse 20. Ora, como diz ainda o sacerdote da FSSPX, não devemos de modo algum aderir a esta tese, sob pena de indocilidade para com o magistério infalível. Mas aprofundemo-nos na justeza de tudo isso. Com efeito, e suposta tanto a obscuridade da referida passagem do Apocalipse como a posição do magistério com respeito ao tema, não devemos de modo algum depositar nossa esperança em nada terrestre, seja de que índole for. Como diz o padre da FSSPX, a virtude teologal da Esperança nos é infundida para que suspiremos UNICAMENTE pelas coisas do céu, mais especialmente por que nossa própria alma se salve (e tenha a visão beatífica antes ou após a ressurreição dos corpos). Tudo quanto de bom advier na terra se deverá, essencialmente, a que um número considerável de pessoas suspire unicamente pelas coisas do céu; sempre será algo reflexo. E, se a obra civilizatória do homem é boa se ordenada essencialmente a Deus, nem esta, porém, deixará de ser secundária e, mais ainda, contingente, falível, como o foi até o mesmo melhor momento da humanidade: a Cristandade medieval.”

Como se pode perceber o milenarismo contraria o magistério infalível; tem cara, jeito e cheiro de heresia. Deixamos os excertos dessas explanações sobre este assunto que não raro costuma trair os melhores católicos perplexos que tem tomado consciência do estado de coisas que aflige o mundo e a Igreja no tempo presente.

Alertamos, pois para que o católico fique atento a certos grupos de falsos conservadores que abraçam essa postura fervorosamente, embora não a declarem. Atentem, sobretudo, aos movimentos de cunho político.

Se estiver em dúvida sobre alguma questão conexa, envie-nos um e-mail. [SPES]

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Fonte: Volta para Casa

Por R.P. Calderon, F.S.S.P.X.

A Igreja sempre rendeu culto público aos santos, primeiro a seus mártires e posteriormente, a partir do século IV, aos confessores. Ainda que somente o Papa tenha autoridade para julgar se algum servo de Deus pode ser honrado como santo pela Igreja universal, durante os dez primeiros séculos foi a piedade do povo cristão que os canonizava, mais ou menos dirigida pelos seus Bispos e com o consentimento tático dos Pontífices Romanos. Mas como não faltaram abusos e negligências, os Papas começaram a exercer um controle maior nestes processos, terminando por reservar para si a faculdade de canonizar os santos.

O primeiro documento que menciona esta reserva é um decreto de Alexandre III, do ano de 1170. A vida exemplar dos santos é uma das notas que distingue a Igreja de toda outra falsa religião, e para confusão daqueles que negam, os procedimentos pelos quais os Papas acordaram as canonizações foram desde sempre extremamente rigorosas.

Até 1588, as canonizações, realizadas sempre como um processo judicial entre um « postulador » como defensor e o « promotor da fé » como fiscal, eram competência da Rota Romana; mas neste ano Sixto V instituiu a Sagrada Congregação dos Ritos com competência exclusiva para estes processos, que unificou e aperfeiçoou os procedimentos seguidos.todavia, Urbano VIII, em 1625, proibiu que se prestasse culto a alguém que não tivesse sido canonizado ou beatificado pela Santa Sé, com exceção dos casos de culto admitido desde sempre.

O procedimento, enriquecido pela experiência dos séculos, esta descrito no essencial pelo Código de Direito Canônico de 1917. Posteriormente, Pio XI instituiu em 1930 a Seção Histórica para as causas antigas, promulgando em 1939 umas Normas para estes casos, e Pio XII estabeleceu um colégio de médicos peritos.

Até esta data, todo procedimento tinha duas etapas:

– A que termina na beatificação, dividida em duas partes, o processo ordinário e o processo apostólico;

– A que conduz à canonização. O processo ordinário ou anti-processo, chamado assim porque se realiza debaixo da autoridade do Bispo do lugar, tem como fim introduzir a causa ante a S.C. de Ritos, e consta de três partes:
1ª- A busca meticulosa de todos os escritos do servo de Deus;
2ª- O processo informativo que busca demonstrar a fama de santidade;
3ª- O processo de ausência de culto, de acordo com o decreto de Urbano VIII. Antes de seguir com o processo informativo, os escritos devem ser revisados para a S.C. de Ritos, de onde são submetidos a um rigoroso exame: “Não é necessário que as obras do servo de Deus contenham erros formais contra o dogma ou a moral para deter definitivamente uma causa de canonização; basta que se lhe encontrem novidades suspeitas, questões frívolas, ou ainda alguma opinião singular oposta ao ensinamento dos Santos Padres e ao sentimento comum dos fiéis”.

O processo apostólico ou processo propriamente dito, realizado sob a autoridade do Papa por intermédio da S.C. de Ritos, tem dois grupos de procedimentos, os de instrução e os de cognição. Os de instrução se realizam nas dioceses por mandato da S.C. de Ritos, e são dois: primeiro se refaz o da fama de santidade; depois se examinam as virtudes (se a causa não for de mártir) ou o martírio, e os milagres. Os processos de cognição se realizam em Roma, e são em números de quatro:

-Sobre a heroicidade das virtudes;
-Sobre o martírio e sua causa;
-Sobre os milagres;
-Última sessão cautelar, chamada « de tuto », pela qual se decreta que se pode proceder “com segurança” a beatificação.

Para chegar até a canonização não existem novos processos nem revisão do que foi feito, bastam duas condições: a beatificação e a aprovação de novos milagres.O postulador deve aportar as provas dos novos milagres a pedir a revalidação da causa; se a S.C. de Ritos concede se extende o decreto « de tuto » pelo qual se determina que se pode proceder à canonização; existe todavia um triplo consistório no qual o Papa se reune com os cardeais e Bispos; e finalmente, si é sua vontade, o Romano Pontífice dita a Bula de canonização com data da cerimônia litúrgica solene na basílica de São Pedro, no Vaticano.

Em 1967 Paulo VI faz uma reorganização da Cúria pela Constituição Apostólica Regimini Ecclesiae Universae, que toca também a S.C. de Ritos, mas sem modificar de maneira significtiva seus procedimentos. A primeira simplificação de monta se leva a cabo pelo Motu Proprio Sanctitas Clarior, de 19 de março de 1969. Por este ato o Papa delega aos Bispos e conferências episcopais a autoridade necessária para introduzir a causa e realizar os processos de instrução, autoridade que residia até então na Congregação Romana. Estes processos ficaram reduzidos a três:

1º-Sobre os escritos do servo de Deus;
2º-Sobre a vida e virtudes, ou sobre o martírio; e conjuntamente sobre a ausência de culto;
3º-Sobre os milagres.

Até esse momento os processos de instrução eram levados a cabo por mandatários dotados de cartas dimisoriais da S.C. do Ritos; agora, se o Bispo está em condições de constituir diocesanos com oficiais especializados, pode instruir ali os processos; se não, deve recorrer aos tribunais constituídos ad hoc pela conferência episcopal. Estas inovações, comenta Mons. Antonelli, secretário da S.C. de Ritos, “abrem, indiscutivelmente, uma nova época na história das causas de beatificação e canonização”. Dois mêses depois, pela Constituição Apostólica Sacra Rituum Congregatio, de 8 de maio de 1969, Paulo VI divide a S.C. de Ritos em outras duas congregaões, uma « para o Culto Divino » e outra « para as Causas dos Santos », dando a esta última uma organização adequada aos novos procedimentos.

A Segunda modificação importante dos processos vem dada pela Constituição Apostólica Divinus Perfectionis Magister, de João Paulo II, publicada em 25 de Janeiro de 1983 juntamente com a Constituição Apostólica Sacrae Diciplinae Leges pela qual se promulga o novo Código de Direito Canônico. Esta nova legislação, completada por um Decreto da S.C. para a Causa dos santos de 7 de Fevereiro, substitui totalmente a anterior, pois o novo Código já não legisla nessa matéria: “As causas de canonização do servos de Deus- diz o cânon 1403 § 1- se rigem por uma lei pontificia peculiar”. De acordo com o estabelecido por Paulo VI, cumprindo com um objetivo duplo. Prático o primeiro: “Desde das recentes experiências, enfim, Nos pareceu oportuno revisar esta Congregação para a Causa dos Santos a fim de responder às exigências dos sábios e aos desejos de nossos irmãos no episcopado, que pediram muitas vezes que fosse facilitado o procedimento, conservando sempre a solidez das investigações em matéria tão importnate”.

O segundo doutrinal: “Nós pensamos também, a luz do ensinamento sobre a colegialidade do Concílio Vaticano II, que convém verdadeiramente associar mais os Bispos à Sé apostólica no estudo das causas dos santos”. Agora o Papa reconhece aos Bispos o direito de introduzir as causas de canonizaçõa e instruir os processos, sem necessidade das autorizações da Congregação Romana todavia exigidas sob Paulo VI. Já não é necessário submeter todos os escritos ao exame teológico, senão somente aquele que tenham sido publicados; os censsores teólogos são nomeados pelos Bispos; se facilitam os modos como podem dispor os testemunhos; o antigo processo de « não culto » fica reduzido a uma simples inspeção ocular por parte do Bispo dos lugares em que poderia haver culto indevido. Uma vez terminado o processo de instrução, se enviam suas atas para Roma. A S.C. para as Causas dos Santos corresponde “estudar as causas a fundo”: verifica que todos tenham sido realizados segundo as normas; prepara um informe ou « positio » sobre virtudes ou martírios e outros sobre milagres para serem examinados por consultores teólogos e peritos; estes redigem os últimos informes de conclusões para ser discutidos na assembléia de cardeais e Bispos. Finalmente tudo se submete ao juízo do Soberano Pontífice.

É de nota que a nova legislação não menciona a beatificação como etapa intermediária. Segundo canonistas, deixa em aberto, assim, a possibilidade de devolver aos Bispos, com ordem a promover a colegialidade, o poder de beatificar que tiveram nos primeiros séculos.

Se fizermos uma comparação global entre o que representava as canonizações no magistério dos Papas de ontem com o que supõe hoje segundo a nova legislação, podemos resumir as diferenças dizendo que agora já não são um acontecimento « extraordinário » na atividade do Romano Pontífice. Em primeiro lugar, e tomando a expressão « extraordinário » em seu sentido mais comum, a simplificação dos processos fez aumentar a freqüência das canonizações de tal maneira que já não são vistas como algo fora do comum na vida do Papa.

Segundo o Index ac Status Causarum, publicado pela S.C. para as Causas dos santos em dezembro de 2000, desde Clemente VIII (1594) até Pio XII inclusive (1958), a S.C. de Ritos canonizou 215 santos, pouco mais de um a cada dois anos. Pio XII canonizou 33 santos em seus 19 anos de pontificado. Paulo VI realizou 3 canonizações antes da primeira simplificação do processo (na 1ª canonizou os 22 mártires de Uganda) e 18 nos oitos anos seguintes (entre eles 40 mártires ingleses), 81 santos canonizados no total. Com João Paulo II a freqüência aumenta notavelmente. Em seus primeiros dez anos de pontificado, de 1978 a 1988, canonizou 254 beatos (entre eles os 103 mártires da Coréia) e beatificou 300 servos de Deus, a maioria dos mártires (60 do século XX). Em 1999 os canonizados pelo atual Pontífice somavam 295 e os beatificados 934. Nos últimos anos as canonizações aceleraram-se ainda mais. O Padre Pio de Pietrelcina é o santo nº 462 de João Paulo II. “Se diz as vezes – explicava o Papa no consistório, em 13 de junho de 1994 – que hoje realizam-se demasiadas beatificações. Mas isto ademais de refletir a realidade que, graças a Deus, é como é, corresponde também ao desejo expresso pelo Concílio Vaticano II. Tanto se difundiu o Evangelho no mundo, e tão profundas são as raízes fincadas por sua mensagem, que precisamente o grande número de beatificações reflete vivamente a ação do Espírito Santo e a vitalidade que broita Dele no campo que mais essencial é para a Igreja, a saber, o da santidade”.

Mas devemos ir mais a fundo, porque se as canonizações deixaram de ser acontecimentos « extraordinários » enquanto a sua freqüência, algo tem que significar isto enquanto sua natureza teológica. Os teólogos chamam magistério « extraordinário » do Papa primeira e principalmente às definiões « ex cathedra » em matéria relativa a doutrinas de fé e costumes. Suas outras atividades, já relativas à doutrina como os ensinamentos dados em discursos ou cartas encíclicas, relativas a fatos convretos como as decisões disciplinares, constituem o magistério pontifício ordinário. Em matéria de doutrina, o Papa é infalível em seu magistério extraordinário, ou seja, quando profere sentença definitiva « ex cathedra »; os demais ensinamentos dados de modo ordinário não são infalíveis por si mesmas, ainda que podem chegar a tornar-se quando alcança um peso equivalente pela freqüente repetição ou porque terminam impondo-se a toda a Igreja. Nos juízos relativos a fatos concretos, por sua vez, o Papa não goza de infalibilidade: “Nas sentenças relativas a fatos particulares – diz São Tomás – , como no que diz respeito a posses, crimes ou coisas assim, é possível que haja erros no juízo da IGreja por causa de falsos testemunhos”. Ainda que as canonizações tenham como objeto um fato concreto – que tal ou qual cristão alcançou a santidade e está no céu – , porém, dada a maneira como os santos são propostos ao culto pelo magistério, os teólogos as consideram como algo intermediário entre as sentenças doutrinais e aquelas sobre os fatos particulares, e opinam que também nelas se da a infalibilidade: “A canonização dos santos – segue dizendo São Tomás no mesmo lugar – é algo intermediário entre estas duas [espécies de sentenças]. Como a honra que tributamos aos santos é certa profissão de fé pela qual cremos na glória dos santos, deve-se acreditar piedosamente que tampouco nisto, pode errar o juízo da Igreja”.

Haveria então que considera-las também hoje, apesar de que ocorram « ordinariamente », como atos que pertencem ao magistério pontifício « extraordinário »?Para julgar se um ato do magistério pontifício deve considerar-se ordinário ou extraordinário, deve-se ter presente o seguinte critério teológico: Ou o carisma da infalibilidade não depende do empenho que o Papa ponha para certificar-se da verdade de seus atos, senão somente da assistência do Espírito Santo ao qual o Pontífice acode segundo sua livre vontade; sem embargo, para não tentar a Deus, o Papa obra em cada caso como costumava fazer qualquer outro mestre humano: « humano more ».

Quer dizer que quando o Papa ensina de modo ordinário, sem especialíssimas diligências e solenidades, não tem intenção de infalibilidade; mas quando pretende dar sentença definitiva, investiga, pede conselho e obra como se tivera que evitar todas possibilidades de errar somente pelas forças de suas próprias luzes. Estas diligências feitas de modo humano são claro indícios do grau de autoridade que o Romano Pontífice outorga a cada um de seus atos. Quando os Papas, até o século XI ou XII, retirarão definitivamente aos Bispos a faculdade de julgar em matéria de santidade e tomaram em suas próprias mãos a condução dos processos de canonização, estabelecendo mil cautelas para certificar pessoalmente – por meio de oficiais e organismos da mesma Cúria Romana – a realidade dos fatos; então lai viram os teólogos o compromisso pleno da autoridade pontifícia, julgando que estes atos se acercam tanto às definições « ex cathedra » que também deviam incluir-se entre os atos solenes do magistéiro extraordinário.

Em contrário, Roma voltou a deixar aos Bispos a responsabilidade de julgar os fatos por si mesmos ou pelos instrumentos por ele estabelecidos. Consideradas as coisas « humano more », segundo as regras dos juízos humanos, o Romano Pontífice ja não pode dizer: Eu mesmo dou testemunho que tal pessoa levou uma vida cristã exemplar, porque enviei gente de minha confiança para certificar-se dos fatos e os fiz estudar por teólogos selecionados por mim. Agora seu testemunho sobre os faots concretos não é imediato, senão mediado pelos Bispos: Eu dou testemunho que, segundo as atas chegadas a meu poder e confiando na prudência e honestidade dos procedimentos diocesanos, tal pessoa chegou à santidade. O valor de uma sentença dada nestas condições é evidentemente muito menor, porque, por um lado, a autoridade científica de um tribunal diocesano é muito menor que a da Congregaão Romana, que seleciona seus membros entre os mais excelentes do mundo inteiro; ademais, o Bispo diocesano tem necessariamente muito mais interece que sua diocese conte com santos canonizados, sendo juiz menos imparcial que o Pontífice Romano; por último e principalmente, porque a diferença da sentença em matéria doutrinal, na qual não importa de quem se tenha aprendido desde que seja verdade, a sentença a respeito de fatos concretos depende completamente da correta observação presencial.

O regresso a uma situação semelhante a dos primeiros séculos, em que o Papa não julga imediatamente por si mesmo senão que confirma o juízo dos Bispos, situação desejada com vistas a promover a colegialidade, faz com que o juízo teológico acerca do grau de autoridade das canonizações tenha que mudar porque, como dissemos, o « modo humano » como o Papa procede em seus juízos é indício claro do grau no qual compromete sua autoridade como Vigário de Cristo. As canonizações, então, no magistério Pontifício de hoje já não podem ser consideradas atos pertencentes ao Magistério extraordinário do Romano Pontífice, senão mais propriamente atos próprios de seu Magistéiro Ordinário.

Não tivemos notícia de trabalhos teológicos sobre este ponto, e o que afirmamos pode supreender a algum católico instruído no que ensina a teologia desde sempre. Mas devemos entende-lo no marco da nova pedagogia que tomou o magistéiro desde o Concílio Vaticano II. As definições « ex cathedra » do magistério extraordinário constituem o exercício mais absoluto que uma autoridade possa ter sobre a terra, e o homem contemporâneo, muito influenciado pelo espírito democrático, sente um instintivo horror ante tudo o que se lhe impõe sem antes consulta-lo.

Por isso, os últimos Papas julgaram conveniente não recorrer ao « magister dixit » pitagórico senão ao « diálogo » socrático, exercendo o magistério somente de maneira ordinária, confinado na assitência do Espírito Santo para que, pouco a pouco, se vá impondo a verdade em cada caso. Ainda no ato que João Paulo II impôs maior autoridade, como foi o caso da declaração sobre a impossibilidade da ordenação sacerdotal de mulheres, não quis dirimi-lo por uma definição pontifícia « ex cathedra », senão apenas assinalando que já anteriormente “havia sido proposta pelo magistério ordinário e univrsal”. Da mesma maneira, por julgar mais conveniente para a sensibilidade do homem que também as canonizações tenham-se voltado a fazerem-se hoje de maneira colegial.

Fonte: « Guarde a Fé » – Boletim da Fraternidade Sacerdotal São Pio X; Nº 10; Janeiro e Fevereiro de 2003

OBS: “Todos os negritos e grifos, são meus!”

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Fonte: Associação Civil Santa Maria das Vitórias

Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

O  estrondo publicitário, o espalhafato midiático, o grande sucesso de marketing em torno da beatificação de João Paulo II não conseguem esconder a realidade de que uma considerável parcela de católicos (entre os poucos que ainda conservam íntegra a fé e a sã doutrina) está perplexa ante a elevação à glória dos altares de um papa que, durante o seu longo pontificado, não levou em devida conta a tradição bimilenar da Igreja, mudando completamente  o modo de agir da Igreja, principalmente no que concerne à sua relação  com as religiões falsas.

A primeira coisa que nos escandaliza na beatificação de João Paulo II, como bem observou um jovem católico, é que a pressão da sinagoga contra a beatificação do grande Papa Pio XII teve mais força nos corredores do Vaticano do que os argumentos teológicos sólidos de tantos católicos contra a beatificação de João Paulo II, um papa que chocou os fiéis com atitudes como o beijo do Corão, o sinal dos adoradores da deusa Shiva que recebeu de uma sacerdotisa indiana.  Realmente, esses dois pesos e duas medidas adotados pela alta burocracia vaticana, herdeira das benesses de João Paulo II, são de pasmar.

Além dos argumentos de ordem teológica contra a beatificação de João Paulo II, há graves manifestações de desconcerto da parte de católicos que se julgam afrontados por várias atitudes do neo beato. Houve reação não só  dos cubanos mas também de católicos da Silésia, que foram no século passado deportados e tiveram suas casas invadidas e seus bens esbulhados pelos comunistas polacos. Trata-se de um dos maiores crimes da história do século XX. Por ocasião de sua visita àquela região, João Paulo II, que gostava de fazer discursos em reparação dos “pecados históricos”, não disse uma palavra sequer.

Todavia, cumpre reconhecer que João Paulo II demonstrava tanta desenvoltura, tanta segurança em seus atos, que constituía uma personalidade singular que merece acurado exame da parte de todas as pessoas que tenham interesse pela vida dos grandes personagens da história.

A mim João Paulo II sempre me fez lembrar dois ideais de homens traçados por dois pensadores modernos: o super-homem de Nietzsche e o místico de alma aberta, de  Bergson.

Com efeito, ao contrário do que pensa muita gente, Nietzsche, embora fosse um inimigo do cristianismo, não era um niilista. É verdade que queria destruir o cristianismo, responsável pela ascensão da escoria, para dar lugar a uma nova aristocracia que, por meio do super-homem, produzisse uma cultura superior. Mas queria uma nova tábua de valores cunhada pelo homem forte. Não queria a negação de valores como o asqueroso Jean- Paul Sartre. Por exemplo, Nietzsche não era um defensor da libertinagem; Sartre, sim;  em sua medonha vida privada bem o demonstrou.

Pois bem. João Paulo II, por um lado, assemelha-se muito ao super-homem de Nietzsche por ter promovido a religião do homem, por ter conseguido uma síntese entre o humanismo ateu moderno e a Igreja reformada pelo Vaticano II. Hoje, a Igreja, em diálogo com todas as correntes ideológicas e religiosas da humanidade, tem como preocupação  maior o bem do homem, tanto assim que disse João Paulo II “o homem é o caminho da Igreja.”

Realmente, só um super-homem carismático como João Paulo II poderia ter realizado tal transmutação de valores e mentalidades. Antes, os católicos eram rígidos e intransigentes em sua convicção de que sua religião era a única verdadeira e a observância do decálogo era necessária para a salvação das almas. Hoje, a maioria dos católicos acha que o importante é a confraternização entre as religiões para a defesa dos direitos humanos e combate da homofobia. E não se fala mais em alma, conceito metafísico completamente esquecido e embolorado.

Por outro lado, João Paulo II assemelha-se muito ao místico da teoria de Henri Bergson sobre a moral e a religião abertas. Como se sabe, Bergson dizia que os grandes místicos, não só os católicos e judeus do Antigo Testamento, mas também os pagãos, são os protagonistas das grandes transformações da humanidade.

Efetivamente, aquela religião estática e fechada da Contra-Reforma, que anatematizava com o syllabus toda modernidade, foi suplantada, graças à mística de João Paulo II, por uma religião aberta e dinâmica a serviço da humanidade. Daí ser ele comparável ao místico de Bergson.

Mas esse dinamismo de nova religião aberta e em evolução lembra não só a filosofia do élan vital de Bergson. Encerra, outrossim, inegavelmente, elementos do pensamento esotérico de Teilhard de Chardin, autor apreciado pelo novo beato. De fato, hoje vemos a Igreja, por meio do ecumenismo e diálogo inter-religioso, promovendo a unidade do gênero humano em direção a um patamar superior, o ponto ômega de Chardin, onde tudo e todos estariam unidos em uma síntese de puro amor!

Alguém poderia objetar – e eu concederia de bom grado – o papa João Paulo II era um homem piíssimo, devoto sincero de Nossa Senhora,  arauto dos valores familiares católicos e denodado defensor da vida contra a cultura da morte e a lama da imoralidade da sociedade moderna. Tudo isso é verdade e o distingue com razão do seu sucessor. Certamente, tudo isso tem mérito diante de Deus e da história da Igreja. Mas resta saber qual foi seu legado maior. Infelizmente, estou convencido de que não será esse o seu legado. Se fosse, com certeza sua beatificação não teria tamanha repercussão. É muito mais festejado como um super-homem ou como um místico reformador da humanidade.

De modo que, diante de uma beatificação tão estrepitosa e controvertida e na expectativa de uma muito provável  canonização de João Paulo II em breve impõe-se aos católicos a questão do valor de tal juízo da Igreja.

Creio que o teólogo Bernardo Batmann é muito feliz na elucidação deste problema. Transcrevo a seguir trechos de sua Teologia Dogmática que explanam o tema.

“A questão da infalibilidade na canonização dos santos, pode-se considerar histórica e teologicamente. Os primeiros santos foram, além dos Apóstolos e Profetas, os mártires, cujos nomes eram escritos pelos bispos no elenco oficial dos reconhecidos pela Igreja. A inserção era feita depois de juízo maduro, acerca da vida anterior do mártir e não se aceitava qualquer um. A propósito dos três primeiros séculos, o protestante H. Achelis observa que os bispos exerciam um controle severo e recusavam os falsos mártires. Mais tarde, aos santos mártires acrescentaram-se os santos “confessores”: Antonio, Paulo, Atanásio, Efrém, Martinho de Tours. Era mais fácil constatar a realidade do martírio, do que a santidade dos confessores: para estes, o povo tomava parte no julgamento, mas ao bispo competia, em última instância, admiti-los nos catálogos.

(…)

Ao dealbar do ano 1000, a Igreja procurou, mediante fórmulas fixas, regular, pouco a pouco, o culto dos santos, mas só o conseguiu de modo definitivo em 1600. Na época pós-tridentina, surgiu a questão teológica. No tempo do Concílio de Trento, Tomás Badia (1483-1547), mestre dos Sacros Palácios, sustentou contra Ambrósio Catarino que a Igreja, ao honrar os santos, podia cair em erro. Afirmava dever crer-se na glória dos santos em geral, não porém na gloria de cada um em particular; afirmava, pois, que era preciso distinguir entre credere ex pietate e credere ex necessitate fidei. Nas canonizações, a Igreja não pode tomar por base a revelação, mas somente os testemunhos humanos, concernentes à vida e aos milagres, testemunhos sempre examinados com grande rigor. A quase totalidade dos teólogos, hoje, considera infalível esse juízo da Igreja mas a tese da infalibilidade da Igreja neste caso é julgada diversamente. Pesch diz que alguns a têm por uma “pia sententia”, ao passo que para outros, entre os quais Bento XIV, é de fé.(…)

As dificuldades a se resolverem são as seguintes: antes de tudo, não está absolutamente claro se a Igreja quer definir o fato de que o santo em questão tenha chegado à visão de Deus. (…) Enfim – a principal dificuldade –  deve-se acrescentar  que é impossível, sem uma revelação divina, chegar a uma certeza de fé sobre o estado de graça de uma alma (Trid. S. 6, c. 12, Denz. 805). Acrescente-se que a Igreja, depois da morte dos Apóstolos, não recebe mais nenhuma revelação. A predestinação é um mistério imperscrutável. A Igreja, nas indagações sobre a vida dos santos, baseia-se não sobre testemunho divino, mas tão somente sobre informações humanas e elementos naturais que podem sempre ser subjetivos. Deus pode testemunhar em prol dos santos por meio de milagres. Mas também estes, como a mesma canonização, não têm relação íntima e direta com as verdades reveladas. Acrescente-se que esses milagres só podem reconhecidos por quem neles crê, mas essa fé não é obrigatória. A velha controvérsia sobre se é possível provar um dogma com um milagre que é notório na Igreja foi resolvida negativamente. (…)
Sheid, tratando da infalibilidade do papa na canonização dos santos, escreve: “A dificuldade do problema está em se encontrar uma prova verdadeiramente satisfatória desta infalibilidade, cuja existência se afirma. (…) Não é por isso fácil estabelecer, de modo claro e probativo, que ela, em toda a sua extensão, entre também no âmbito da infalibilidade da Igreja.”

(…)

Em todo caso, os atos da canonização só podem ser aceitos por fé geral eclesiástica e não por fé divina. (…) Se no número dos santos encontramos algum “falso” santo, como Barlaam e Josafat, o culto relativo que lhes é prestado vai a Deus. Como um rei pode ser honrado num pseudo-embaixador, assim, Deus, num pseudo-santo.[1]”

Para remate, desejaria dizer que sei que corro o risco de ser tachado como antipático e presunçoso escrevendo estas linhas. Mas faço-o como o cumprimento de um dever de consciência, na esperança de que a Igreja, redescobrindo o caminho de sua tradição autêntica, condene o ecumenismo filantrópico maçônico, combata pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, volte a fecundar a sociedade civil pela constituição de sólidas famílias e tudo aquilo de bom que o papa João Paulo II fez possa ser celebrado e o que houve de mau esquecido e  confiado à misericórdia divina, da qual todos temos suma necessidade.

Anápolis, 2 de maio de 2011.

Solenidade de São José Operário


[1]  Bernardo Bartmann, Teologia Dogmatica, v. 1, p. 68-70, Paulinas, 1962.

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Fonte: FSSPX

Recebemos o texto da declaração de Dom Vitório Pavanello de 18 de abril de 2011, no qual o Arcebispo de Campo Grande – MS – declara que as irmãs às quais a Fraternidade São Pio X e nós damos assistência nesta cidade não estão em comunhão com a Igreja.

Dom Vitório se equivoca redondamente. Em comunhão com a Igreja, a Madre Joana d’Arc, fundadora e superiora desta comunidade, está bem mais do que o próprio arcebispo de Campo Grande. Vejamos. Quem está em comunhão com a Igreja: quem aceita os ensinamentos da Igreja ou quem os recusa? Ora, os ensinamentos dos Papas de Pio VI a Pio XII são hoje recusados pelos liberais, progressistas e neo-modernistas. E quem recusa os erros do Concílio Vaticano II por serem estes erros já condenados pela Igreja está sendo fiel ou infiel aos ensinamentos da Igreja? O que já foi condenado pela Igreja, ao longo dos séculos não pode ser aprovado em seguida. O que nós estamos presenciando, depois do Concílio Vaticano II, é, na verdade, uma perseguição da Fé católica presidida pela própria hierarquia da Igreja. É algo semelhante ao que ocorreu no tempo do arianismo, mas mais profundo, mais grave, mais universal, pois os erros modernos são ensinados pelos sucessores de São Pedro.

Somos cismáticos por constatar este fato? Somos cismáticos por nos opôr a esses erros? Somos cismáticos por socorrer os fiéis que procuram guardar a Fé de seu Batismo? De modo algum. Nem nós, nem a Madre Joana d’Arc. Muito pelo contrário. Assim como, um dia, a Igreja reabilitará Dom Marcel Lefebvre, assim também ela proclamará a legitimidade do socorro prestado pela Fraternidade São Pio X e por nós aos fiéis que nos chamam.

O senhor arcebispo de Campo Grande se equivoca grandemente. Quem está se afastando da Igreja não é a Madre Joana d’Arc, nem a Fraternidade São Pio X, nem os monges beneditinos de Nova Friburgo. Quem está se separando da comunhão da Igreja Católica são os que aderem aos erros já condenados pela mesma Igreja, santa, católica, apostólica e romana, sejam eles quem forem, pois, mais do que o cargo, é a Fé verdadeira que é o fundamento de nossa união com o Corpo Místico de Nosso Senhor que é a Igreja, pois sem a verdadeira Fé ninguém pode se salvar.

* * *

Tendo respondido à principal acusação de Dom Vitório (quem desejar maiores esclarecimentos poderá encontrá-los nos livros de Dom Marcel Lefebvre e de Dom Antônio de Castro Mayer), passamos ao que é de menos importância.

Dom Vitório confunde a Fraternidade São Pio X com o mosteiro beneditino da Santa Cruz. O nosso mosteiro fica em Nova Friburgo. Os padres da Fraternidade que atendem as irmãs vêm de São Paulo, onde eles têm um dos seus priorados.

Dom Vitório diz que recusamos a autoridade do Romano Pontífice. Isto é falso. Nós recusamos os seus erros, o seu ensinamento no que ele tem de contrário à Tradição da Igreja.

Dom Vitório diz que afirmamos que a missa dita em português é inválida. Nunca dissemos isso.

Dom Vitório diz que os sacramentos de confissão, matrimônio e crisma recebidos na Tradição são inválidos. Nisto também ele se equivoca, pois os fiéis têm o direito a recorrer a padres e Bispos que tenham reta doutrina para receberem os sacramentos.

Dom Vitório chama Dom Tomás de Bispo, o que é mais um equívoco. Dom Tomás é monge beneditino, sacerdote e prior do mosteiro da Santa Cruz. Se ele é chamado “Dom” é por causa do costume, no Brasil, de assim se chamar os beneditinos que recebem o sacerdócio.

Por fim, o nome de Dom Lefebvre não se escreve como está na declaração de Dom Vitório.

Dom Tomás de Aquino, OSB

A declaração de Dom Vitório Pavanello pode ser lida no Site da Arquidiocese, clicando aqui.

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Fonte: Fraternidade Sacerdotal São Pio X – Brasil

Se fala muito em nossos dias, na Igreja, do pentecostalismo e dos carismáticos. Há, de fato, numerosos católicos que hoje se esforçam em receber a graça do Espírito Santo por uma nova via que, em definitivo, nos vem do protestantismo. Pois o pentecostalismo nasceu no protestantismo e se difundiu na Igreja, onde se transformou em movimento carismático. Nos vemos obrigados a constatar que estas manifestações se multiplicam cada vez mais, e isto com a autorização das autoridades eclesiásticas.

Com motivo da reunião do Katholikentag, em Munique, em novembro de 1984, todos os cardeais e bispos alemães estavam reunidos com oitenta mil de seus fiéis. Todo o mundo pôde ser testemunha desses fatos estranhos que ocorreram, especialmente antes da recepção do sacramento da Eucaristia. Alguém pode, em verdade, perguntar-se se estas eram inspiradas pelo verdadeiro Espírito de Deus, ou por outro espírito.

Pouco depois, na mesma época, em Graz (Áustria), realizaram-se fenômenos carismáticos na presença do bispo, quem explicou que, desde agora, estas estavam introduzidas na Igreja, como um meio de atrair os jovens aos templos que se esvaziavam. Talvez, anotou, este seria um caminho para fazer reviver a vida cristã na juventude.

Ao mesmo tempo, em Paray-le-Monial (França), realizam-se freqüentemente fatos idênticos, revestidos também de certos aspectos tradicionais. Lá, em particular, se vê jovens que passam a noite em adoração diante do Santíssimo Sacramento, recitam o rosário e dão testemunho de um espírito de oração. Logo se dá ali um aspecto curioso e estranho que mistura, ao mesmo tempo, a tradição e expressões mais bem estranhas que habituais na Igreja.

O que devemos pensar a respeito? Devemos crer, por acaso, que foi aberta uma nova via por ocasião do Concílio Vaticano II e alguns anos antes, para receber o Espírito Santo? Parece que estes fenômenos não seriam de todo conformes com a Tradição da Igreja. Quem nos dá o Espírito Santo? Quem é o Espírito?

De onde vem o Espírito?

O Espírito é Deus. Spiritus est Deus, diz São João. “Deus é Espírito”. Deus quer que se lhe reze e se lhe adore em espírito e em verdade. Por conseguinte, nosso amor ao Espírito Santo deve manifestar-se muito mais por um estado de ordem espiritual que por manifestações sensíveis, exteriores. Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo é quem anuncia aos Apóstolos, no Evangelho, que receberão o Espírito Santo, que lhes enviará o Espírito do Pai, o Espírito de verdade, de caridade. Mittam eum ad vos. “Vos lho enviarei”. Este Espírito vem, pois, de Nosso Senhor Jesus Cristo e do Pai. Dizemos no Credo: Credo in Spiritum Sanctum, qui ex Patre Filioque procedit. “Que procede do Pai e do Filho”. É esta a Fé Católica: cremos que o Espírito Santo vem do Pai e do Filho, e que Nosso Senhor Jesus Cristo veio precisamente à terra para entregar-nos sua vida espiritual, sua vida divina.

Os Sacramentos

Como foi-nos dado o Espírito Santo? Que meios usou Nosso Senhor? Empregou, por acaso, estas manifestações que vemos no pentecostalismo e no carismatismo? De modo algum. Elegeu o meio dos sacramentos que instituiu para comunicar-nos seu Espírito.

Devemos insistir especialmente sobre esta verdade da Tradição: Nosso Senhor nos comunica seu Espírito pelo batismo. O disse a Nicodemos nessa entrevista noturna que teve com ele: “Quem não renascer da água e do Espírito Santo, não pode entrar no reino de Deus”. Devemos renascer da água e do Espírito Santo. É assim, igualmente, que Nosso Senhor comunicou seu Espírito aos Apóstolos. Eles receberam primeiro o batismo de João e posteriormente, em Pentecostes, o batismo do Espírito. E de imediato, depois de receber o Espírito Santo, o que fizeram? Os Apóstolos batizaram. Comunicaram o Espírito Santo a todos aqueles que tinham a fé, a todos os que criam em Nosso Senhor Jesus Cristo.

Deste modo, pois, a Igreja, debaixo da influência e do mandato de Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo, comunica o Espírito Santo às almas pelo Batismo. Me parece que teríamos que meditar mais sobre a grande realidade de nosso batismo. Quando recebemos este sacramento realizou-se em nossas almas uma transformação total. Os demais sacramentos vêm a completar esta efusão do Espírito Santo, recebida no dia de nosso batismo.

O sacramento da Confirmação nos comunica também todos os dons do Espírito Santo com grande profusão; necessitamo-lo para alimentar e fortificar nossa vida espiritual, nossa vida cristã.

Isto não é tudo. Em efeito, Nosso Senhor quis que dois sacramentos em particular nos comuniquem seu Espírito de maneira freqüente, a fim de manter em nós a efusão de seu Espírito. Estes são os sacramentos da Penitência e da Eucaristia. O sacramento da Penitência reforça a graça que temos recebido no dia de nosso batismo e purifica nossas almas de nossos pecados. O sacramento da Penitência, em conseqüência, restitui em nós a virtude do Espírito Santo, a virtude da graça.

Que dizer do sacramento da Eucaristia! Sacramento dado pelo Santo Sacrifício da Missa. É no mesmo instante em que se consuma o Sacrifício da Missa, que é o Sacrifício da Redenção continuado, se realiza o sacramento da Eucaristia. Esta graça flui do Coração transpassado de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Sangue e a água que escapam de seu Sagrado Coração manifestam as graças da Redenção e nos comunicam ao mesmo tempo sua vida divina. Na Sagrada Eucaristia recebemos a santificação de nossas almas, pelo distanciamento do pecado e o apego a Nosso Senhor Jesus Cristo, como de outra das fontes do Espírito.

Os sacramentos do Matrimônio e da Ordem santificam a sociedade. O sacramento do Matrimônio santifica todas as almas. Estas são, pois, novas ocasiões pelas quais Nosso Senhor Jesus Cristo nos dá realmente seu Espírito, que é um Espírito de verdade, de caridade e de amor.

Finalmente, o sacramento da Extrema Unção nos prepara para receber a verdadeira e definitiva efusão do Espírito Santo, quando receberemos nossa recompensa no Céu.

Não temos direito a eleger outros meios

Eis aqui os meios pelos que Nosso Senhor Jesus Cristo quis comunicar-nos sua vida espiritual, seu próprio Espírito. Não temos direito de eleger outros meios fora dos que Nosso Senhor mesmo instituiu, meios tão simples, tão formosos, tão eficazes, tão simbólicos aos mesmo tempo. Não temos direito a esperar que por simples manifestações exteriores, por gestos particulares, possamos receber o Espírito Santo. É muito temeroso que estas outras manifestações sejam inspiradas pelo mal espírito, para enganar precisamente aos fiéis, fazendo-os crer que recebem o verdadeiro Espírito de Nosso Senhor. Em realidade, não recebem, de nenhum modo, este Espírito, senão que um espírito muito distinto… Tenhamos o cuidado de não deixarmo-nos arrastar, e quando se apresente a ocasião, distanciemos destes fenômenos e manifestações aqueles nossos familiares que se sentem atraídos por eles.

A verdadeira ação do Espírito Santo nas almas por meio de seus dons

Qual é a ação da efusão do Espírito Santo em nós? É, antes de tudo, distanciar-nos do pecado, por seus dons particulares e pelo temor de Deus. Especialmente pelo temor filial e não pelo temor servil que, certamente, pode ser útil pelo medo aos castigos para manter-nos no caminha da fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo, na obediência aos seus mandamentos. Mas, devemos cultivar sobretudo o temor filial. É o que nos dá o Espírito Santo em seu dom de temor: o temor de distanciar-nos de Nosso Senhor Jesus Cristo que é nosso tudo, de distanciar-nos de Deus, do Espírito Santo. Este temor deveria ser suficiente e eficaz para rechaçar todo o pecado voluntário, qualquer que seja. O primeiro efeito dos dons do Espírito Santo é que nossa vontades não se distanciem de Deus por apegar-se aos bens temporais contra a sua santa vontade.

O Espírito Santo nos inspira a submissão à vontade de Deus pelos dons de conselho e de sabedoria. O dom de conselho aperfeiçoa a virtude da prudência. Precisamos, no transcurso da vida, saber qual é a vontade de Deus, para cumpri-la. Isto nem sempre é simples. Algumas vezes certas decisões não são fáceis de tomar e é difícil conhecer a vontade divina. O Espírito Santo nos esclarece pelo dom de conselho e o dom de sabedoria.

O Espírito Santo nos incita igualmente, pelo dom de piedade que nos comunica, a rezar, a unirmo-nos com Nosso Senhor Jesus Cristo, a unirmo-nos com Deus mediante a oração. Este dom de piedade se manifesta de um modo particular na virtude da religião, que forma parte da virtude de justiça, já que é justo e digno que lhe demos um culto. E o culto que Deus quer que lhe rendamos passa por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pelo Sacrifício da Missa, Deus quis que lhe rendamos toda honra e toda glória, com Nosso Senhor Jesus Cristo, por Nosso Senhor Jesus Cristo, em Nosso Senhor Jesus Cristo. Isto é o que a Igreja pede que façamos a cada domingo: que nos unamos ao Sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Santa Missa é a oração mais bela e mais grandiosa. Por meio dela o Espírito Santo nos inspira esta virtude de religião, esse espírito de piedade profunda, muito mais espiritual que sensível.

Um slogan: A participação ativa na liturgia

Por isto, também neste ponto, existe um erro na reforma litúrgica, quando se insistiu tanto na participação dos fiéis. Eu mesmo ouvi dizer de Dom Bugnini, artífice fundamental da reforma: “Toda esta reforma foi feita com a finalidade de fazer participar os fiéis na liturgia”. Mas, de que participação se trata? De uma participação puramente exterior? Não há que buscar mais bem a união interior? A união espiritual, sobrenatural? Para que essas cerimônias? Para que esses cantos? Para que essas orações vocais? Não é para unir nossas almas a Deus? Eis aqui o que há que contestar.

Por isto, é muito concebível que o fiel que assiste ao Santo Sacrifício da Missa permaneça em silêncio, sem abrir sequer seu missal, se se sente deveras atraído, conquistado, inspirado de certo modo, pelos sentimentos que o sacerdote manifesta em sua ação. Escutando o sacerdote fazer sua confissão, seu ato de contrição, a alma se une ao sacerdote e se arrepende de seus pecados.

Quantas pessoas dizem: “Já não se pode rezar nas novas missas! Se ouve sempre algo. Se ouve uma oração pública. Durante todo o tempo já uma manifestação exterior que faz com que estejamos distraídos e que não possamos recorrer-nos mais para unirmo-nos realmente com Deus”. Sucede exatamente todo o contrário da oração.

Da piedade à contemplação

Finalmente, os dois últimos dons de entendimento e de ciência nos convidam à contemplação de Deus através das coisas deste mundo. O dom de ciência e o dom de entendimento penetram e nos dão luz sobre a existência de Deus, sobre sua presença em todas as coisas, e particularmente nas manifestações espirituais e sobrenaturais de Deus através da graça e dos sacramentos. A alma inspirada pelo Espírito Santo vê, de algum modo, a presença de Deus em todo lugar, e se une assim a Deus durante sua vida, esperando vê-lo tal qual é, na vida eterna.

O Espírito Santo, fonte da vida interior

Eis aqui, em verdade, o que é o Espírito Santo, e como se manifesta. Se o admira nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos, em todas as Epístolas dos Apóstolos. O Espírito Santo se encontra em todas as partes. Se manifesta aonde quer. É a expressão muito clara da vontade de Deus, que consiste na santificação de nossas almas pela presença de seu Espírito.

Peçamos à Santíssima Virgem Maria, que sempre esteve cheia do Espírito Santo, que nos ajude a viver esta vida interior contemplativa, Ela que exteriorizou pouco sua oração. Algumas palavras no Evangelho bastam para mostrar-nos e descobrir-nos um pouco a alma da Santíssima Virgem Maria. Ela meditava as palavras que pronunciava Nosso Senhor. O Evangelho nos diz que Ela as repetia em seu Coração. Eis aqui o Espírito da Santíssima Virgem Maria: Ela meditava as palavras de Jesus. Meditemos também nós as palavras do Evangelho, meditemos as palavras que a Igreja põe em nossos lábios, para unir-nos mais a Deus.

+ Marcel Lefebvre
Arcebispo.

Publicado originalmente em 14/12/2010

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Por: Gustavo Corção – Permanência

É a última espetacular novidade religiosa que se espalha com grande sucesso no mundo inteiro. Num recorte recente de “Le Monde” lemos a notícia desse movimento cujo sucesso se contrapõe, na pena de Henri Fesquet, “ao declínio das grandes Igrejas” mais ou menos institucionalizadas. Esse movimento de origem protestante, nascido antes do século, cresceu agora rapidamente. O número de “Assembléias de Deus” que era de 264 em 1963 ultrapassa o número de 400 em 1972. Calcula-se em dez milhões o número de praticantes no mundo inteiro”, diz “Le Monde“; e como era de esperar anuncia que o movimento já entusiasmou o mundo católico onde ganha o nome de “renovação carismática” e até reclama o mais ousado título de “novo pentecostes“.

Em Junho reuniu-se na Universidade Notre Dame, nos Estados Unidos, um “congresso de renovação carismática” com o comparecimento de 25.000 participantes entre os quais figuravam muitos padres, Bispos, e o Cardeal Suhenens, Primaz da Bélgica.

Que dizem de si mesmos esses católicos empenhados em tal movimento? Várias publicações, entre as quais destaco a do jovem casal americano Kevin e Dorothy Ranaghan, num livro traduzido em francês com o título “Le Retour de l’Esprit“, apresentam o movimento pura e simplesmente como uma descontinuidade explosiva surgida na História do Cristianismo e produzida, nem mais nem menos, por uma nova descida do Espírito Santo sobre os milhares de adeptos que recebem, por imposição das mãos de outros, o “batismo do Espírito” e subitamente se convertem, mudam de vida, passam da mais profunda depressão à mais jubilosa exaltação, e começam a “falar em línguas“, como os cristãos da Igreja nascente, e como os apóstolos no dia de Pentecostes (At 2, 1)

Uma as características do estado de espírito produzido nas assembléias carismáticas é a predominância da exteriorização sobre a interiorização, e a marcada emotividade que leva os adeptos a sentirem a presença do Espírito Santo, e a declararem essa convicção com uma espontaneidade — cada um contando sua experiência própria — que se liberta de qualquer compromisso de submissão à aprovação da Igreja.

Até aqui o nosso espanto não foi excessivo porque este fim de século e o mundo católico dito “progressista” já nos saturaram de extravagâncias, e já nos embotaram a manifestação do espanto. A nossa preocupação começou a ganhar dimensões de alarme quando vimos que o prudente hebdomadário “L’Homme Nouveau”, dirigido por Marcel Clement, enviou 7 representantes ao Congresso de “renovação carismática” na Universidade Notre Dame, e que o próprio Marcel Clement, no seu editorial de 1o. de Julho, não hesita em falar de “novo Pentecostes” e de fazer este estranho pronunciamento:

É uma realidade de Igreja. Equilibrada, serena, poderosa. Não se trata de misticismo exaltado. É verdadeiramente o Espírito Santo que os invade e os faz caminhar muito depressa até à única e verdadeira Igreja de Jesus Cristo.”

A nós nos parece que depressa demais pronunciou-se o Prof. Marcel Clement, como também nos parece incompreensível que se diga “cheminement très vite jusqu’à la seule et veritable Église de Jesus Christ” de pessoas já nela inseridas pelos sacramentos.

Prevemos o caminho de uma luta mais difícil do que as outras que até agora tivemos de enfrentar porque todos terão pressa excessiva de marcar pontos positivos num movimento em que os rapazes e as moças só dizem que querem rezar em “comunidade carismática“, porque receberam do próprio Espírito Santo, num novo Pentecostes, dons maravilhosos que os tiraram dos mais profundos abismos e os elevam à mais pura alegria. Quem quererá cobrir-se do negrume de todas as antipatias para enfrentar tão maravilhosa transformação do mundo com um mínimo de reserva ou de exigência?

Para encaminhar adequadamente a questão, amigo leitor, começo por lhe lembrar alguns títulos que nos dão direitos a certas exigências. Somos um povo que há 2 mil anos segue a pista de um Deus flagelado; pertencemos à forte raça daqueles mártires que deram o sangue para testemunhar a verdadeira Religião e para resistir a todas as fraudes; descendemos também daqueles outros que silenciaram nos mosteiros os seus próprios sentimentos e as suas próprias emoções para deixar que só o Espírito de Deus falasse por eles. Pertencemos a um Povo ainda mais antigo que ouviu do próprio Deus o trovão de uma identidade absoluta:

Eu sou aquele que sou”, e o preceito da mais inquebrantável intolerância: “não terás outro deus diante de minha face“.

Tudo isto, amigo leitor, nos inclina a uma profunda aversão por tudo que pareça equívoco, e que, em matéria de Religião, mais manifeste as turbulências da pobre alma humana torturada por um mundo encandecido do que as grandezas de Deus manifestas pelos Apóstolos no dia do único e verdadeiro Pentecostes.

Logo a seguir tentarei expor as razões que me levam a ver nesse movimento uma nova feição da “revolução” que quer por vários processos destruir a Igreja.

Aqui trago apenas os títulos que me dão o direito de exprimir tais reservas, e que me lembram o dever de as exprimir. Pecador e inútil servidor, pertenço todavia àquela raça exigente. Sou homem de Igreja que só quer nela viver e nela morrer.

Para comparar o movimento chamado “pentecostismo” com a Igreja de Jesus Cristo, comecemos por comparar a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos, no dia de Pentecostes ao “novo pentecostes” que desce sobre cada um dos 25 mil membros do encontro realizado na Universidade Notre Dame (USA).

Há fenômenos semelhantes, como a “glossolalia” ou língua estranha falada pelos crentes do Cristianismo no primeiro século, pelos Apóstolos no dia de Pentecostes, e hoje pela multidão dos pentecostistas. Mas a semelhança termina quando ponderamos que Pentecostes foi, para a Igreja nascente, não uma explosão de manifestações espontâneas e multiplicadas, mas, ao contrário, um atingimento de maturidade e de esplendor de ordem. Foi mais uma cristalização eclesial do que uma explosão carismática. Diríamos até que esse grande dia da Confirmação da Igreja vinha pôr termo à anarquia ou à dispersão informe dos primeiros tempos. Assinalemos que, em Pentecostes, com a evidência das línguas de fogo, a descida do Espírito Santo se fazia sobre a Hierarquia para bem marcar o caráter da Igreja Católica. E as “línguas” que também os Apóstolos nesse dia falaram, usando o dom das línguas que S. Paulo não reprova mas não estimula? Ora, esse ponto de semelhança é na verdade um ponto de oposição porque, enquanto os “pentecostistas” de hoje falam línguas que ninguém entende, nem eles mesmos, os Apóstolos falavam uma “língua que todos os vários estrangeiros presentes ouviram e entenderam como a própria”. Torna-se evidente que o Espírito Santo, nesse dia, usou o mesmo dom para exprimir a “unidade de língua” da Igreja e a sua destinação universal. Formalmente, essa “unidade de língua” significa “unidade de doutrina”, mas também pode significar a real unidade de língua que a Igreja teria quando recebesse seu o cunho Romano e portanto latino.

Vê-se assim que o “novo pentecostes” é dispersador quando o verdadeiro Pentecostes foi congraçador; que o moderno fenômeno é anarquista onde o autêntico é ordenador e hierárquico; que o moderno fenômeno se traduz em manifestações emotivas diversas e mais ou menos chocantes, enquanto o verdadeiro Pentecostes se arremata por um discurso de Pedro que imprime ao mistério pentecostal todo o seu sentido de unidade eclesial. É especialmente digno de nota o arremate do discurso de Pedro e do capítulo II dos “Atos“.

Vale a pena comparar esses textos sagrados com a narração de Irling Shelton, uma das representantes de “L’Homme Nouveau” no congresso de Notre Dame:

“A oração perde seu ritualismo, seu formalismo, sua rotina.” (Por que rotina?) Sem rejeitar completamente a oração ritual (…) a tônica é posta na espontaneidade (…)  “a expressão dessa efusão anterior pode então se acompanhar de movimentos da sensibilidade. Cantam, riem, choram, batem as mãos, prosternam-se no chão ou elevam os braços (…) Essas manifestações incontroladas da emotividade podem degenerar em atitudes grotescas e até em histeria de grupo. Mas quando o líder (?) controla bem seu grupo de orações, e sua emotividade, as manifestações sensíveis da efusão do Espírito poderão aquecer os corações e servir de edificação para todos”.

Chamo a atenção do leitor católico alfabetizado na boa doutrina para a sem-cerimônia com que a autora dessas linhas atribui tais efusões ao Espírito, em vez de atribuí-las à Carne que costuma opor às obras do Espírito esse tipo de exteriorização. Na sadia espiritualidade traçada na Igreja pelos santos doutores aprendemos que os dons do Espírito Santo são recebidos por todos desde o seu batismo, e sabemos também que a espontaneidade sobrenatural é o chamado “modo dos dons” que opera nas almas longamente trabalhadas, arduamente purgadas. Há uma espontaneidade animal, sensível que precede a maturidade e a espiritualização. Qualquer criança a possui. Mas a espontaneidade dos dons é uma longa conquista que só os grandes santos atingem através da noite dos sentidos e da subida do Carmelo.

Estas poucas considerações tecidas no plano da teologia mística servem para mostrar que não há nada mais diverso e distante da verdadeira espontaneidade dos santos do que essa dos novos carismáticos.

Essas e outras notas do movimento chamado “Pentecostismo” mostram, a quem conheça os rudimentos da sagrada doutrina, que se trata de mais uma subversão contra a Igreja, disfarçada na falsa sublimidade de manifestações temerariamente atribuídas ao Espírito Santo. Explicam-se talvez pela extrema miséria a que chegou esta infortunada geração condenada às oscilações vertiginosas que vão da mais profunda depressão à mais delirante exaltação. Dá pena. Sim, dá-nos uma imensa tristeza esse quadro — mais esse! — de uma geração que se precipita na degradação dos mais altos dons naturais e sobrenaturais com uma espécie de irresponsabilidade, de subinocência que nos leva à vertiginosa indagação sobre a origem desse mal. Quem será então o culpado do rapto de crianças? Quem serão os culpados da perversão de toda essa geração dos que já não sabem de que espírito são? Deverei procurar entranhas de misericórdia para não ver culpas nos erros e nas quedas? Não seriam antes entranhas de indiferença que de bondade?

Ah! Se pudéssemos deixar os “pentecostistas” fazerem a grande antepenúltima asneira do século! Se pudéssemos apenas suspirar e lamentar o misterioso consentimento divino! O dia correria mais doce e o crepúsculo da vida teria a suavidade das tardes em que o Céu e a Terra parecem festejar o feliz amadurecimento de um dia do mundo. Mas que contas prestaria eu a Quem me pôs esta pena na mão e esse papel estendido sobre a mesa?

(Revista “Resistência”, 15 de Janeiro de 1974)

Publicado originalmente em 16/12/2010

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Fonte: Contra Impugnantes

Sidney Silveira

A existência dos demônios é, antes de tudo, uma verdade de fé. Ou seja, ela é atestada pela Sagrada Escritura, razão pela qual o teólogo católico — em suas especulações acerca do ser e das operações dessas criaturas espirituais — deve sempre partir da certeza absoluta de que os demônios (assim como os Anjos) existem, se não quiser perder a fé. As passagens tanto no Antigo Testamento como no Evangelho são várias, com a diferença marcante de que, no Antigo Testamento, a ação dos demônios é sempre exterior, com tentações, infestações locais e pessoais, enquanto no Evangelho ela chega ao interior, à possessão propriamente dita. Como afirma o exorcista Corrado Balducci, no livro que tomamos como linha-mestra para estes textos, não existe um só caso de possessão no Antigo Testamento. Isto quer dizer o seguinte: na Lei Antiga há demônios, sim, mas não endemoniados; noutro texto veremos as razões teológicas que explicam isto.

Os textos evangélicos por sua vez nos remetem a sete casos concretos de possessão diabólica:

1- o endemoniado mudo (Mt. IX, 32-33);

2- o endemoniado cego e mudo (Mt. XII, 22-32);

3- Maria Madalena, que estava possuída por sete demônios (Mc. XVI, 9; Lc. VIII, 2);

4- o endemoniado de Carfanaum (Mc. I, 21-28; Lc. IV, 31-37)

5- os endemoniados de Gerasa (Mt. VIII, 28-34; Mc. V, 1-20; Lc. VIII, 26-39);

6- a filha da Cananéia (Mt. XV, 21-28; Mc. VII, 24-30);

7- o rapaz lunático (Mt. XVII, 14-20; Mc. IX, 13-28; Lc. IX, 37-43).

Além desses casos de possessão, o Evangelho descreve os outros três tipos de ação diabólica apontados anteriormente, a começar pela tentação de Cristoarquétipo da atividade luciferina e também modelo da vitória sobre Satanás que Deus quer que todos nós tenhamos. A propósito da tentação do Senhor, diz Santo Tomás na Suma Teológica (III, . q. 41, art. 1, resp):

“Cristo quis ser tentado. Primeiro, para proporcionar-nos auxílio contra as tentações. Por isso diz Gregório em uma homilia: “Não era indigno de nosso Redentor querer ser tentado — ele que veio ao mundo para ser morto —, para que assim vencesse as nossas tentações com as suas, da mesma forma como aniquilou a nossa morte com a própria [imolação]”. Segundo, para precaver-nos, a fim de que ninguém, por santo que seja, acredite estar seguro e imune à tentação. Também por isso ele quis ser tentado depois do batismo, porque, como diz Santo Hilário, “as tentações do diabo voltam-se especialissimamente contra os santos, porque não há vitória que mais apeteça [ao demônio] que a lograda contra os santos. Daí também que no Livro do Eclesiástico (II, 1) se diga: “Filho, se vens servir ao Senhor, mantém-te firme na justiça e no temor, e prepara tua alma para a tentação”. Terceiro, pelo exemplo, isto é, para ensinar-nos o modo de vencer as tentações do diabo. (…). Quarto, para infundir em nós a confiança na misericórdia de Deus. Por isso se diz em Heb (IV, 15): “Não temos um sumo sacerdote incapaz de compadecer-se de nossas fraquezas, pois como nós Ele mesmo foi tentado em tudo, menos no pecado”.

A tentação de Cristo é um modelo para nós no sentido de que nos ensina como espiritualmente agir nestes momentos, mas também diz muito do modus operandi satânico. Antes de tudo, o demônio precisa vislumbrar o sinal de fraqueza a partir do qual iniciará a sua ação. No caso de Nosso Senhor, embora Lúcifer soubesse conjecturalmente que se tratava do Cristo (cf. Lc. IV, 41, onde se lê que os demônios sabiam que ele era o Messias), ele não estava na posse formal perfeita desta verdade, pois, desconhecendo os desígnios da Divina Providência e vendo em Cristo algumas humanas debilidades, não poderia ter certeza absoluta de que ele era mesmo o Filho de Deus. Daí Santo Tomás afirmar que, por este motivo, quis Satanás tentá-lo (Suma Teológica, III, q. 41., art. 1, ad. 1). No parecer do Aquinate, é o que dão a entender as seguintes palavras da Sagrada Escritura: “Depois que teve fome, se aproximou dele o tentador” (Mt. IV, 2-3). Ora, a primeira tentação foi justamente direcionada a um aspecto materialmente identificável pelo diabo, a fome que sentiu Cristo após prolongado jejum: “Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem pães” (Mt. IV, 3).

A própria formulação da frase diabólica, expressa na tentação de Cristo, aponta para a incerteza de Lúcifer acerca da condição do Nosso Senhor: “Se tu és” (…).

Retenhamos bem isto, pois nos será útil nos textos que se seguirão: o demônio sempre começa a sua ação tendo em vista a debilidade humana pela qual começará o seu ataque, pois não joga para perder. Embora seja o maior derrotado de todos…

(continua)

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Fonte: Contra Impugnantes

Sidney Silveira

Estava eu por estes dias lendo a última questão do De Malo, de Santo Tomás — que trata dos demônios — juntamente com o livro Os endemoniados, hoje, do exorcista Corrado Balducci, e me pareceu útil trazer aos nossos leitores um pouco da doutrina católica sobre estas criaturas espirituais cuja excelência ontológica excede incomensuravelmente à humana.

Noutras ocasiões, lembramos no Contra Impugnantes que, de acordo com o Aquinate, a pecabilidade no Anjo provém de uma espécie de ignorância metafísica, ou seja, do fato de os Anjos (que não são Ato Puro, mas compostos de essência e ser) não terem a intelecção de todos os inteligíveis num só ato de sua elevada inteligência, sendo o seu conhecimento, portanto sucessivo — por ter um antes e um depois — e não instantâneo. Só Deus conhece instantaneamente todas as coisas num só ato, daí ser Ele omnisciente, por isso não há trânsito entre o que Ele pensa e o que cria (ou entende). Em resumo, em Deus não é possível haver ignorância, pois Ele já está na suma posse de todos os inteligíveis, que se identificam em absoluto com o seu Próprio Ser Subsistente. Nos Anjos, diferentemente, não há essa intelecção perfeitíssima e englobante de tudo o que há num só ato, razão pela qual eles não podem ter o conhecimento da ordem da Divina Providência, etc.

Santo Tomás encontra, pois, na própria natureza criatural angélica a ratio da pecabilidade, ou seja: a radical possibilidade de o Anjo pecar, como de fato pecaram Lúcifer e os que se seguiram a ele. E o fato de os Anjos que não caíram não poderem mais pecar se dá não em virtude de sua natureza, e sim porque eles foram sobrenaturalmente confirmados na luz da glória, sob cujo influxo nenhuma criatura é capaz de pecado. Mas por que essa necessidade de encontrar na inteligência do Anjo a raiz da possibilidade de pecar? Simplesmente porque, embora o pecado tenha sede na vontade, esta é apetite intelectivo do bem, e, portanto, a inteligência possui um papel-chave em todo ato pecaminoso, seja humano ou angélico. Noutras palavras, só uma inteligência absolutamente inerrante poderia não pecar. E este não era o caso dos Anjos, apesar da sua notável excelência.

Depois do pecado, há uma situação mais ou menos simétrica entre os Anjos e demônios: uns confirmaram-se na glória e não podem mais pecar, enquanto outros caíram e não podem mais ver-se livres do pecado. Estes últimos estão, pois, irremediavelmente perdidos, ao passo que os seus antípodas angélicos estão invencivelmente salvos. Para uns, amor, luz, glória; para outros, o ódio espiritual mais hediondo, trevas, desgraça. Ora, neste estado deplorável de confirmação no mal de culpa e de pena, uma criatura espiritual (como são os demônios, que com o pecado não perderam sua excelência ontológica) não pode senão voltar-se necessariamente ao pecado, aumentando a sua culpa ajuntando malefícios sobre malefícios, até o Dia do Juízo. Mas eles podem voltar-se contra quem? Como?

Pois bem. Digam-se em primeiro lugar três coisas:

a) o ódio satânico a Deus é impotente para feri-Lo, pois Deus é o Ato Puro que não pode sofrer qualquer alteração proveniente de nenhuma criatura.

b) Esse ódio é também impotente para ferir os Anjos confirmados na luz da glória, mesmo no caso eventual de o demônio ser de uma hierarquia superior à do Anjo, pois, como se disse acima, os Anjos que não pecaram foram confirmados na glória.

c) Resta, pois, ao demônio voltar-se contra o homem, que ainda é pecável no atual estado e possui uma dignidade ontológica muitíssimo inferior à das criaturas espirituais, nesta escala que vai da potência da matéria prima ao Ato Puro do espírito divino. Enquanto pode, portanto, o demônio vinga-se de Deus ferindo o homem, perdendo-o quando lhe é permitido chegar a tanto. Mas sempre como instrumento (em geral, de santificação) da Divina Providência, como se verá adiante.

Os teólogos identificam quatro modos de ação diabólica contra o homem: a tentação, a infestação local, a infestação pessoal e a possessão. Balducci convenceu-me de que o termo obsessão já não é o ideal, pois se confunde com algumas linhas da psicologia e da psiquiatria contemporâneas. Vejamos cada um desses casos, seguindo de perto o nosso exorcista.

A tentação diabólica é um estímulo, uma incitação ao pecado. Noutras palavras, tentar é por à prova induzindo ao mal, experimentando (tentare est proprie experimentum sumere de aliquo, conforme diz Santo Tomás na Suma Teológica, I, q. 144, a. 2). Aqui é conveniente dizer que nem todas as tentações provêm do diabo, pois muitas são advindas da nossa natureza corrompida pelo pecado, da concupiscência desgovernada. Mas como exercita o demônio esse poder de tentar o homem? Resposta: agindo sobre os sentidos internos e externos, principalmente sobre a memória, a imaginação, o tato e a visão. Desta forma, ele procurar atuar, ainda que indiretamente, sobre a vontade, induzindo-a a querer pecar.

A infestação local é a atividade diabólica exercida sobre a natureza inanimada ou, também, sobre a animada inferior, para perturbar o homem — sempre com intuitos espirituais maléficos.

A infestação pessoal ocorre quando o demônio comete contra uma pessoa uma série de tentações violentíssimas e reiteradas vezes. Aqui, em boa parte dos casos ele incita a pecados mais graves, tanto da carne como do espírito. Aparições monstruosas, blasfemas, imagens lúbricas e palavras malditas acossam o homem sob o influxo da infestação pessoal.

A possessão caracteriza-se pelo completo domínio de Satanás sobre uma pessoa, da seguinte forma a) diretamente sobre o corpo, pois a sua atuação sobre a matéria é perfeita, na medida em que a criatura espiritual tem o poder de submetê-la totalmente; b) indiretamente sobre alma, já que esta se serve do corpo para as suas operações próprias. Pois bem, nesta situação o homem é instrumento dócil do poder despótico e maléfico do diabo, como diz Balducci.

Nos próximos textos desta série veremos alguns aspectos dessa ação diabólica, dada a natureza de tais criaturas, a começar pelo fato de que os demônios têm total domínio sobre o lugar, pois eles estão onde operam, nas palavras de Santo Tomás. Eles não podem estar contidos num lugar, como nós, senão que o contêm. Veremos também se o possesso, a partir do momento em que passa a sê-lo, comete atos pecaminosos ou se está isento de culpa ao agir como instrumento do demônio.

(continua)

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