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Archive for dezembro \29\-03:00 2011

FonteMosteiro da Santa Cruz

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O LIMBO: UMA DOUTRINA INCONTESTÁVEL CONFUNDIDA PELA “NOVA TEOLOGIA”

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Depois do nosso artigo “Magistério desprezado — o Batismo das crianças e o limbo” (Sim sim Não não de abril de 1996 p.1), recebemos a seguinte correspondência do Rev. Pe. Sulmont ? carta publicada no Boletim Paroquial de Domqueur de novembro de 1995 (suplemento do Boletim n°287, p. 1):

Domqueur, 25 de outubro de 1995

Senhores,

Li seu artigo em SiSiNoNO do mês de outubro..

Sem dúvida, estou inteiramente de acordo com sua posição sobre a necessidade de batizar as crianças, como ensinam o Magistério infalível da Igreja, todos os Concílios, toda a tradição, inclusive o Credo de Paulo VI, de 30 de junho de 1968.

Entretanto, permitam-me ser menos categórico a respeito do limbo e da sorte das crianças mortas sem Batismo.

O limbo das crianças é uma conclusão teológica que não é de Fé divina mas somente de Fé eclesiástica, segundo a classificação que me foi outrora ensinada no Seminário.

Dito de outra forma, o limbo não faz parte da Revelação contida no Evangelho. Quando Cristo diz a Nicodemo ‘ninguém, se não renasce da água e do Espírito Santo, pode entrar no reino de Deu´ (Jo. III, 5), funda o Batismo, mas Ele fala a pessoas que não são ainda batizadas e os próprios apóstolos não o estavam ainda, como se acredita.

Necessita-se, assim, um certo tempo para que o sacramento do Batismo seja generalizado: o reino de Deus se instaurará aqui, pouco a pouco.

O limbo, ou melhor, as franjas do reino de Deus, existe na terra, para a Igreja, antes que a evangelização se tenha realizado plenamente em seus fiéis.

Guardei a lembrança da morte de parto de uma mãe há alguns anos, e vejo ainda o pequeno caixão da sua filhinha, chamada Aurora, posto ao lado da mãe, que era boa cristã.

O senhor pensa que Deus possa abrir o céu à mãe, dar-lhe a bem-aventurança, e fechar a porta ao seu bebê, enviando-o a algum outro lugar?

Ainda que uma mãe pudesse esquecer seu filhinho, Deus não esquece os seus.

Parece-me que a solução do limbo não leva suficientemente em conta o dogma da Comunhão dos Santos que está no Credo.

Em todos os tempos, e desde o Antigo Testamento, os fiéis admitem que a morte permite o reencontro com seus pais. Os laços naturais da família não são definitivamente rompidos. Os méritos dos santos não podem ser atribuídos, com prioridade, aos membros de sua família natural e àqueles que eles amaram na terra? Senão a caridade seria uma virtude descontínua.

Eis o que sugiro: talvez os senhores possam dar-me sua opinião sobre esse assunto difícil do limbo.

De qualquer maneira, estou de acordo com os senhores em combater, o mais energicamente possível, o retorno da heresia de Pelágio e a inadmissível teoria da escolha pessoal do Batismo unicamente para os adultos.

O pelagianismo é hoje uma praga: a negação do pecado original, o culto do Homem, os sacramentos laicizados, o desprezo da graça de Deus em benefício de truques; ignora-se o texto do Evangelho: “Não foram vós que me escolheram, mas eu, diz Jesus, que vos escolhi” (Jo, XV, 16).

Cordialmente,

Pe. Sulmont

Por seu lado, uma leitora nos escreve:

Rev. Pe.,

[…] o artigo a respeito do Batismo das crianças e o limbo, no seu último número, fez-me refletir de novo.

Minha cunhada, por ocasião de uma intervenção cirúrgica, estando grávida de quatro meses, pediu que o feto fosse batizado, no caso de… Tendo sido mudada a equipe cirúrgica (durante a noite), não se fez o que ela tinha pedido.

À uma pergunta feita a […] me responderam que não havia, nesse caso, Batismo de desejo, porque não se podia intervir da mesma maneira para um adulto, que deveria acusar seus pecados.

Permita-me refazer a pergunta ao mesmo tempo em que formulo esta outra: Como encarar, nesse particular, a questão do Juízo Final?

Espero que o senhor me esclareça sobre esse ponto delicado, sabendo que no fm do mundo haverá aqueles que terão (feito…) e os que não terão (feito…) em função de sua vontade livre e esclarecida, e lhe peço que aceite, com meus agradecimentos antecipados, a expressão do meu respeito.

Carta assinada

Respondemos aqui a essas duas cartas.

UMA “DOUTRINA COMUM DA IGREJA”

“… permitam-me ser menos categórico a respeito do limbo e da sorte das crianças mortas sem Batismo”. (Pe. Sulmont).

Não se trata aqui de ser mais ou menos “categórico”. Trata-se, ao contrário, de manter a doutrina ensinada durante séculos, até às vésperas do Concílio Vaticano II, pela maioria dos Pastores, doutrina adotada pela maioria dos teólogos, acreditada por todo o povo cristão. Separar-se dela significa separar-se da doutrina comum para aderir a essas vozes discordantes e isoladas, que não faltaram em diversos períodos, no curso dos séculos, mas que se mostraram inconciliáveis com a Revelação divina ou que permaneceram como hipóteses, piedosas e caritativas, se quiserem, mas que não são fundadas sobre qualquer revelação.

Em 1935, padre J. Webert, O.P. escrevia: “Se, no curso dos tempos, houve entre os teólogos certas hesitações ou obscuridades, a doutrina da Igreja está doravante bem determinada sobre a existência do Limbo, como lugar onde repousarão eternamente as almas daqueles que morreram somente com o pecado original” (L’au dela, notas e apêndices à tradução francesa da Suma Teológica de São Tomás de Aquino, ed. Desclée). O próprio Häring, que nega o limbo das crianças, reconhece que se trata de “uma doutrina comum da Igreja” (Famiglia Christiana 27 de maio de 1975) e todos os teólogos a reconhecem como tal.

Ora, um padre deve estimar no seu justo valor o peso — no domínio doutrinário — de um consenso tão longamente mantido e tão unânime na Igreja, consenso que, por sua aceitação tranqüila e sua duração, compromete a própria infalibilidade da Igreja tanto “in docendo” quanto “in credendo”.

A isto, deve-se acrescentar o favor, tácito ou expresso, do Magistério Pontifício que, pela boca de Pio VI, defendeu como ortodoxa a crença no limbo contra o concílio herético de Pistóia: “O papa declara falsa, temerária, injuriosa às escolas católicas, a proposição segundo a qual deve ser rejeitado como uma fábula pelagiana o lugar dos infernos, chamado vulgarmente limbo das crianças, no qual as almas daqueles que morrem somente com o pecado original são punidas com a pena de dano [privação da visão de Deus] sem a pena do fogo” (DB 1526).

Assim, em 1954, nas vésperas do Vaticano II, os padres jesuítas espanhóis na sua Sacrae Theologiae Summa (BAC, Madri) escreviam que “etsi de limbo plures sunt quaestiones, ejus existentia certo tenenda est [em itálico no texto] quamvis non sit doctrina de fide definita”. “Apesar de haver várias questões [a resolver] sobre os limbos, sua existência deve ser tida por certa, conquanto não haja uma fé definida” (vol. II De sacramentis p. 150). E depois de ter examinado e refutado as diversas objeções e hipóteses sobre o destino das crianças mortas sem Batismo, estes padres jesuítas lembravam o gravíssimo julgamento de Santo Agostinho: “Noli credere nec docere infantes antequam baptizantur morte praeventos pervenire posse ad originalium indulgentiam peccatorum, si vis esse catholicus [em itálico no texto]”. “Quem quer ser católico, não creia, nem diga, nem ensine que as crianças colhidas pela morte antes de serem batizadas podem obter a remissão do pecado original” (Ibid.)

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UM ERRO

“O limbo das crianças é uma conclusão teológica que não é de Fé divina mas somente de Fé eclesiástica, segundo a classificação que me foi outrora ensinada no Seminário” (Pe. Sulmont).

Sentimos muito ter que dizer que o Pe. Sulmont é aqui “categórico” e que está em erro, e isso por vários motivos. O limbo é, realmente, uma conclusão teológica, mas não uma conclusão teológica de Fé eclesiástica, sem que a Igreja tenha ainda se pronunciado sobre a questão (e veremos por que) de maneira solene e definitiva. Contudo, fosse a doutrina sobre o limbo de Fé eclesiástica, como crê nosso leitor, sua certeza seria “infalível como nos casos dos verdadeiros dogmas” (L. Ott Compendio di teologia dogmatica, Marietti 1955 p.22) e, portanto, o argumento segundo o qual o Limbo “não seria de Fé divina mas somente de Fé eclesiástica” não tem nenhum peso, em realidade.

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SENTENTIA AD FIDEM PERTINENS

“Dito de outra forma, o limbo não faz parte da Revelação contida no Evangelho” (Pe. Sulmont).

Infelizmente, não estamos de acordo com nosso reverendo leitor. O limbo é uma conclusão teológica como, aliás, ele mesmo o diz e, por conseguinte, justamente por ser uma conclusão teológica, é uma verdade virtualmente ou implicitamente revelada, como o ensina qualquer manual de teologia: “Chama-se conclusão teológica uma verdade religiosa deduzida de duas premissas, das quais uma é formalmente revelada e a outra é conhecida unicamente pela razão. Sendo tais verdades derivadas de uma raiz da Revelação, são ditas virtualmente reveladas (virtualiter revelatae)” (Bartmann Manuale di teologia dogmática, vol. I, ed. Paoline 1949, p. 20).

Por esta relação teológica com a Revelação divina, a conclusão teológica, antes mesmo de ter sido pronunciada definitivamente pela Igreja, é chamada “sententia ad fidem pertinens”, sentença que pertence à Fé. Não seremos, portanto, tão categóricos para concluir como nosso leitor que “o limbo não faz parte da Revelação, contida no Evangelho”.

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UMA OPINIÃO “MUITO SINGULAR”

“O limbo, ou melhor, as franjas do reino de Deus, existe na terra, para a Igreja, antes que a evangelização se tenha realizado plenamente em seus fiéis” (Pe. Sulmont).

E é assim que os limbos são completamente negados. Não se trata aqui, de fato, do destino das crianças mortas sem Batismo e que seus pais tenham desejado batizá-las, trata-se sim da própria existência do limbo. Não vemos como essa opinião totalmente pessoal, que situa o limbo “aqui em baixo”, sobre a terra, possa conciliar-se com o Evangelho: “Ninguém, se não renasce da água e do Espírito Santo, pode entrar no Reino de Deus” (Jo. 3,5), e com dois mil anos de reflexão teológica “in eodem sensu et eadem sententia” sobre a sorte das crianças mortas sem Batismo e com os documentos do Magistério infalível da Igreja. Se o limbo existe somente “aqui em baixo” e não existe depois da morte, quer dizer que jamais haverá o caso de almas que morrem unicamente com o pecado original, mas somente almas dignas ou do Céu (com seu anexo, o Purgatório) ou do Inferno, por terem morrido não somente com o pecado original, mas também com pecados pessoais. As definições infalíveis da Igreja, ao contrário — todas sem exceção — consideram certo que existem almas que morrem somente com o pecado original: na profissão de Fé de Michel Paleólogo e em todas as profissões de Fé impostas aos orientais (Dz. 387, 588, 870, 875), no Concílio de Lyon e no de Florença (DB 464) distingue-se sempre entre os que morrem em estado de pecado mortal e os que morrem “somente com o pecado original” (isto é, as crianças e os dementes não batizados). Daí a conclusão lógica, tirada pelos teólogos, da existência de um lugar especial que acolhe essas almas depois da morte.

Além disso, uma vez negado o limbo depois da morte com a finalidade de salvar as crianças cujos pais desejaram ardentemente o batismo, faltaria estabelecer onde vão terminar as outras crianças, inclusive as dos infiéis, cujos pais não desejaram batizar, nem mesmo vagamente. Não chegaríamos, por este caminho, a negar a própria verdade revelada, da qual o limbo não é senão uma conseqüência lógica, a saber, a necessidade absoluta do Batismo para todos? Ficaremos por aqui. Acrescentemos somente que a Igreja, hoje, sofre com opiniões “muito pessoais”. Evitemos, nós que queremos ser filhos fiéis da Igreja, dela sair.

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UMA PERGUNTA DESRESPEITOSA PARA COM O MAGISTÉRIO E A TEOLOGIA CATÓLICA

“Guardei a lembrança da morte de parto de uma mãe há alguns anos, […] O senhor pensa que Deus possa abrir o céu à mãe, […] e fechar a porta ao seu bebê, enviando-o a algum outro lugar?” (Pe. Sulmont)

Essa pergunta nos parece, antes de tudo, e é o menos que se pode dizer, desrespeitosa para com tantos grandes teólogos católicos (incluindo Santo Agostinho e São Tomás de Aquino), como para com a Igreja que – como se exprime Pio XII em Humani Generis — “deu com sua autoridade, uma aprovação tão notável a sua teologia”. De fato, esses grandes teólogos — e a Igreja com eles — não se teriam dado conta de que o limbo faz injustiça à … bondade de Deus! Na realidade, os grandes teólogos bem sabiam que a visão direta de Deus é um dom totalmente gratuito (ninguém tem “direito” à graça e à glória), que ultrapassa infinitamente as exigências e as aspirações da natureza humana (coisa negada pela “nova teologia”) e que não é permitido, portanto, pedir contas a Deus quando Ele não concede a alguém as alegrias do Céu que, apesar de querer dar a todos, não deve a ninguém. Nossa geração orgulhosa parece ter esquecido isso, mas a palavra de Deus está aí para nos lembrar: “Ó homem, quem és para altercar com Deus? Será que o vaso de argila diz a quem lhe deu a forma: Por que me fizeste assim? O oleiro não é dono da sua argila, para fazer da mesma massa um vaso de honra e um vaso de ignomínia?” (Rm 9, 20-21). Ou ainda: “Não fostes vós que me escolheram, mas eu que vos escolhi” (Jo 15, 16) recordado pelo Pe. Sulmont na conclusão de sua carta e que é uma das várias passagens evangélicas que afirmam a soberana liberdade de Deus no plano da salvação. (Lembremo-nos também de: “Não sou livre de fazer dos meus bens o que quero?”, do dono da vinha, na parábola dos operários da última hora).

É certo que Deus quer que todos os homens se salvem, mas o quer com uma vontade condicionada, não absoluta (como o quereria, contrariamente, a “nova teologia”), isto é, Ele o quer com a condição que os homens e as causas segundas, em geral, concorram para a obra de salvação e, se esse concurso falta, Deus não intervém distribuindo milagres, para enviar todos os homens ao Paraíso, a qualquer preço, violando a liberdade humana, mas deixa as causas segundas seguirem seu curso. Por isso muitas crianças morrem sem Batismo por negligência culpável dos pais e de outras pessoas (no caso exposto pela leitora, por falta de equipe médica precedente que não transmitiu à nova equipe a vontade da mãe). E mesmo se a negligencia não é evidente, como nesse caso, sempre se poderia procurar uma responsabilidade — segundo a hipótese plausível de um teólogo — na falta de utilização de todas as graças atuais que Deus distribui aos homens para que se cumpra perfeitamente seu plano de salvação. Com isto, não pretendemos que a questão esteja completamente resolvida: ela permanece sempre misteriosa para o homem porque, no fundo, trata-se de uma desigual repartição de graças, desigualdade da qual Deus se reserva o segredo. O que está dito, no entanto, basta para estabelecer que a existência do limbo não põe em questão a justiça, nem a bondade divina. Tanto é assim que, segundo o julgamento comum dos teólogos, se as alegrias do Céu são recusadas às almas do limbo (elas não lhes são devidas), as alegrias naturais, as mais elevadas, não se lhe são, no entanto, recusadas, alegrias que lhes asseguram uma felicidade pelas quais não cessam de agradecer a Deus.

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UMA DOUTRINA CONSOLADORA

Realmente, a reflexão teológica sobre os limbos, se estes são bem conhecidos (o que não parece o caso, segundo as cartas recebidas) oferece vários motivos de consolação aos pais cristãos aflitos.

É certo que as almas do limbo sofrem objetivamente a pena do pecado original, que é “a privação da visão de Deus” (Inocêncio III, Dz. Enchiridion n° 341), mas é de julgamento comum dos teólogos que a justiça divina não permite que elas a sofram subjetivamente. Já havia dito Santo Agostinho que sua pena “é entre todas a mais doce” “omnium mitissima” (a dureza ulterior do doutor de Hipona é devida à controvérsia pelagiana). Foi em seguida, aprofundando a natureza do pecado original, que nos descendentes de Adão tem um caráter não de falta, mas de privação da graça, que os teólogos precisaram melhor a natureza da pena do limbo, puramente privativa também, e não aflitiva.

Seu julgamento é assim ilustrado e defendido por São Tomás: “a mesma razão vale para a ausência de sofrimento sensível e para a ausência de sofrimento espiritual (para as crianças mortas sem Batismo).

É sempre o gozo ilegítimo que merece sofrer, e o pecado original não o comporta: há, portanto, isenção de todo sofrimento.

A terceira opinião admite que as crianças possuem um perfeito conhecimento de tudo o que pode ser conhecido naturalmente, sabem que estão privadas da vida eterna e sabem a razão, e, no entanto, não experimentam nenhum sofrimento. É o que se precisa explicar.

A ausência de uma perfeição que o excede, não aflige aquele cuja razão é reta (é o caso das crianças mortas sem Batismo), por exemplo, não poder voar como os pássaros, não ser nem rei nem imperador, porque não há nenhum direito a isso; mas ele devia afligir-se por ser privado de um bem que lhe é proporcionado e ao qual é apto. Digo, pois, que todos os homens no uso de seu livre arbítrio são capazes de obter a vida eterna, porque podem preparar-se à graça, que é o meio para isso. Desde então, se faltam a ela, conservarão uma soberana dor por ter perdido o que eles poderiam possuir. Ora, essa capacidade sempre faltou às crianças: a vida eterna não lhes era devida por natureza, da qual excede totalmente as exigências, e por outro lado, não poderiam praticar nenhum ato pessoal, que as fizesse merecer tão grande bem. Portanto, elas não se afligem de nenhuma maneira por não ver a Deus, e de outra parte, gozam por participar em grande parte do bem do qual Deus é a fonte e possuir todos os dons naturais que recebem Dele.

Não se pode atribuir-lhes a capacidade de obter a vida eterna por uma ação pessoal e nem tão pouco por uma ação externa; não se pode dizer que elas poderiam ter sido batizadas, como muitas outras o foram, e que assim viessem a gozar da visão de Deus. Porque, ser recompensado por uma ação que não é pessoal é o efeito de uma graça totalmente particular, que as crianças não se entristecem de não ter recebido, assim como um homem sensato não se entristece por não ter recebido muitas graças concedidas por Deus a outros homens”. São Tomás App.q.2 a.2. Tradução francesa: Revue des Jeunes, suppl: q.70 bis art.2).

Em suma, se o limbo não é o Paraíso, também não é o inferno dos danados e, se lá as almas não gozam da visão beatifica, gozam, não obstante, de uma felicidade acidental secundária, possuindo sem dor bens naturais, de nenhum modo desprezíveis, e em primeiro lugar o conhecimento e o amor natural de Deus, como o explica São Tomás.

“Apesar de que as crianças não batizadas estejam separadas de Deus, no que concerne à visão beatifica, elas não estão completamente separadas Dele. Ao contrário, estão unidas a Deus pela participação nos bens naturais e podem assim gozar Dele também pelo conhecimento natural e o amor natural” (In IV Sent. I.II, dist. XXX, q.II a.2 ad.5).

Suarez, por seu lado, diz que as crianças mortas sem Batismo amam a Deus com um amor natural, acima de todas as coisas e gozam por estarem ao abrigo de todo pecado e de todo sofrimento (De peccatis et vitiis disp. IX sect VI).

Lessius diz que elas possuem um conhecimento natural perfeito das coisas materiais e espirituais que as leva a amar soberanamente a Deus, mesmo se se trata de um amor natural, a abençoá-Lo e louvá-Lo por toda eternidade (inclusive por tê-las poupado do combate terrestre, cujo resultado é sempre incerto) (De perfect divin. 1 XII c. XXII n° 144 ss).

O cardeal Sfondrati acrescenta que “Esse benefício da inocência pessoal e da exceção do pecado é tão grande que essas crianças prefeririam ser privadas da glória celeste a cometer um só pecado; e todo cristão deve ser desta opinião [como o foram, de fato, os Santos]. Portanto, não há lugar para queixas nem aflição a propósito dessas crianças, mas antes, convém louvar a Deus e agradecer-Lhe a esse respeito” (Nodus praedestinationis dissolutus, Roma 1687, p. 120).

Como é evidente, para consolar os pais cristãos, aflitos com a morte de seus filhos sem Batismo, não é, de modo nenhum, necessário negar a existência do limbo; basta simplesmente instruí-los sobre sua doutrina. Gostaríamos também de lembrar aqui que o cônego Didiot, da Faculdade teológica, se diz “inteiramente disposto a crer que as relações entre o céu dos eleitos e o limbo das crianças são possíveis e mesmos freqüentes; que o laço de sangue conservará sua força na eternidade, e que a família cristã, reconstituídas no céu, não será privada da alegria de reencontrar e amar seus queridos participantes de um dia” (Mortos sem Batismo, Lille 1896 p. 60). Essa é somente uma hipótese pessoal e o autor a tem por tal, mas é uma hipótese que se harmoniza com o dogma e a doutrina tradicional.

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PELOS MÉRITOS DE CRISTO E NÃO DOS SANTOS

“Parece-me que a solução do limbo não leva suficientemente em conta o dogma da Comunhão dos Santos que está no Credo. […] Os méritos dos santos não podem ser atribuídos, com prioridade, aos membros de sua família natural e àqueles que eles amaram na terra?” (Pe. Sulmont)

Esta observação também é um agravo aos grandes teólogos da Igreja e a Ela mesma que não se teriam dado conta, todos, que a conclusão teológica sobre o limbo não está bem de acordo com o “dogma da Comunhão dos Santos que está no Credo”. Na realidade os grandes teólogos não estavam esquecidos, como parece esquecer-se nosso leitor, que a primeira graça (conferida justamente pelo Batismo e restituída eventualmente pela Confissão) é concedida pelos méritos de Cristo e não dos Santos e que a Revelação divina associa absolutamente a primeira graça ao Batismo (Jo 3, 5). Esse Batismo de água pode ser substituído pelo de sangue, como no caso dos santos inocentes, assassinados pelo ódio a Cristo, ou pelo de desejo que, consistindo em atos pessoais de Fé e de contrição, não pode, no entanto, ser dado aos recém nascidos (nem aos dementes).

Não nos foi dado a conhecer outros meios de salvação, e é com justiça que os teólogos, unânimes, dizem que a uma lei tão geral e tão universal, revelada por Deus, como a do Batismo, não se pode admitir nenhuma exceção, se o próprio Deus não revelar a existência desta exceção (Sacrae theologiae Summa cit. e Dicionário de teologia católica, palavra batismo e limbo). Aí está porque todas as hipóteses sobre a questão, inclusive as piedosas, acabam por basear-se somente em razões de sentimento e carecem de fundamento sólido: “solido quidem fundamento carere”, como declara a seu respeito o Santo Ofício no Monitum de 18 de fevereiro de 1958 (AAS 50/1958, 114).

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O JULGAMENTO UNIVERSAL

Acreditamos ter assim respondido igualmente à segunda carta. Falta-nos somente responder a pergunta sobre o julgamento final. A questão não foi ignorada pela teologia católica. É verdade que o Evangelho sobre o julgamento final nada diz daqueles que não terão tido a possibilidade de “fazer ou não fazer”, mas não é permitido, de modo nenhum, deduzir daí que eles não existem. Para prová-lo há os documentos do Magistério infalível da Igreja, única à qual é dado explicar o verdadeiro sentido das Escrituras.

Esses documentos, já mencionamos, colocam sempre numa categoria à parte, distinta dos bem-aventurados e dos danados, as almas que morrem “somente com o pecado original”, quer dizer, aqueles que, como as crianças ou os dementes, não tiveram a possibilidade de agir ou não agir em função da sua vontade livre e esclarecida. Se não se faz menção dessas almas no julgamento geral é simplesmente porque esse julgamento não lhes diz respeito: elas não serão julgadas, porque não há nada para julgar, uma vez que estas almas não tiveram a possibilidade nem de merecer nem de desmerecer. É por isso que, segundo alguns teólogos, as almas do limbo nem mesmo assistirão ao julgamento final e, ignorando a felicidade dos eleitos, não sentirão nenhum pesar. Segundo outros, ao contrário, elas terão conhecimento da felicidade dos eleitos, mas igualmente não sentirão desgosto, estando sua vontade perfeitamente conforme à vontade divina, que eles sabem ser sensata, justa e boa; ao contrário, vendo a danação dos reprovados, alegrar-se-ão por seu estado e agradecerão à bondade divina de lhes haver poupado misericordiosamente a prova terrestre, que pode terminar com o céu, mas também com o inferno (do qual os danados ficariam bem contentes se as portas do limbo se abrissem para eles). Segundo Santo Tomás e os tomistas, ao contrário, mesmo se as almas do limbo assistissem ao julgamento geral, a Providência continuaria misericordiosamente mantendo-os na ignorância da felicidade dos eleitos. Todos os teólogos, sejam quais forem, estão de acordo sobre o seguinte: que o texto do Evangelho acerca do julgamento final não põe obstáculo à conclusão teológica sobre o limbo.

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UMA FÁCIL CONCLUSÃO

A Igreja, com razão, insiste no seu ensinamento sobre o dever de batizar as crianças o mais rápido possível (D.B. 712). O limbo, de fato, mesmo se não é um lugar de sofrimento, mas de prazer estimável, não é, no entanto, o Paraíso, ao qual Deus chama todos os homens. Não é nem mesmo um paraíso natural, porque as almas suportam aí, ainda que sem sofrimento, um dano real, provocado pelo pecado original: a privação da visão direta de Deus. Essa insistência justa da Igreja [sobre o Batismo precoce das crianças] não deve, no entanto, levar a comparar a danação das almas do limbo à danação dos reprovados, por que isto seria contrário ao Magistério infalível da Igreja, que os distingue bem. Tão pouco deve levar a considerar o limbo como um lugar de aflição, apesar de diferente do inferno, porque a Igreja não ensina e jamais deixou de ensinar assim, e à doutrina de Belarmino, que queria ver nas almas das crianças uma leve tristeza pela bem-aventurança perdida, ela claramente preferiu a doutrina que expusemos aqui.

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A “NOVA TEOLOGIA” CONTRA O LIMBO

Se os neo-modernistas não tivessem feito abortar, desde seu começo, o Concílio Vaticano II, a doutrina consoladora sobre o estado das almas no limbo seria hoje realmente de Fé eclesiástica (como supõe erradamente nosso leitor) e, portanto, sua certeza seria “infalível como no caso dos verdadeiros dogmas” (L. Ott. cit.).

No esquema preparado pela comissão teológica, lê-se: “O concílio declara vão e sem fundamento todos os julgamentos segundo os quais se admite para as crianças um meio [para atingir a visão de Deus] diferente do Batismo realmente recebido. Todavia, não faltam motivos para considerar que elas gozarão eternamente de uma felicidade conforme seu estado”.

Com isto o Concílio teria encorajado o aprofundamento teológico sobre o estado de felicidade acidental e secundário das almas no limbo, e teria fechado a porta à busca de outros meios de salvação diferentes do “Batismo realmente recebido”, busca essa que na véspera do Concílio tornou-se ainda mais inquieta e inquietante sob o impulso da “nova teologia”. Esta conclusão está, aliás, perfeitamente de acordo com diferentes textos do Magistério infalível, tais como, por exemplo, o decreto Pro Jacobitis do Concílio de Florença (retornado em seguida pelo Concílio de Trento), no qual se lê: “Cum ipisis (pueris) non possit alio remedio subveniri nisi per sacramentum baptismi… admonet… quamprimum commode fieri potest, debere conferri” (DB 712). “Porque as crianças só podem ser socorridas pelo Sacramento do Batismo… (a Igreja) adverte severamente… que ele deve ser administrado logo que for possível fazê-lo sem problemas” (e Pio XII lembra também essa doutrina, no seu famoso discurso às mulheres parteiras). Infelizmente, esta conclusão definitiva não foi adotada pelo Concílio, por causa do desvio que lhe impôs a minoria modernista, e os neo-modernistas aproveitaram dessa falta de definição para definir a questão no pós-concílio, à sua maneira… ou seja, eliminando o limbo, somente pelas seguintes razões:

1) ele contraria a heresia de De Lubac e de “sua turma” que, desenterrando o modernismo condenado por São Pio X, queriam que o sobrenatural (portanto a visão beatífica) não fosse um dom absolutamente gratuito, que Deus não deve a ninguém, mas ao contrário, que fosse qualquer coisa de devido, porque é um aperfeiçoamento da natureza humana (v. SiSiNoNo de 15/2/1993 p.3).

2) a existência do limbo está igualmente em desacordo com a outra heresia, própria da nova teologia, que quer a salvação incondicional de todos os homens, fiéis e infiéis, batizados ou não (V. SiSiNoNo de 15/4/1993, pp. 1 ss).

Apesar disso, o texto preparado pela comissão teológica permanece aqui para testemunhar, se for necessário, que na véspera do Concílio a doutrina sobre o limbo era comumente professada pelos Pastores, teólogos e fiéis e que somente a revolução modernista perturbou (e encontramos o eco dessa perturbação nas cartas que recebemos) a possessão tranqüila dessa conclusão teológica, tão notavelmente resumida, justamente na véspera do Concílio, pela Enciclopédia Católica: “III. O Limbo das Crianças — Existe ainda, segundo a teologia, o limbo das crianças, isto é, o estado e o lugar das crianças não batizadas, mortas sem o uso da razão, sem a remissão do pecado original. Não estando em condições, por sua idade, de praticar atos de Fé e de contrição (Batismo de desejo), elas não podem ser libertadas da falta original senão por meio do Batismo, conferido in ‘fide Ecclesiae’, não o recebendo, ‘elas não renascem na água e no Espírito Santo’ (Jo. 3,5) e portanto não são admitidas no Reino de Deus: não terão entretanto, nenhuma pena, ao contrário, segundo a opinião comum dos teólogos gozarão de certa bem-aventurança natural. Como diz São Tomás: ‘elas serão felizes, participando amplamente da bondade divina nas perfeições naturais’ (II Sent. d.33 q.11. a.2; cf. d.45, q.1, ª2: Suma Teológica supl. Q. 79. a.4). essa concepção teológica, apesar de não ser explícita [mas implícita, sim], nas Sagradas Escrituras, está fundada sobre a justiça de Deus, a qual não pode infligir castigos pessoais a quem não possui pecados pessoais. Logo, a sorte das crianças mortas sem Batismo, como observa São Gregório de Nissa (PG 46.177-80), deve-se distinguir da dos adultos que, por falta própria, desdenharam o Batismo; contudo, elas não serão admitidas à felicidade sobrenatural, como pensavam os pelagianos contra os quais se pronunciaram, o Concílio de Cartago em 418 (Dez. U. 102 note4) e Santo Agostinho (De anima e eius origine, 12, 17: PL 44. 505). O limbo das crianças dura eternamente, pois, aqueles que morreram somente com o pecado original estão fixados neste estado para sempre. Esta doutrina foi explicitada [e não inventada como o desejaria a ‘nova teologia’] pelos grandes teólogos do século XIII” (palavra limbos col. 1358).

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Em conclusão, queremos acrescentar que compreendemos perfeitamente a dor dos pais cristãos que não puderam batizar seus filhinhos e o desejo que têm de saber alguma coisa mais sobre o seu destino. Mas como já tivemos a ocasião de dizer, não há necessidade de inventar fábulas nem, menos ainda, de negar o limbo, para os consolar: o aprofundamento teológico sobre a questão oferece abundantes motivos de consolação; trata-se somente de torná-lo conhecido. Sentimo-nos, além disso, no dever de lembrar a gravidade da hora presente e a ameaça insistente do neo-modernismo, que hoje parece corromper mesmo os melhores na Igreja. Tudo isso exige, dos que querem ser e permanecer realmente filhos da Igreja, a mais rigorosa fidelidade ao seu Magistério e à teologia católica autentica, para não pôr em perigo sua própria Fé e não cooperar para essa demolição da Igreja por seus inimigos internos, expressa impropriamente por Paulo VI como “a autodemolição da Igreja”.

Gregorius

(Revista SIM SIM NÃO NÃO n° 45 ? Setembro de 1996)

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publicado originalmente em 16/9/2011


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Sancti Innocentes, orate pro nobis

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Extraído do blog SPES

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Explosões atingem templos católicos
na Nigéria e matam ao menos 27
25 de dezembro de 2011
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Explosões atingiram neste domingo duas igrejas católicas onde eram celebradas as comemorações de Natal. O primeiro atentado ocorreu nas imediações da capital da Nigéria, Abuja, informou a Agência Nacional de Emergências da Nigéria (Nema). O segundo, na cidade de Jos, centro do país.
Pelo menos 27 pessoas morreram na explosão de Abuja, informou um sacerdote, revisando para cima o número de 15 vítimas fatais, registrado pelos serviços de primeiros socorros.
“Os responsáveis que fizeram a contagem me disseram que 27 pessoas morreram”, declarou à AFP o padre Christopher Bard, informando que a explosão aconteceu ao final da missa de Natal. O número de mortos pode ser maior, pois havia na igreja uma quantidade indeterminada de pessoas no local, informou o porta-voz, Yushau Shuaib.
Até o momento, o atentado não foi reivindicado, mas o grupo islamita Boko Haram, que assumiu a autoria de vários ataques esta semana em dois estados do nordeste do país, também havia assumido vários ataques sangrentos contra várias igrejas, cometidos em 24 de dezembro de 2010.
Horas depois, outra explosão atingiu uma igreja católica na cidade de Jos, centro do país. A cidade havia recebido ameaças do grupo islâmico Boko Haram nos últimos dias, segundo publicou no sábado o jornal nigeriano Tribune. Ainda não se sabe o alcance do atentado na igreja de Jos.

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Feliz e Santo Natal!

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Socorro às Santas Almas

 Motivos pelos quais devemos
socorrer as almas do Purgatório

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O que nos leva ao Purgatório?

A Tibieza e o Pecado Venial
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“A tibieza é o hábito não combatido do pecado venial, ainda que seja um só.”
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Santo Afonso
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A tibieza mina o espírito, sem que as pessoas percebam, nos enfraquece espiritualmente, amortece as energias da vontade e do esforço. Afrouxa a vida cristã. É um sistema de acomodações na vida espiritual do cristão. Há muitos sinais de tibieza, mas o que a caracteriza é o pecado venial deliberado e habitual. Tudo quanto ofende a Nosso Senhor nunca é leve ou coisa sem importância para uma alma fervorosa. O pecado venial é uma ofensa a Deus, e nele há:
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Três circunstâncias agravantes:
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1- Uma injúria a Majestade Divina.
2-Revolta contra a Autoridade de Deus
3-Ingratidão a Bondade Eterna.
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“O hábito dos pecados veniais tira dos nossos olhos 
a malícia do pecado grave, e em breve não receamos 
passar das faltas mais leves aos maiores pecados”.
São Gregório
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“Depois da morte, as menores penas que nos esperam é algo maior 
do que tudo que se possa padecer neste mundo. 
As menores faltas são punidas severamente”.
Santo Anselmo
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O que devemos fazer?
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Eis as palavras de Santo Agostinho:
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Devemos, pois socorrer os falecidos: Em razão do parentesco de sangue. Por gratidão, aos benfeitores nossos. Por justiça. Por caridade.
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O Santo Cura d’Ars, São João Batista Vianney, era um devoto fervoroso das almas do Purgatório. Pedira a Deus a graça de sofrer muito. Os sofrimentos do dia, oferecia-os pela conversão dos pecadores, e os da noite, pelas almas do Purgatório.
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“Se soubéssemos como é grande o poder das boas almas do Purgatório 
(em nosso favor) sobre o Coração de Jesus, 
e se soubéssemos também quantas graças 
poderíamos obter por intercessão delas,
é certo, não seriam tão esquecidas”. 
São João Batista Vianney
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Como podemos ajudá-las?
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Um dia, Santa Gertrudes rezava com fervor pelos falecidos, quando Nosso Senhor lhe fez ouvir estas palavras:
 .
“Eu sinto um prazer todo especial pela oração que me fazem pelos fiéis defuntos, principalmente quando vejo que a compaixão natural se junta a boa vontade de a tornar mais meritória. A oração dos fiéis desce a todo instante sobre as almas do Purgatório, como um orvalho refrigerante e benéfico, como um bálsamo salutar que adoça e acalma suas dores, e ainda as livra das suas prisões mais ou menos rapidamente conforme o fervor da devoção com que é feita”.
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E ainda noutra ocasião:
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“Muitíssimo grata me é a oração pelas almas do Purgatório, porque por ela tenho ocasião de libertá-las das suas penas e introduzí-las na glória eterna”.
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Oração
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Aplicando as indulgências recebidas na oração em sufrágio, para a liberdade das almas do Purgatório.
 .
Aqui vemos a importância das indulgências, através delas pagamos à Justiça Divina o que devemos, ou as oferecemos pelas almas para que elas possam assim pagar o devem à Justiça Divina, e se libertarem para entrar no gozo Celeste.
 .
Salmo De Profundis
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É um dos sete Salmos Penitenciais, e é uma oração indulgenciada.
Orações canônicas do Breviário ou Divino Ofício, Orações Oficiais da Igreja
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“A oração é a chave de ouro que abre o Céu”.
Santo Agostinho
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Sofrimento
 .
“Aliviemos as almas do Purgatório, aliviemo-las por tudo o que nos penaliza,
porque Deus tem cuidado em aplicar aos mortos os méritos dos vivos”.
São João Crisóstomo
 .
Podemos aceitar os nossos sofrimentos com amor e humildade, oferecendo-os em sacrifício pelas almas, afim de que elas sofram menos. É meritório para nós (santificação) e para as almas (alívio dos sofrimentos) oferecer a Nosso Senhor Jesus Cristo a cruz de cada dia pelos nossos falecidos. Quem não tem a sua cruz?
 .
É bom lembrar que, aceitando os sofrimentos da vida, em espírito de reparação, estaremos diminuindo as penas que poderemos experimentar se formos para o Purgatório. Não sabemos o nosso futuro.
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Ato Heróico
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Quando fazemos um ato de penitência e oração, como por exemplo rezar um Santo Terço de joelhos, há neste ato, três frutos diferentes: Um fruto meritório – que não o podemos perder, é o mérito pessoal de quem o pratica, nos dá um acréscimo de graça e de glória. Um valor satisfatório do ato – que é a penitência, o sacrifício, e este é para as almas, no Ato Heróico. Uma força impetratória – que é a da oração como oração.
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“É o ato que consiste em oferecer à Divina Magestade, em proveito das almas do Purgatório, todo o valor satisfatório das obras que fizemos durante a vida, e todos os sufrágios que forem aplicados pela nossa alma depois da morte”. Este ato há de ser feito em perpétuo, isto é, por toda a vida continuando após a morte, mas não obriga sob pena de pecado, a pessoa pode renunciá-lo, não comete pecado mortal nem venial. Pelo Ato Heróico não renunciamos o mérito de nossas boas obras, isto é o fruto meritório, que nos dá nesta vida um acréscimo da graça e da glória no Paraíso. Este merecimento é nosso e não o podemos ceder aos outros.
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Além disso, tudo o mais que fizermos, será em proveito das almas do Purgatório, desde que fazemos o Ato Heróico, todas as indulgências que lucramos são das almas. Só a indulgência plenária na hora da morte não é aplicável aos falecidos. O Ato Heróico não impede de rezar nas próprias intenções e pelos falecidos.
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O Ato Heróico não nos impede de utilizar a força impetratória da oração por alguma alma em particular, mas a entrega que se faz em favor das almas sofredoras neste ato, no qual cedemos o valor satisfatório, é feito, em geral, por todas as almas, e não em favor de uma ou outra em particular.
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É um engano pensar que se perde muito com o Ato Heróico, ao contrário, lucra-se mil vezes mais. Deus se deixa vencer em generosidade? Este Ato é cheio de mérito, é um ato perfeito, que nos faz esquecer de nós mesmos para favorecer nossos irmãos e praticar a caridade. “A caridade cobre uma multidão de pecados”, nos ensina a Palavra de Deus. Este heroísmo de caridade será recompensado com superabundância de graças em vida e de glória na eternidade.
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Para realizá-lo, não é prescrita uma oração em especial, pode ser feito espontaneamente.
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Extraído do blog Escravas de Maria

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Extraído do blog SPES

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Carlos Nougué
[em nome do Mosteiro da Santa Cruz e do SPES]
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O Colégio São Bento e Santa Escolástica, do Mosteiro da Santa Cruz (Nova Fribugo/RJ), foi reaberto e começará a funcionar novamente no ano que vem, de início apenas com o ensino fundamental (o antigo primeiro grau ou primário),* mas agora em alto estilo.
Isso porque o Padre Fernando de Anápolis cedeu ao Mosteiro da Santa Cruz quatro Freiras e três Noviças de sua ordem feminina. Chegaram todas hoje (21/12), para nossa imensa alegria. As Noviças vêm pelas características do lugar: isolamento e natureza propícias a criar esses recantos do Céu na terra que são os mosteiros e conventos. Ocupar-se-á das Noviças a Superiora, enquanto as outras três Professas se ocuparão diretamente da escola e do ensino com toda a experiência adquirida na escola similar, também tradicional, do Padre Fernando em Anápolis.
Esta é uma das notícias importantes que tínhamos para dar após o fim do breve recesso a que nos vimos obrigados – a mais importante delas, em verdade. (As outras, dá-las-emos oportunamente.) Têm os pais católicos brasileiros agora uma escola verdadeiramente tradicional no Sudeste do país, aberta a seus filhos, para dar-lhes a base sem a qual nos vemos todos tragados por um mundo anticristão, feito para a perdição das almas.
Logo daremos mais detalhes, incluindo um telefone pelo qual os pais poderão tirar suas dúvidas.
Ah, se pudesse por este simples e breve escrito transmitir-lhes toda a emoção que me toma fazer este anúncio, a mim, que apesar da idade sou pai de um menino de 7 anos… Posso apenas dizer: Deo gratias.
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* Progressivamente, porém, estenderá sua atividade docente também ao ensino secundário.

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Por Dom Richard Williamson, FSSPX
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Na mesma época que o bispo Fellay deixou conhecido que a SSPX pediria esclarecimentos do Preâmbulo Doutrinal (a reação de Roma para as discussões doutrinais de 2009 até a primavera deste ano), um dos quatro teólogos de Roma que participam nestes discussões, Monsenhor Fernando Ocariz, publicou um ensaio “Sobre a adesão ao Concílio Vaticano II”. Sua colocação mostra que não estamos fora de perigo, pelo contrário! Mas vamos olhar para seus argumentos, que são, pelo menos, claros.
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Em sua introdução, ele argumenta que o Concílio “pastoral” foi, no entanto, doutrinário. Que o que é pastoral é baseado na doutrina. Que o que é pastoral procura salvar almas, o que envolve a doutrina. Os documentos do Concílio contém muita doutrina. Bom! O Monsenhor não está, pelo menos, se esquivando das acusações doutrinárias feitas ao Concílio, fingindo que o Concílio não era doutrinário, como fizeram muitos de seus defensores.
 .
Então, no Magistério da Igreja, em geral, ele diz que o Vaticano II consistiu de bispos católicos que tinham “o carisma da verdade, a autoridade de Cristo e a luz do Espírito Santo”. Negar isso, diz ele, é negar algo da própria essência da Igreja. Mas, Monsenhor, o que acontece com a massa de bispos católicos indo junto com a heresia ariana, sob o Papa Libério? Excepcionalmente, até mesmo perto da unanimidade de bispos católicos podem doutrinariamente seguir um mau caminho. Se aconteceu uma vez, isso pode acontecer novamente. Foi o que aconteceu no Concílio Vaticano II, como seus documentos mostraram.
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Ele passa a argumentar que os ensinamentos não-dogmáticos e não-definidos do Concílio, contudo, exigiam dos católicos o seu consentimento, chamado “submissão religiosa da vontade e do intelecto”, que é “um ato de obediência bem enraizada na confiança no auxílio divino dado ao Magistério”. Monsenhor, para os bispos conciliares como aos arianos, sem dúvida, Deus ofereceu toda a assistência que eles precisavam, mas eles se recusaram, como é mostrado pelo afastamento de seus documentos da sua Tradição.
 .
Finalmente Monsenhor Ocariz levanta a questão, argumentando que o magistério católico é contínuo e o Vaticano II foi o Magistério, portanto, seus ensinamentos só podem ter continuidade com o passado. E se eles se parecem com uma ruptura com o passado, então a melhor coisa católica a fazer é interpretá-los como se não houvesse tal ruptura, como faz a “hermenêutica da continuidade”, a exemplo de Bento XVI. Mas Monsenhor, esses argumentos podem ser retornados. De fato, há uma ruptura doutrinária, como resulta do exame dos documentos conciliares em si. (Por exemplo, está (Vaticano II), ou não está lá (Tradição), que um direito humano não deve ser impedido conforme dissemina erros?) Por isso, o Concílio Vaticano II não foi Magistério verdadeiro da Igreja, e a coisa católica a se fazer é mostrar que há realmente essa ruptura com a Tradição, assim como o arcebispo Lefebvre, e não fingir que não existe tal ruptura.
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A última palavra do Monsenhor é a alegação de que somente o Magistério pode interpretar o Magistério. O que nos leva de volta à estaca zero.
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Caros leitores, Roma não está fora de perigo por qualquer meio. Deus nos ajude.
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Kyrie Eleison.
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Novena de Natal

(clique aqui ou no título acima para ter acesso a novena)

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A Apostasia das Nações

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Extraído do livro:  O Fim do Mundo está Próximo? – de autoria do Padre Júlio Maria de Lombaerde – 1940.

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Oração a Nossa Senhora de Guadalupe
Padroeira da América Latina (12 de dezembro) 
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Ó gloriosa Mãe de Deus, Nossa Senhora de Guadalupe,
padroeira da América Latina:
Abençoai esta casa e a família que aqui reside.
Protegei nossos filhos, livrando-os das maldades e dos perigos deste mundo.
Guardai nosso lar, escondendo-o dos olhos dos maus.
Que nesta casa o nome de Deus seja sempre invocado com respeito e amor.
Que os Seus mandamentos sejam observados com fidelidade.
Que Vosso bendito nome, ó Mãe querida, seja sempre
lembrando com muita devoção.
Que a palavra de Vosso Filho Jesus seja sempre meditada
e seguida todos os dias de nossa vida.
Honra, louvor e glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo:
Trindade Santíssima. Amém.
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Oração extraída do blog A grande guerra

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Extraído do livro:  O Fim do Mundo está Próximo? – de autoria do Padre Júlio Maria de Lombaerde

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Doctrinam, quæ tenet, beatissimam Virginem Mariam in primo instanti suæ conceptionis fuisse singulari omnipotentis Dei gratia et privilegio, intuitu meritorum Christi Jesu Salvatoris humani generis, ab omni originalis culpæ labe præservatam immunem, esse a Deo revelatam atque idcirco ab omnibus fidelibus firmiter constanterque credendam.

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A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis.

Pio IX, Ineffabilis Deus
8 de dezembro de 1854

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Extraído do blog Contra Impugnantes

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Feliz comportamento aquele em que os inimigos não encontram outra culpa além da observância da lei”.

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(“Glossa – Interlin.”)

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Sidney Silveira

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A humildade é uma virtude moral, e não intelectual ou teologal. Ora, como toda virtude moral — embora radique no interior da alma — traz consigo reflexos exteriores, com a humildade não poderia ser diferente: o seu signo visível é a modéstia, tanto no vestir, como no falar. Assim, no que diz respeito ao vestir, o ornato demasiado elegante, chamativo, indecoroso, ostensivo ou frívolo é sinal da imodéstia que vem sempre acompanhada do orgulho, o qual faz uma pessoa querer atrair para si as atenções; no tocante ao falar, as palavras chulas, detratórias, ociosas, excessivamente pomposas, fora de lugar, jactanciosas ou ofensivas são a mostra evidente da soberba, fonte de todos os pecados, amor excessivo, desmesurado, da própria excelência, o qual leva uma pessoa a invejar e a desprezar as demais.

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Desde o pecado original até o fim dos tempos, a modéstia sempre terá inimigos, pois a humildade de que é reflexo os têm em grande quantidade (sendo, como é, o primeiro degrau da sabedoria e o movimento inicial da alma a Deus). Pois bem: uma das formas mais antigas, enfadonhas e torpes de criticar a modéstia — seja no vestir ou no falar — é simplesmente acusá-la de hipocrisia, de verniz superficial, de falsa simplicidade. Ocorre que, como salienta muito bem a Glosa, não se conhecem os falsos profetas pelos vestidos, e sim pelas obras, razão pela qual as ovelhas não estão obrigadas a despir-se de suas peles pelo fato de os lobos[ocasionalmente] as usarem.[1] Assim, a ninguém é lícito envergonhar-se de se vestir ou de falar modestamente, pois isto não é possível sem algum grau de consciência culpável; não é lícito fazer isto por respeitos humanos, ou seja, pela preocupação com o olhar do mundo.

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Comentando aquela passagem da Glosa, Santo Tomás de Aquino afirma duas coisas preciosas na primeira parte do opúsculo Contra Impugnantes Dei Cultum et Religionem (obra que dá título a este blog):

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  • Os hipócritas não tentariam ocultar sua malícia sob a modéstia, se esta não tivesse aparência de bem;

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  • O demônio não tentaria ocultar seus ministros sob o hábito religioso, se com isto não buscasse fazê-los parecer bons para obrar mais livremente o mal.

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Como se pode deduzir do que está dito acima, até mesmo a hipocrisia é uma espécie de reverência — canhestra, decerto — ao bem, pois os hipócritas, sendo maus, buscam ter aparência de bons. Mas a este respeito indaga São Jerônimo, com clareza e precisão, o seguinte: “Porventura devemos culpar a virgindade do crime cometido por quem finge praticá-la?”[2] Ora, muita razão tinha o grande Jerônimo ao fazer a necessária distinção entre a louvável prática de uma virtude e o vicioso uso de deturpá-la, macaqueando-a de forma caricata ao ponto de fazer o virtuoso parecer vicioso, de se tomar o joio pelo trigo. É, portanto, assaz corriqueiro as almas maliciosas chamarem a humildade de hipocrisia, e a modéstia de falsidade. Não encontrando sinais dessas virtudes em si, não as suportam ver nos outros. Precisam, pois, negá-las em gênero, número e grau.

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Na verdade, a coisa é bastante evidente no tocante ao vestir, dado que a vestimenta indecorosa ou ostentadora exacerba o apetite concupiscível e desvia a inteligência das coisas verdadeiramente importantes a considerar nas pessoas, mas nem tanto no que tange ao falar, pois neste caso a verdade é mais sutil e sujeita a enganos. Seja como for, ao abordar o problema das palavras que se devem usar no ensino da verdade — tanto a filosófica, como a de fé —, assim como se cabe aos religiosos vestir roupas humildes, o Aquinate pulveriza no citado Contra Impugnantes os argumentos dos malvados que, julgando mal das coisas e das pessoas (male iudicando de rebus et male iudicando de personis), diziam o seguinte:

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a) é sinal de imodéstia usar de beleza oratória, dos ornatos da eloqüência humana para falar das coisas divinas;

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b) é mais repreensível querer exceder-se em modéstia e pobreza no vestir do que em elegância e garbo.

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À primeira dessas impugnações, partindo da premissa de que a perversidade de juízo sobre as coisas é perniciosa (vero perversitas iuidicii de rebus perniciosior est), responde o Doutor Comum citando a São Jerônimo (Epístola 70, endereçada a Magno, orador de Roma) e a Santo Agostinho (tratado De Doctrina Christiana). De Jerônimo lembra que, desde os Apóstolos, passando pelos escritores canônicos e por seus expositores, os cristãos souberam unir a sabedoria divina à oratória humana, souberam com santa moderação imiscuir a retórica secular na sagrada doutrina (…sacrae doctrinae immiscuisse sapientiam et eloquentiam saecularem). Daí que, segundo o Aquinate, seja digno de elogio, e não de detração, quem com modéstia põe a eloqüência humana a serviço das verdades da fé. De Agostinho menciona ele a passagem em que se diz: “Requer-se a eloqüência quando se aconselha algo que deve ser feito, de maneira que se ensine para instruir e se deleite para atrair[3].

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Obviamente não se trata, nestes dois exemplos acima, de linguagem demasiado elegante — como fim em si mesma, ao modo dos sofistas —, mas da elegância diácona da verdade. Não se trata de imodéstia, mas do humilde ato de revestir a verdade com a beleza [4], para torná-la palatável aos homens.

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À segunda dessas impugnações o Angélico responde dizendo, entre várias outras coisas, o seguinte: o que é merecedor da misericórdia divina não pode ser mau (illud quod divinam misericordiam promeretur non potest esse malum). E recorre à autoridade da Sagrada Escritura para lembrar que até mesmo grandes pecadores alcançaram a misericórdia de Deus por humilhar-se com vestes pobres, modestas. Frisa o Aquinate: “Assim, por exemplo, em 1 Reis, XXI, 27, se diz do perverso Acab que, ao ouvir as palavras de Elias, ‘rasgou suas vestes, cobriu-se com um saco e jejuou’. Por isso disse dele o Senhor a Elias: ‘Viste como Acab humilhou-se diante de Mim? Pois, por ter procedido assim, não lhe enviarei o castigo durante os dias de sua vida’”[5]. Os demais argumentos desse trecho do opúsculo abordaremos noutra ocasião.

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A propósito do bem falar que revela ciência (ou seja, do discurso não vanglorioso), Santo Tomás cita novamente o Bispo de Hipona, que no mesmo De Doctrina Christiana afirma: “Perante os pagãos, o Apóstolo não vacilou um segundo sequer em proclamar a sua ciência, sem a qual não poderia ser chamado de Doutor dos Gentios”. Ora — advirtamos nós —, ao contrário dos que põem no ornato verbal o fim do discurso, o Apóstolo punha-o na conversão e no ensino da verdade. Daí Santo Agostinho, no mesmo trecho da citada obra, apontar o seguinte: “O Apóstolo, quando fala de si como tosco de palavras mas não de conhecimento (2 Cor XI, 6), está fazendo uma concessão a seus detratores, e não falando como quem assumisse um ato mau e o confessasse”. Isto porque a sabedoria está acima da eloqüênciarazão pela qual esta deve ser usada em função daquela, e não o contrário — o que, ademais, seria enorme estultice.

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Assim, o fato de que a hipocrisia disfarçada de modéstia no vestir seja pecado grave não implica que a modéstia no vestir seja vil como a elegância excessiva (pretiositas).[6] E o mesmo podemos dizer, com total segurança, da hipocrisia oculta por trás da modéstia no falar. Como porém os entes são especificados pela forma que possuem, e não pela corrupção dela, a modéstia não pode ser medida por uma hipocrisia pressuposta, e sim pela humildade de que é reflexo — até porque não nos cabe julgar ou adivinhar o coração dos homens, pois só Deus vê o oculto. E se agregue a isto um fator relevante: a simplicidade do homem modesto é visível a olho nu, razão pela qual o primeiro critério para julgar a modéstia são os seus sinais exteriores: falar e vestir-se com simplicidade e decoro. Até porque o falso modesto, o verdadeiro hipócrita, por mais que encha de encômios esta virtude sempre deixará escapar aos olhares atentos a sua verdadeira situação espiritual, análoga à do fariseu que, ao rezar no templo, se achara melhor que o publicano (Lc. XVIII, 10-14). Vejamos o que diz o Aquinate:

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A modéstia no vestir (vilitas vestiumnão se ordena por si à hipocrisia, pois esta é certo abuso daquela. (…) E dado que o abuso é tanto mais digno de vitupério quanto mais a coisa [de que se abusa] é santa, sendo a hipocrisia tão grande pecado compreende-se que a modéstia no vestir seja coisa manifestamente recomendável, como o são também as obras exteriores de penitência das quais também abusa a hipocrisia”.[7]

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Do que foi dito acima se segue, necessariamente, um corolário: ao imodesto está formalmente vedada a sabedoria, pois, agindo tão contrariamente à humildade, a sua ciência servirá apenas para inflar-lhe o ego de forma grotesca. E, como afirma o Aquinate neste tesouro espiritual que é o Contra Impugnantes, “a ciência infla quando não está acompanhada da caridade”; ou, na concisão da Glosa: “A ciênciasozinha infla”[8]. Ora, é justamente a essa ciência sem a mais ínfima sombra de espírito caritativo que se refere São Gregório Magno — tão lido por Tomás de Aquino! — ao afirmar o seguinte em sua Moral:

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“O perverso censura nos bons as obras retas que se nega a praticar”.[9]

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Assim, ainda quando chamados de “hipócritas” por gente manifestamente maliciosa, aos cristãos é aconselhado não se envergonhar jamais de sua humildade — a qual é uma participação na humildade de Cristo, o modelo perfeito a imitar. A sã doutrina nos ensina a reconhecê-la como uma dádiva de Deus, pois Nosso Senhor mesmo nos exortou a isto:

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“Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt. XI, 29).[10]

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1. Glossa Margin.

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2. São JerônimoAdversus Helvid. nº 21.

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3. De Doc. Christ. , XIII, nº. 29

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4. Ora, sendo o verdadeiro (verum) e o belo (pulchrum) dois transcendentais do ser, é conveniente estarem unidos no discurso humano, pois tudo o que é verdadeiro é, de alguma forma, belo.

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5. Tomás de AquinoContra Impugnantes, q.8, nº 3.

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6. (…) ex hoc quod hypocrisis quae latet sub vilitate vestium est magnum peccatum, non potest haberi quod vilitas vestium sit deterior quam pretiositasTomás de Aquino, Contra Impugnantes, q. 8, ad 7.

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7. Tomás de AquinoContra Impugnantes, q.8, ad. 6.

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8.“Scientia inflat si sola est”. Glossa Petri Lombardi, a.1 Cor. VIII, 1.

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9. São GregórioMoral, VI, c. 22, nº 39.

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10. Obviamente não se trata de gabar-se da humildade, o que (além de ridículo) implicaria perdê-la no ato. Não se trata de fazer como um famoso personagem de Dickens que vivia batendo no próprio peito e gritando aos quatro ventos: “Sou o sujeito mais humilde do mundo”. Não, o cristão reconhece-se humilde, sim, mas em Cristo, o que significa dizer que a sua humildade é toda ela advinda de instância superior. Negá-la seria negar um dom de Deus. A atitude correta, então, é exercitá-la enxergando a própria pequenez e a assombrosa misericórdia divina que, malgrado os nossos pecados, quer nos levar ao céu.

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Extraído do blog SPES

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Extraído do blog Contra Impugnantes

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Sidney Silveira

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No vídeo acima, um trecho de aula no qual se mostra como as virtudes, sendo hábitos, não podem pertencer à essência da natureza humana, pois metafisicamente são um acidente. Fala-se também da virtude cardeal da Prudência. Observe-se que, ao citar-se a matéria como princípio de individuação, a referência é aos entes compostos de matéria e forma (caso do homem, por exemplo), pois o princípio de individuação nas substâncias imateriais (os Anjos) e em Deus não é este, evidentemente.

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É claro que é possível referir-se, noutra perspectiva, às virtudes humanas como “naturais” quando contrapostas às virtudes infusas sobrenaturalmente por Deus, como as teologais.

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Madeleine-Claudine (um conto)

Sidney Silveira

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Madeleine-Claudine

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No parecer do vulgo, deve haver um brutal equívoco na placidez com que Madeleine-Claudine se mantém de olhos fechados, alheia ao céu ameaçadoramente nublado e à fúria da multidão. Naquele instante, ela sente como se a felicidade fosse o esgotamento das possibilidades humanas que, no final das contas, faz uma pessoa apartar-se de tudo, beco sem saída onde a alma encontra a liberdade.

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À entrada da majestosa Conciergerie, as vozes pró e contra avolumam-se e o empurra-empurra acaba por levar os guardas a assumir uma postura de agressiva prontidão. Madeleine-Claudine no entanto se mantém impassível, quebrando com o seu silêncio a linearidade dos acontecimentos que culminaram na eloqüência das baionetas em riste, bem à sua frente, e no rumor de desespero das inúmeras pessoas ali presentes, a quem não parece restar outra opção senão gritar, gritar, gritar. Ainda de olhos fechados, Madeleine-Claudine subitamente entende que o medo é uma espécie de fadiga — estertor ocasionado pela resistência pertinaz e desconfiada perante a possibilidade do mal. Ela porém acordara naquela manhã com a boa disposição que o otimismo traz, daí a leveza do semblante no qual apenas os mais atentos percebem um discreto sorriso, devido à sua deliberada decisão de esconder do mundo, tanto quanto possível, este íntimo triunfo sobre a opressão.

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A tarde enfim chega, e na assistência um silêncio angustioso substitui o deboche e o escárnio, pois, quando a humildade se torna digna de crédito, a ponto de não ser possível acusá-la de hipocrisia, paira sobre as consciências algo de solene, e nestas ocasiões até os mais depravados caracteres humanos se desconcertam, ao verem quebrar-se a sua lógica torpe. O fato é que, dentro de poucos minutos, a fria e losangular lâmina da guilhotina levará deste mundo Madeleine-Claudine e quinze amigas suas, em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade, e elas, apesar de prestes a perder a vida, comunicam a seus acusadores, aos carrascos e aos revolucionários sans-cullottes que testemunham o evento uma coisa que não se perde ao se dar, mas que só pode receber quem já a possui: os recalcitrantes dão a ela o nome esfíngico de amor. No caso dessas mulheres, na forma de incondicional perdão.
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Madeleine-Claudine e suas companheiras entoam cânticos durante todo o acidentado percurso da Conciergerie à Praça da Concórdia, onde em Paris as vozes discordantes vêm sendo higienicamente silenciadas, pelo bem da nova ordem política. Ao vê-las passar, algumas moças às lágrimas lhes atiram flores, enquanto outras, as “lambedeiras de guilhotina”, praguejam terrivelmente, insultam, xingam a plenos pulmões [Fanáticas desgraçadas! Cadelas! Daqui a pouco veremos as suas cabeças num cesto. Vocês merecem, traidoras. Porcas imundas! Estão pagando pelo que fizeram, malditas]. Ela ouve estes e outros impropérios de olhos baixos e sem dizer palavra, sabedora de que não pode haver convicção na eloqüência maledicente porque só a verdade ata o espírito. Geralmente, ofender é uma fabulação de imagens ou conceitos pela qual alguém falsifica a própria consciência, e aquele palavreado acusatório era vazio, típico de quem não sabe o que diz, embora diga-o de caso pensado. Madeleine-Claudine aprendera em suas meditações e na experiência cotidiana que na malícia há sempre uma radical dose de ignorância, e escolheu manter-se calada.

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A caminho do cadafalso, caracteriza o ânimo daquelas mulheres um torpor tranqüilo, quase irresponsável. Elas vão sendo conduzidas como se estivessem em transe, ou como se ouvissem uma música apaziguadora para os sentidos. Mas o seu espírito está aguçado e não perde de vista o significado maior daquela fatídica tarde de 17 de julho de 1794, mesmo no momento em que todas são aturdidas pelo fato de Anne-Marie Madeleine, a mais idosa delas, ser atirada ao chão por não caminhar no ritmo em que desejava o algoz, ferindo-se gravemente no rosto. Em verdade, assim transcorrem as relações das pessoas com os acontecimentos, umas jazem na superfície deles, e são a imensa maioria, outras estão atentas àquilo que essencialmente os constitui; eis, na prática, a diferença entre amor e ódio, entre ver a realidade ou passá-la pelo prisma da fantasia.

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O canto de Madeleine-Claudine e de suas amigas prossegue [Te Deum laudamus. Te Dominum confitemur. Te aeternum Patrem, omnis terra veneratur…]. A tensão cresce, e entre os executores da pena capital há uma inércia pasmosa diante do ritual com que elas vão colocando-se diante de Madeleine-Claudine para renovar a sua fidelidade ao amor que dá a vida, repetindo em alta voz os votos que traduzem os princípios aos quais aderiram há alguns anos, com os olhos da alma abertos. Antes de tudo se consumar, ela se vira para o carrasco para dizer breves palavras [O senhor pode fazer a gentileza de me deixar ir por último? Quero dar força a minhas amigas] [Como quiser, senhora]. Como soldados perante um comandante, todas então se agrupam em atitude marcial a uma simétrica equidistância de Madeleine-Claudine, e voltam a cantar enquanto vão sendo convocadas, uma a uma, para subir os fatídicos degraus que levam à morte [Veni Creator Spiritus, mentes tuorum visita, imple superna gratia quae tu creasti pectora…].

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Marie-Françoise Villette, uma das testemunhas perdidas na multidão, subitamente sente os olhos embaçar, ao ponto de as imagens até então nítidas transformarem-se numa mescla amorfa de cores sem formas que as acompanhe. Neste exato instante, quando é chamada ao cadafalso a primeira das condenadas, conhecida como Marie-Gabrielle e cognominada Irmã Teresa de Santo Ignácio, esta espectadora sequer consegue distinguir a alvura das roupas e da alma daquelas mulheres à beira da guilhotina do tom acinzentado que a mistura das cores e de imagens dá a tudo o que vê. Não se sabe se o seu delírio esconde uma covardia, mas o fato é que o sujeito ao seu lado, monseiur Étienne Lavelle, ao rolar a primeira cabeça balbucia algo em sua direção [Não estou enxergando nada, Marie-Françoise. Está tudo cinza].

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Em pouquíssimo tempo aquela espécie de cegueira se espalha entre as trezentas pessoas da assistência, que passam repentinamente a também excretar um suor de odor indefinido, dando ao grupo uma patética e inaudita coesão. As mulheres vão sendo chamadas à sua hora final, e a turba cega apenas consegue ouvir o deslizar da guilhotina decepar-lhes as cabeças: Marie-Anne, ou Madre São Luís; Catherine Soiron, ou Irmã Joana da Divina Infância; Anne Petra, ou Irmã Maria Henriqueta da Providência…

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Somente uma jovem vê efetivamente o que se passa, além dos carrascos e dos demais cumpridores zelosos da nova lei, que aceleram os procedimentos da execução. O seu nome é Marie-Geneviène Meunier, a única na platéia a não ser afetada pelo inaudito fenômeno, pois vai percebendo com riqueza de detalhes as reações de todos e acaba de ouvir um homem de olhar sardônico chamar ao cadafalso Madeleine-Claudine, a priora Madre Teresa de Santo Agostinho. Marie-Geneviène passa então pelas baionetas do cordão de isolamento e se aproxima dela com um ramo de flores nas mãos. Agora o Veni Creator é em dueto. A jovem ajoelha-se diante de sua mãe espiritual, faz os votos perpétuos e ouve o chamado do carrasco [“Irmã Constância de São Dionísio”]. Sem quaisquer pruridos ou emoções perceptíveis, ela logo sobe os degraus da morte, sendo seguida por Madeleine-Claudine, última a ser guilhotinada naquela sombria tarde parisiense.

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Alguns anos depois, monseiur Étienne Lavelle, um dos denunciadores das atividades “contra-revolucionárias” daquelas dezesseis mulheres, e único a ainda padecer da cegueira cinza adquirida por muitos naquele 17 de julho de 1794, chega ao estertor. O quarto que serve de palco para o seu leito de morte tem a presença de alguns familiares e amigos, todos esperando alguma derradeira palavra além da única em que, desde então, ele repete em estado quase catatônico [Terror. Terror. Terror]. Em seus olhos se esboçara, ao longo de todo esse tempo, uma feição de remorso, mas nada além disso.

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No último e supremo esforço para dizer algo, monseiur Lavelle entreabre os lábios e diz algumas palavras ininteligíveis, mas expira antes de revelar a secreta ligação existente entre o ódio e a omissão.

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Deus Vos salve, Virgem, Filha de Deus Pai!
Deus Vos salve, Virgem, Mãe de Deus Filho!
Deus Vos salve, Virgem, Esposa do Espírito Santo!
Deus Vos salve, Virgem, Templo e Sacrário da Santíssima Trindade!
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Matinas 
.
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Agora, lábios meus,
dizei e anunciai
os grandes louvores
da Virgem Mãe de Deus.
.
Sede em meu favor,
Virgem soberana,
livrai-me do inimigo
com Vosso valor.
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Glória seja ao Pai
ao Filho e ao Amor também,
que é um só Deus
em Pessoas três
agora e sempre e sem fim.
Amém.
.
Hino 
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Deus Vos salve,
Virgem, Senhora do mundo,
Rainha dos Céus
e das Virgens, Virgem.
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Estrela da manhã,
Deus Vos salve, cheia
de Graça divina,
formosa e louçã.
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Dai pressa, Senhora,
em favor do mundo,
pois Vos reconhece
como defensora.
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Deus Vos nomeou
desde a eternidade
para Mãe do Verbo
com O qual criou
.
Terra, mar e céus
e Vos escolheu,
quando Adão pecou,
por Esposa de Deus.
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Deus A escolheu
e já muito d’antes,
em Seu Tabernáculo,
morada Lhe deu.
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Ouvi, Mãe de Deus,
minha oração,
toquem em Vosso peito
os clamores meus.
.
Oração 
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Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais,
ponde, Senhora, em mim, os olhos de Vossa piedade,
e alcançai-me de Vosso amado Filho o perdão de todos os meus pecados,
para que eu que agora venero, com devoção,
Vossa santa e Imaculada Conceição,
mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem-aventurança,
por mercê de Vosso benditíssimo Filho, Jesus Cristo,
Nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo,
vive e reina para sempre. Amém.
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Prima 
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Sede em meu favor,
Virgem soberana,
livrai-me do inimigo
com o Vosso valor.
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Glória seja ao Pai,
ao Filho e ao Amor também,
que é um só Deus,
em Pessoas três,
agora e sempre e sem fim.
Amém.
.
Hino
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Deus Vos salve, mesa
para Deus ornada,
coluna sagrada
de grande firmeza.
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Casa dedicada
a Deus sempiterno,
sempre preservada
Virgem, do pecado.
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Antes que nascida,
fostes, Virgem, Santa,
no ventre ditoso
de Ana concebida.
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Sois Mãe criadora
dos mortais viventes,
sois dos Santos porta,
dos Anjos Senhora.
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Sois forte esquadrão
contra o inimigo,
estrela de Jacó,
refúgio do cristão.
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A Virgem, A criou
Deus no Espírito Santo,
e todas as Suas obras,
com Ela as ornou.
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Ouví, Mãe de Deus
minha oração,
toquem em Vosso peito
os clamores meus.
.
Oração
.
Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais,
ponde, Senhora, em mim, os olhos de Vossa piedade,
e alcançai-me de Vosso amado Filho o perdão de todos os meus pecados,
para que eu que agora venero, com devoção,
Vossa santa e Imaculada Conceição,
mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem-aventurança,
por mercê de Vosso benditíssimo Filho, Jesus Cristo,
Nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo, vive e reina para sempre. Amém.
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Terça 
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Sede em meu favor
Virgem Soberana,
livrai-me do inimigo
com o Vosso valor.
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Glória seja ao Pai,
ao Filho e ao Amor também,
que é um só Deus,
em Pessoas três,
agora e sempre e sem fim.
Amém.
.
Hino
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Deus Vos salve, trono
do grão Salomão,
arca do concerto,
velo de Gedeão.
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Íris do céu clara,
sarça da visão,
favo de Sansão,
florescente vara.
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A qual escolheu
para ser Mãe Sua
e de Vós nasceu,
o Filho de Deus.
.
Assim Vos livrou
da culpa original,
de nenhum pecado
há em Vós sinal.
.
Vós que habitais
lá nessas alturas,
e tendes Vosso trono
sobre as nuvens puras.
.
Ouví, Mãe de Deus
minha oração,
toquem em Vosso peito
os clamores meus.
.
Oração
.
Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais,
ponde, Senhora, em mim, os olhos de Vossa piedade,
e alcançai-me de Vosso amado Filho o perdão de todos os meus pecados,
para que eu que agora venero, com devoção,
Vossa santa e Imaculada Conceição, mereça na outra vida alcançar
o prêmio da bem-aventurança, por mercê de Vosso benditíssimo Filho,
Jesus Cristo, Nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo,
vive e reina para sempre. Amém.
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Sexta 
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Sede em meu favor,
Virgem Soberana,
livrai-me do inimigo
com o Vosso valor.
.
Glória seja ao Pai,
ao Filho e ao Amor também,
que é um só Deus,
em Pessoas três,
agora e sempre e sem fim.
Amém.
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Hino
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Deus vos salve, Virgem,
da Trindade templo,
alegria dos Anjos,
da pureza exemplo.
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Que alegrais os tristes
com Vossa clemência,
horto de deleites,
palma de paciência.
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Sois terra bendita
e sacerdotal,
sois da castidade
símbolo real.
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Cidade do Altíssimo,
porta oriental,
sois a mesma graça,
Virgem singular.
.
Qual lírio cheiroso
entre espinhas duras,
tal sois Vós, Senhora,
entre as criaturas.
.
Ouví, Mãe de Deus,
minha oração,
toquem em Vosso peito
os clamores meus.
.
Oração 
.
Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais,
ponde, Senhora, em mim, os olhos de Vossa piedade,
e alcançai-me de Vosso amado Filho o perdão de todos os meus pecados,
para que eu que agora venero, com devoção,
Vossa santa e Imaculada Conceição,
mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem-aventurança,
por mercê de Vosso benditíssimo Filho, Jesus Cristo,
Nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo,
vive e reina para sempre. Amém.
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Noa 
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Sede em meu favor,
Virgem Soberana,
livrai-me do inimigo
com o Vosso valor.
.
Glória seja ao Pai,
ao Filho e ao Amor também,
que é um só Deus,
em Pessoas três,
agora e sempre e sem fim.
Amém.
.
Hino 
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Deus Vos salve, cidade
de torres guarnecida,
de Davi, com armas,
bem fortalecida.
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De suma caridade,
sempre abrasada,
do dragão a força,
foi por Vós prostrada.
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Ó mulher tão forte!
Ó invícta Judite!
Que Vós alentastes
o sumo Davi!
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Do Egito o curador
de Raquel nasceu,
do mundo o Salvador,
Maria no-lO deu.
.
Toda é formosa
minha companheira,
nEla não há mácula
da culpa primeira.
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Ouví, Mãe de Deus,
minha oração,
toquem em Vosso peito
os clamores meus.
.
Oração
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Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais,
ponde, Senhora, em mim, os olhos de Vossa piedade,
e alcançai-me de Vosso amado Filho o perdão de todos os meus pecados,
para que eu que agora venero, com devoção,
Vossa santa e Imaculada Conceição,
mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem-aventurança,
por mercê de Vosso benditíssimo Filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor,
que com o Pai e o Espírito Santo, vive e reina para sempre. Amém.
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Vésperas 
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Sede em meu favor,
Virgem Soberana,
livrai-me do inimigo
com o Vosso valor.
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Glória seja ao Pai,
ao Filho e ao Amor também,
que é um só Deus,
em Pessoas três,
agora e sempre e sem fim.
Amém.
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Hino
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Deus Vos salve, relógio,
que andando atrasado,
serviu de sinal
ao Verbo Encarnado.
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Para que o homem suba
às sumas alturas,
desce Deus dos Céus
para as criaturas.
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Com os raios claros
do Sol da Justiça,
resplandece a Virgem,
dando ao sol cobiça.
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Sois lírio formoso
que cheiro respira,
entre os espinhos,
da serpente a ira.
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Vós a quebrantais
com Vosso poder;
os cegos errados,
os alumiais.
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Fizestes nascer
Sol tão fecundo,
e como com nuvens,
cobristes o mundo.
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Ouví, Mãe de Deus,
minha oração,
toquem em Vosso peito
os clamores meus.
.
Oração
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Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais,
ponde, Senhora, em mim, os olhos de Vossa piedade,
e alcançai-me de Vosso amado Filho o perdão de todos os meus pecados,
para que eu que agora venero, com devoção,
Vossa santa e Imaculada Conceição,
mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem-aventurança,
por mercê de Vosso benditíssimo Filho, Jesus Cristo,
Nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo,
vive e reina para sempre. Amém.
.
Completas 
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Rogai a Deus, Vós,
Virgem, nos converta,
que a Sua ira
se aparte de nós.
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Sede em meu favor,
Virgem Soberana,
livrai-me do inimigo
com o Vosso valor.
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Glória seja ao Pai,
ao Filho e ao Amor também,
que é um só Deus,
em Pessoas três,
agora e sempre e sem fim.
Amém.
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Hino
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Deus Vos salve, Virgem,
Mãe imaculada,
Rainha de clemência,
de estrelas coroada.
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Vós, sobre os Anjos,
sois purificada,
de Deus à mão direita,
estais de ouro ornada.
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Por Vós, Mãe de Graça,
mereçamos ver
a Deus nas alturas,
com todo o prazer.
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Pois sois esperança
dos pobres errantes
e seguro porto
aos navegantes.
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Estrela do mar
e saúde certa,
e porta que estais,
para o Céu aberta.
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É óleo derramado,
Virgem, Vosso Nome,
e os Vossos servos
Vos hão sempre amado.
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Ouví, Mãe de Deus,
minha oração,
toquem em Vosso peito
os clamores meus.
.
Oração 
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Santa Maria, Rainha dos Céus, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Senhora do mundo, que a nenhum pecador desamparais nem desprezais,
ponde, Senhora, em mim, os olhos de Vossa piedade,
e alcançai-me de Vosso amado Filho o perdão de todos os meus pecados,
para que eu que agora venero, com devoção,
Vossa santa e Imaculada Conceição, mereça na outra vida alcançar o prêmio
da bem-aventurança, por mercê de Vosso benditíssimo Filho, Jesus Cristo,
Nosso Senhor, que com o Pai e o Espírito Santo,
vive e reina para sempre. Amém.
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Oferecimento 
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Humildes oferecemos
a Vós, Virgem pia,
estas orações,
por que, em nossa guia,
vades Vós adiante
e, na agonia,
Vós nos animeis,
ó doce Maria. Amém.
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(Indulgência parcial – Oração retirada do livro
Adoremus: Manual de Orações e Exercícios Piedosos“,
de Dom Eduardo Herberhold, OFM, 1926, 15ª edição)
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Extraído do blog A grande guerra

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Extraído do blog Contra Impugnantes

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Extraído do blog A grande guerra

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(Padre Antônio Vieira)
Sermão de Maria Rosa Mística
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IExtollens vocem quaedam mulier de turba, dixit illi: Beatus venter qui te portavit et ubera quae suxisti (1).
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Não é coisa nova no mundo, posto que lastimosa, que homens letrados e religiosos degeneremem hereges. Tais foram antigamente Pelágio, e modernamente Lutero: um e outro letrados de fama, um e outro religiosos de profissão, e ambos heresiarcas impiíssimos. E se das escolas e claustros da Igreja Católica saem monstros tão horrendos, não é maravilha que na Sinagoga judaica, e na história do presente Evangelho os vejamos semelhantes. Os escribas eram os letrados da lei, os fariseus eram os religiosos daquele tempo, e uns e outros se declararam tão blasfemamente heréticos no milagre do demônio mudo, que em uma só proposição negaram a Cristo a divindade, enquanto Deus, e a santidade, enquanto homem. Disseram e ensinaram publicamente aos que se admiravam do milagre, que era falso e aparente, e que Cristo lançava os demônios dos corpos com poder do príncipe dos demônios: In Beelzebub principe daemoniorum ejicit daemonia (2). Em dizerem que obrava com poder alheio, negavam-Lhe a onipotência; e em julgarem que esse poder era recebido do demônio, negavam-Lhe a santidade: e a quem? Àquele mesmo Senhor, a quem os mesmos demônios confessavam por Deus e por santoScio qui sis, Sanctus Dei (3). Convictos, porém, neste famoso ato da fé, e saindo escribas e fariseus todos com mordaças na boca, emudecidos pelas razões com que Cristo, juntamente mestre e juiz, lhes confutou e condenou as blasfêmias, levantou a voz uma mulher, aclamando a vitória da fé, e dando todo o louvor à Mãe de tão glorioso FilhoBeatus venter qui te portavit et ubera quae suxisti.
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Para expositor e intérprete deste insigne texto, e seus mistérios, elegeu a Igreja, entre todos os doutores sagrados ao Venerável Beda, o qual diz duas coisas notáveis. A primeira, que esta mulher do Evangelho foi figura da Igreja Católica, que nela se representava: Cujus haec mulier typum gessit. – E a experiência tem mostrado a verdade e propriedade desta exposição, pois, tomando a Igreja da boca da mesma mulher estas mesmas palavras, não só as autoriza como suas, mas as repete, canta e celebra como divinas, em todas as solenidades da Virgem, Senhora nossa, e com particular eleição as aplica ao dia do seu Rosário. A segunda coisa, e mais notável ainda, que diz o mesmo Beda, é que nas mesmas palavras, nas quais se contem os primeiros mistérios do Rosário somente – como são os da infância de Cristo: Venter qui te portavit et ubera quae suxisti – não só estão refutadas e convencidas as heresias e blasfêmias dos escribas e fariseus – que eram os hereges presentes – senão também, e com a mesma evidência, as de todos os hereges futurosScribis et pharisaeis, Dominum tentantibus et blasphe-mantibus, tanta ejus incarnationem prae omnibus sinceritate cognoscit, tanta fiducia confitetur, ut et praesentium procerum calumniam et futurorum confundat haereticorum perfidiam.
 .
Isto suposto, que é tudo o que até agora nos tem ensinado a Igreja, eu, insistindo na verdade católica da mesma doutrina, e não me apartando um ponto da autoridade dela que é na terra a do céu – o que determino dizer hoje é muito mais. Se a verdade do mistério da Encarnação, que é um só dos quinze do Rosário, bastou para refutar os hereges de Judéia, e os que depois deles impugnaram o mesmo mistério, o que acrescento e digo de novo é que todos os mistérios e orações de que se compõe o Rosário, juntos não só refutam e convencem as heresias de Judéia, senão as de todo o mundo, nem só as dos escribas e fariseus, senão as de todos os heresiarcas e seus sequazes, nem só as daquele tempo e do futuro, senão as do futuro, as do presente e as do passado. De sorte que, examinadas, não em comum somente, senão também em particular, todas as heresias, todas as blasfêmias, todos os erros de todas as seitas, de todas as idades, de todas as terras, de todas as nações, e de todos os infiéis do mundo, todas no Rosário estão detestadas, todas no Rosário condenadas, todas no Rosário, confundidas, e todas no Rosário anatematizadas.
 .
Isto é o que hei de pregar hoje. E agora, Senhor, me dou eu o parabém de que Vossa infinita Majestade, patente nesse trono visível, se dignasse de divinizar com sua real presença a solenidade deste grande dia, e agora reconheço a justa razão e correspondência com que o mistério por antonomásia da fé desce do céu a honrar os do Rosário. Não podia faltar a maior e melhor parte a este todo, de que o diviníssimo Sacramento também é parte. Nesse diviníssimo Sacramento adora a nossa fé o maior mistério dela: no Rosário reconhece e confessa todos. Nesse diviníssimo Sacramento condena a quantos hereges o negam: no Rosário a nenhum perdoa, nem ainda aos que se não atreveram a negar. No Sacramento detestamos uma heresia nova: no Rosário as novas e as antigas. No Sacramento, enfim, uma heresia, e no Rosário todas as heresias. Sendo, pois, o Rosário a maior e mais universal protestação da fé, e o mistério da fé a fonte de toda a graça, não nos poderá faltar com a graça a mesma Senhora, de quem a mesma fonte teve seu nascimentoAve Maria.
 .
II. Uma das mais notáveis prerrogativas, ou a mais notável e a maior, que a Igreja Católica reconhece e celebra na Virgem Santíssima, Senhora nossa, e de que Lhe dá o parabém, é aquela famosa antífona: Gaude, Maria Virgo, cunctas haereses sola interemisti in universo mundo. – Quer dizer: Alegrai-vos, Virgem Maria, porque Vós só degolastes em todo o mundo todas as heresias. – O louvor que encerram estas palavras não pode ser maior, mas a dificuldade delas também é grande. Primeiramente, S. Pedro pelejou contra Simão Mago, que foi o primeiro heresiarca da Igreja, e o derrubou das nuvens, e, com os pés quebrados, o prostrou aos seus nos olhos de toda Roma. S. João Evangelista pelejou contra Ébion e Cerinto, contra os quais principalmente escreveu o Evangelho. S. Paulo, não só a um ou a poucos hereges, mas a todos os de seu tempo confundiu, aniquilou e fez em cinza, com tantos raios quantas foram as suas epístolas. Depois dos apóstolos estas foram as batalhas e as vitórias dos fortíssimos antigontistas de todos os heresiarcas, os Inácios, os Policarpos, os Irineus, os Justinos, os Lactâncios, os Epifânios, os Atanásios, os Jerônimos, os Agostinhos.
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Como diz logo e canta a Igreja que a que degolou as heresias foi a Virgem, Senhora nossa, e Ela só: sola? Mais. Estas heresias não foram todas, nem de todo o mundo, porque todas nasceram na Grécia e na Itália, donde se estenderam por algumas províncias da África e da Europa, e ainda não tinham saído do inferno os Erasmos, os Luteros, os Calvinos, e tantos outros monstros, em cujas heresias está ardendo hoje a França, a Holanda, a Inglaterra, a Alemanha, a Dinamarca e a Suécia, e todo o Setentrião enregelado e duroPois, se ainda vivem, e crescem, e nascem no mundo tantas heresias, como as degolou a Virgem Maria, e as matou todasCunctas haereses interemisti in universo mundo?
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Trataram esta questão dois famosos autores do nosso século, entre os teólogos, Soares (4), e entre os escriturários, A Lápide. E que é o que dizem? O padre Soares responde que degolou a Senhora todas as heresias, porque foi Mãe de Cristo, que é a luz que alumia a todos os homens, e porque depois de Cristo foi mestra da fé e dos apóstolos, e porque é singular protetora de todos os que A defendem. Mas esta resposta, posto que verdadeira e sólida no que diz, bem se vê que não satisfaz inteiramente à dificuldade proposta, nem enche os vazios de tamanha prerrogativa. O padre A Lápide mais a confirma com a Escritura do que dá a razão dela. Diz que aqui se cumpriu a sentença fulminada por Deus contra a serpente, de que uma mulher lhe quebraria a cabeça, e que esta mulher é a Virgem Maria, a serpente o demônio, e a cabeça da serpente todas as heresias: Beata Maria contrivit serpentem, quia illa fuit semper plena et gloriosa victrix diaboli, omnesque haereses – quae caput sunt serpentis – in universo mundo contrivit, ut canit Ecclesia (5).
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Que na cabeça da serpente se entendam todas as heresias, bem dito está, porque todas saíram daquela astuta, inimiga e venenosa cabeça. Assim o afirmam Santo Agostinho, S. João Crisóstomo, Santo Atanásio e, primeiro que todos, Santo Irineu (6), o qual acrescenta que todos os heresiarcas tiveram demônios familiares, que eram os seus mestres, e lhes ensinavam os erros que haviam de semear. E esta verdade é tão certa, que os mesmos heresiarcas e os mesmos demônios a confessam. Lutero, o maior heresiarca do século passado, em o livro que intitulou De Massa Angulariconfessa ou se gaba de que ele e o demônio eram tão amigos e tão familiares na conversação e na mesa, que tinham comido juntos mais de meio alqueire de salDiabolum, et se inter se mutuo familiariter nosse, et plus uno salis modio simul comedisse (7). – E dos demônios refere Cassiano, na colação sétima, que em sua presença e na de outros religiosos confessara pública e declaradamente um demônio que a heresia de Árrio e de Eunômio ele lha inspirara: Audivimus apertissime confitentem se inspirasse haeresim Arrii et Eunomii (8).
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Finalmente, sem sair do caso em que estamos, dele consta quem foi o primeiro heresiarca, e quais os primeiros hereges. O primeiro heresiarca foi o demônio, os primeiros hereges foram Adão e EvaO demônio foi o primeiro heresiarca, porque, tendo Deus dito a Adão e Eva que no dia em que comessem do fruto vedado morreriam: In quocumque die comederis, morte morieris (9) – contra esta proposição, que por ser de Deus era de fé, o demônio pronunciou e ensinou a contraditória, em que consiste a heresia, dizendo que de nenhum modo morreriam: Nequaquam morte moriemini (10). – E Adão e Eva foram os primeiros hereges, porque ambos não só duvidaram da palavra divina – o que bastava – mas ambos creram mais ao demônio que a Deus, ambos perderam a fé, como provaSanto Agostinho, e ambos foram réus e cúmplices no primeiro crime de heresia (11).
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E como a sentença fulminada contra a serpente assentava sobre estas culpas, e tanto em castigo da presente heresia – de que fora o primeiro dogmatista – como em presságio de todas as futuras, que na sua cabeça se haviam de maquinar, e dela haviam de sair; bem se segue que a mulher, que lhe havia de quebrar a mesma cabeça, era a que havia de destruir todas as heresias. Mas, ainda que esta exposição do texto declare o verdadeiro sentido da profecia, não concorda, porém, com o cumprimento dela, nem com o que canta a Igreja, porque a profecia diz conteret, e a Igreja diz interemisti: a profecia fala do futuro, e que se havia de cumprir, e a Igreja fala do passado, e que de presente já está cumprido. E se já está cumprido que a Virgem Maria, e só Ela, degolou todas as heresias do mundo: Cunctas haereses sola interemisti in universo mundo – como se verifica esta verdade tão decantada da Igreja, e quando ou de que modo obrou a Virgem, Senhora nossa, esta tão universal e tão prodigiosa façanha?
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Respondo que assim é como o afirma a Igreja Católica, cuja verdade não pode faltar; e que o modo ou instrumento com que a Virgem Maria degolou todas as heresias foi o Rosário. E porque o Rosário é somente Seu, Ela foi a que as degolou quando o instituiu:Cunctas haereses sola interemisti in universo mundo. – Quando a Senhora instituiu o Seu Rosário, e o seu primeiro pregador, o patriarca S. Domingos, o começou a publicar pelo mundo, referindo o papa Gregório IX os efeitos maravilhosos da sua pregação, diz na bula da canonização do mesmo santo estas grandes e ponderosas palavras: Dominico sagitante delicias carnis, et fulgurante mentes lapideas impiorum, omnis haereticorum secta contremuit (12) – como se a pregação de Domingos fosse um arco que despedisse setas contra os corações de carne, e como se a sua voz fosse um trovão do céu que fulminasse raios contra os entendimentos de pedra, assim fez tremer as seitas de todos os hereges:Omnis haereticorum secta contremuit. – Mas, se as seitas dos hereges tremeram, também a Igreja ocidental tinha tremido, diz o Beato Alano de Rupe, vendo a força e progressos com que as mesmas heresias se iam estendendo e abrasando a Europa: Hic vero intremuit Ecclesia Occidentalis, talium adhuc inexperta malorum. – Não houve meio de que a Igreja não intentasse para apagar ou atalhar este incêndio, porém, todos debalde: Non arma, non doctrina deerant, deerat oratioNão faltava a doutrina sã dos teólogos, não faltavam também as armas dos príncipes católicos, mas faltava a oração. – Trouxe-a, finalmente, do céu a Rainha dos anjos, ensinando a do seu Rosário, e tanto que o Rosário se introduziu no mundo, cresceu a oração e desfaleceu a heresiaPraedicandi ac orandi Rosarium, ut in usum venit, crevit oratio, decrevit haeresi (13).
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Só na Lombardia converteu S. Domingos, por meio do Rosário, mais de cem mil hereges albigenses. Mas, que têm que ver – torna agora a mesma dúvida, não já absolutamente, senão sobre o Rosário – que têm que ver os albigenses com todos os hereges? E que proporção tem a Lombardia com todo o mundo? De que modo, logo, se pode ou há de entender que por meio do Rosário degolou e matou a Virgem, Senhora nossa, todas as heresias do mundo? Digo que o Rosário, própria e verdadeiramente, mata todas as heresias, pelo modo próprio e verdadeiro com que a heresia mata a fé, e a fé mata a heresiaDe que modo se matam entre si a heresia e a fé? A fé e a heresia são atos do entendimento, com que cremos ou negamos o mistério e verdade que se nos propõe; e nesta contrariedade ou guerra dos entendimentos é que a fé pode matar a heresia, ou a heresia pode matar a fé. Se a heresia nega o que crê e confessa a fé, mata a heresia a fé; se a fé crê e confessa o que nega a heresia, mata a fé a heresia; e deste modo, por meio do seu Rosário, matou a Virgem, Senhora nossa, todas as heresias, porque tudo o que todas as heresias do mundo negam é o que se crê e confessa no Rosário. De sorte que, para o Rosário matar todas as heresias, não é necessário que converta e convença os hereges, e mate as heresias neles, mas basta que as deteste e as mate em si mesmo.
Excelente e admirável prova, e, quanto se podia desejar, adequada. Antes de Cristo vir ao mundo, havia entre os judeus e os gentios a mesma oposição e contrariedade que hoje há entre os católicos e hereges; e porque Cristo, Senhor nosso – por isso chamado Príncipe da Paz – quis por meio da sua fé acabar esta guerra, e fazer de ambos os povos, judaico e gentílico, um só povo: Qui fecit utraque unum (14) – o mesmo S. Paulo, de quem são estas palavras, diz que Cristo matou aquelas inimizades em si mesmo: Interficiens inimicitias in semetipso, ut duos condat in unum, et reconciliet ambos (15). – Mas quando fez Cristo esta união e esta reconciliação dos dois povos inimigos, e quando matou estas inimizades? Matou-as nos últimos anos de sua vida, quando instituiu a lei nova, na qual não há distinção de judeu e gentio: Non est distinctio Judaei er Graeci(16). – Agora entra a grande dúvida. Pois, se Cristo há mil e seiscentos anos que matou as inimizades que havia entre os judeus e gentios, como perseveram ainda inimigos entre si, e por mais que os gentios convertidos querem converter também os judeus, eles, contudo, perseveram obstinadamente na mesma inimizade? Porque Cristo não matou as inimizades neles: matou-as em si mesmo: Interficiens inimicitias in semetipso. – O mesmo fez a Virgem, Senhora nossa, por meio do seu Rosário. Ainda que muitos hereges em todas as partes do mundo se conservam obstinadamente hereges, a Virgem Maria por meio do Seu Rosário matou todas as heresias em todo o mundoCunctas haereses sola interemisti in universo mundo – porque o Rosário, ainda que não mate as heresias nos hereges que se não querem converter, mata-as todas em si mesmo, porque em si mesmo detesta as heresias e os erros de todos.
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III. Dai-me agora particular atenção, e assim na parte mental do Rosário, que são os quinze mistérios, como na parte vocal, que são as duas orações de que se compõe, vede como nele detestamos todas as heresias do mundo.
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Primeiramente no número e fundamento dos quinze mistérios, é muito digno de reparo que os primeiros treze sejam todos tirados do Evangelho, e os dois últimos mistérios, que são os da Assunção da Virgem, Senhora nossa, e os de Sua Coroação no trono da glória, não constam dos Evangelhos, nem de outra Escritura Sagrada, senão somente por tradição dos apóstolos e da Igreja. Pois, se todos quinze se puderam inteirar de outros mistérios que referem os evangelistas, por que mete junta e igualmente com eles o Rosário os que só cremos por tradição apostólica e eclesiástica? Porque assim era necessário para a inteira e completa protestação da fé e detestação das heresias. Os hereges modernos negam a fé das tradições, e dizem que só se há de crer o que se lê nas Escrituras Sagradas:Neque alia doctrina in Ecclesia tradi et audiri debet, quam purum verbum Dei, hoc est, Sancta Scriptura – diz Lutero, tão inchado como ignorante (17). – Vem cá, herege sobre apóstata: na lei da natureza houve fé? Sim. E houve alguma Escritura? Nenhuma. Na lei escrita houve muitas Escrituras? Muitas. E criam-se também as tradições? Também, que a mesma lei o mandava assim. Na lei da graça houve sempre fé desde seu princípio? Sempre. E houve sempre Escrituras? Não, porque o Evangelho de S. Mateus, que foi o primeiro, foi escrito oito anos depois da Ascensão de Cristo, e o de S. João, que foi o último, sessenta e seis anos depois. Pois, se as tradições em todas as leis tiveram autoridade de fé, como és tu tão sem fé e sem lei que as negas? E se queres ler isto mesmo nas Escrituras Sagradas, lê a S. Paulo, onde diz:Accepi a Domino quod et tradidi vobis (18); e outra vez, onde diz: Laudo vos, quod sicut tradidi vobis, praecepta mea tenetis (19); e terceira vez, onde expressamente declara uma e outra coisa. Tenete traditiones, quas didicistis, sive per sermonem, sive per epistolam nostram (20). E como as verdades que cremos tanta autoridade têm pela Escritura como pela tradição, por isso os mistérios do Rosário se compuseram de umas e outras, condenando nesta católica composição a ímpia doutrina de Lutero e dos seus quatro evangelistas, tão falsos como ele, Calvino, Brêncio, Kemnício, e Hamelmano (21).
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Vindo à série dos mistérios, no primeiro, que é o da Encarnação, confessa o Rosário, com a fé católica, que o Filho de Deus encarnou e tomou a nossa carne por verdadeira e real união da subsistência do Verbo à Humanidade, ficando Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem com duas naturezas, não confusas, senão distintas: uma inteiramente divina, e outra perfeitamente humana, e não em duas, senão em uma só pessoa. E com a fé e protestação deste mistériodegola o Rosário cinco famosas heresias. Aprimeira, de Valentino, de Cedron, de Proclo, e de todos os maniqueus e priscilianistas, os quais diziam que Cristo não era verdadeiro homem como nós, senão fantástico e aparente, e não nascido na terra, senão descido do céu (22). A segunda, de Cerinto, de Ébion, de Carpocrates, de Teodoro, Artemon, Paulo Samosateno, Fotino, os quais concediam que Cristo era homem, mas negavam que fosse Deus; e este erro é também dos judeus e dos maometanos. A terceira, de Nestório, de Elipando, de Bonoso, e outros, os quais confessavam em Cristo as duas naturezas, divina e humana, mas não em uma só pessoa, senão em duas, e essas não unidas substancialmente entre si, mas acidentalmente, e só por graça. A quarta, de Eutiques, Dióscoro, Filopono, os quais diziam que de tal maneira Deus se fizera homem, que a humanidade, por verdadeira transformação, se convertera na divindade, ficando o que fora homem, não já homem, senão Deus. A quinta, de Polêmio, a quem seguiram os jacobitas, e de Severo, a quem seguiram os acéfalos, os quais da natureza humana e da divina faziam em Cristo uma terceira substância, assim como dos elementos simples se compõem os corpos mistos. Deixo os erros de Apolinar, e de outros na mesma matéria, dos quais, por serem tantos, se convence também a sua mesma falsidade, porque para acertar há um só caminho, e para errar muitos.
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No segundo mistério, que foi o da Visitação da Senhora a Santa Isabel, e santificação do Batista, temos antes de sua degolação a de duas grandes heresias antigas e modernas. A santificação do Batista caiu sobre o pecado original, no qual incorreram todos os filhos de Adão, como em primeiro pai e cabeça universal do gênero humano. Ele pecou, e nele todos, como expressamente diz S. Paulo: In quo omnes peccaverunt (23). – E com ser este texto tão claro, Pelágio e Celéstio negaram obstinadamente haver pecado original. O mesmo erro continuaram Pedro Abailardo primeiro, depois os hereges albigenses, e quase em nossos dias o ressuscitaram Erasmo, Fabro, Zuínglio, e outros monstros com nome de cristãos, não reparando, como notou Santo Agostinho contra Juliano, que quem nega o pecado original, derroca o primeiro fundamento do Cristianismo, e quer tirar do mundo a Cristo (24). Por isso o mesmo Cristo, que reservou o resto da Sua doutrina e milagres para depois dos trinta anos, no mesmo instante em que foi concebido, partiu logo a livrar do pecado original a um homem que ainda não era nascido. E por que foi este homem, ou este menino, mais um filho de Isabel e Zacarias que outro? Para condenar com o mesmo ato, e desfazer a segunda heresia.
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Buccero, Calvino e Bolingero de tal modo admitem o pecado original que excetuam dele os filhos dos fiéis, e dizem que, ainda que morram sem batismo, se salvam porque pela fé de seus pais nascem santos (25). E para Cristo convencer também, e condenar esta heresia, aquele menino que escolheu entre todos para livrar do pecado original, não só quis que fosse filho de pais fiéis, mas tão fiéis e tão santos ambos como Zacarias e Isabel. E estas são as duas heresias que de um golpe degola o Rosário no segundo mistério.
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Contra o terceiro – que é o do nascimento de Cristo – se levantaram outras quatro (26): uma pertencente ao Filho, e três à Mãe. Citiano, Terbinto, Manes e os hereges chamados sampseus, ussenos, e helcesseus, não só negaram haver nascido o Filho de Deus da Virgem Maria, mas disseram que em Adão se vestira exteriormente da nossa carne, da qual logo se despira, e a vestia somente quando havia de falar aos patriarcas, e que nela aparecera depois quando veio ensinar e remir o mundo, dando cor a este seu fingimento com as palavras de S. Paulo: Et habitu inventus ut homo (27). – Pode haver fábula mais quimérica e mais ridícula? Mas tão cegos e tão estólidos como isto são os hereges. Os que crêem e confessam a Cristo como nascido de Maria Santíssima, escurecem e corrompem a metade desta verdade com três blasfêmias, de que estremecem os ouvidos católicos. – Nós, Virgem e Mãe sempre puríssima, confessamos que fostes Virgem antes do parto, Virgem no parto, e Virgem depois do parto. E a primeira destas singulares prerrogativas negaram os ebionitas, e teodotianos; a segunda, Gualtero, Buccero, Molineu, e outros protestantes; a terceira, Helvídio, Auxêncio, Joviniano, e os hereges antidicomarianistas, merecedores todos de que o fogo da sarça, cuja perpétua verdura se conservou inviolável entre as chamas, os abrasasse e consumisse (28). Mas nós, Virgem das Virgens e Mãe admirável, já desde então na mesma sarça verde antes do fogo, no fogo verde, e verde depois do fogo reconhecemos os três estados maravilhosos de Vossa virginal pureza, cantando todos com a Igreja: Rubum, quem viderat Moyses incombustum, conservatam agnovimus tuam laudabilem virginitatem (29) – e esta é a espada, não de dois, mas de três fios, com que o Rosário degola estas três heresias.
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Esta mesma pureza da Mãe de Deus a isentou da lei da Purificação – que é o quarto mistério – como também e muito mais a seu Filho, por ser o supremo legislador, e de nenhum modo sujeito a ela. Mas esta imunidade de ambos, excetuada claramente na mesma lei de Moisés, negaram depois todos os hereges que então havia em Judéia, fariseus, saduceus, desiteus, hemerobatistas, herodianos (30), cumprindo-se neles a profecia de Simeão pregada no mesmo dia e no mesmo templo: Eccepositus est hic in ruinam, et in resurrectionem multorum in Israel, et in signum cui contradicetur (31). Foi Cristo para Israel a ruína dos que O negaram, e a exaltação dos que O creram: In ruinam, et in resurrectionem multorum in Israel. – E para todos os outros foi um alvo de contradição: In signum cui contradicetur – porque todos os que erram na fé atiram contra Ele as setas de suas heresias, e, pelo contrário, todos os que a crêem e professam, como nós no Rosário, contradizendo e refutando essas mesmas heresias, lhes quebramos as setas.
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E para que isto se veja com maior clareza, sem sair do mesmo Templo, passemos ao quinto mistério. Achou a Senhora a Seu Filho depois de perdido, assentado entre os doutores, admirados eles de tanta sabedoria em tão tenra idade, e das respostas que dava a todas as questões que lhe propunham. E porque o evangelista diz que também ouvia e perguntava:Audientem illos, et interrogantem (32) – como o ouvir é mais próprio de quem aprende, e o perguntar de quem duvida ou ignora, daqui tomaram ocasião muitos hereges para crer e ensinar que em Cristo podia haver ignorância e erro. Assim o creram antigamente os gnósticos, os temistianos, os agnoítas (33), e assim o dogmatizaram em nossos tempos Lutero e Calvino, e o discípulo destes, e mestre de muitos outros, Beza (34). Tão longe esteve, porém, da baixeza de semelhante pensamento Apolinar; que, sendo também herege, errou tanto por alto, que negando à alma de Cristo o entendimento humano, pôs em seu lugar divino. Mas o que ensina a fé católica neste ponto, é que assim como em Cristo há duas naturezas, assim tem dois entendimentos, um divino, outro humano. E a ciência deste entendimento humano foi tão perfeita e consumada, não depois dos doze anos, senão desde o instante de Sua conceição, que tudo soube com evidência, nenhuma coisa ignorou, em nenhuma pôde errar. E isto é o que em todos os mistérios gozosos, desde o primeiro até o último, confessa e protesta o Rosário.
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IV. Passando aos mistérios dolorosos não só discreta, mas verdadeiramente disse Tertuliano que a nossa fé sempre está crucificada entre duas heresias, como Cristo entre dois ladrões (35). Porque uns a impugnam de uma parte, e outros da outra, não unidos na mesma sentença, ou no mesmo erro, senão contrários entre si. Por isso Santo Ambrósio e Santo Agostinho (36) compararam os hereges às raposas de Sansão, as quais ele atou, não pelas cabeças, senão pelas costas, voltadas umas contra as outras: Caudasque earum junxit ad caudas, et faces ligavit in médio (37). Para queimarem a seara unidos, mas tirando cada um para sua parte, e essas contrárias.
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primeiro mistério doloroso, e da Paixão de Cristo, foi o do Horto: e que dizem os hereges? Uns dizem que não padeceu o Senhor as penas e aflições que referem os evangelistas, outros dizem que as padeceu muito maiores e inauditas. Tão conformes contra a fé, como negarem todos o Evangelho, e tão contrários entre si, quanto vai de padecer Cristo a não padecer; e não só encontrados no que dizem, senão também nos fundamentos falsos por que o dizem. Menandro e Saturnino, e Apeles, disseram que não padecera Cristo, porque não tomara verdadeiro corpo, senão fantástico (38); Serveto, Menon e os anabatistas, porque era de matéria celestial e divina. Juliana Alicarnasseu, Caiano, Teodoro, e outros (39), posto que concedem que a carne de Cristo era como a nossa em tudo o mais, negam contudo que padecesse ou pudesse padecer; porque era impassível. Em suma, que todos estes hereges, por tão diversos caminhos, vêm a concordar em que as penas de Cristo não foram verdadeiras, por mais que o Evangelho de Isaías esteja clamando: Vere languores nostros ipse tulit (40) – e o de S. Lucas afirme que Lhe fizeram suar sangue.
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Isto é o que disseram os hereges que não creram aos evangelistas. E os que os creram contentaram-se com isso? Não foram eles hereges, se se acomodaram com a verdade. Foi tão blasfema a língua, e tão sacrílega a pena do impiíssimo Calvino, que se atreveu a pregar e a escrever que, desde o Horto até expirar na Cruz, padecera Cristo as penas do inferno, e que assim fora necessário, como Redentor, para satisfazer pena por pena e inferno por inferno, a mesma pena e inferno a que estavam condenados aqueles a quem remia (41). O mesmo seguiram Melancton e Brêncio, não entendendo a soberba ignorantíssima destes blasfemos precitos que bastava a menor gota de suor de Cristo no mesmo Horto, ainda que não fora de sangue, para pagar e apagar mil infernos.
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Acrescenta o heresiarca, que destes tormentos se quis livrar o Senhor quando disse: Si possibile est, transeat a me calix iste (42) – e Cristo acrescentou: Non mea voluntas, sed tua fiat (43) – para deixar confutada outra grande heresia. Macário Antioqueno, Cipro Alexandrino, Sérgio Constantinopolitano, e todos os que pelo mesmo erro se chamaram monotelitas, posto que reconheciam em Cristo duas naturezas distintas, não só admitiam nelas mais que uma só vontade, que era a divina mas, para que cressem e entendessem todas que assim como as naturezas eram duas, assim eram também duas as vontades, por isso distinguiu tão claramente o Senhor a vontade humana da divina, dizendo: – Não se faça a minha vontade, senão a Vossa. – E toda esta é a fé que confessa, e todas estas as heresias que degola o Rosário na meditação do primeiro mistério doloroso.
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No segundo – que é o dos açoites à coluna – padeceu Cristo atado a ela, não já as dores da própria e interior apreensão, senão as da violência e crueldade atroz de Seus inimigos. E foi tal o deslumbramento da heresia, assim neste como nos outros passos da Paixão, que muitos hereges tiveram para si que a divindade de Cristo, imortal por natureza, e impassível, fora a que nele morrera e padecera. Assim o escreveu no século passado tão impudente como ignorantemente Lutero, ressuscitando as antiqüíssimas heresias de Eutiques, Dióscoro, Sérgio, Pirro e Paulo, e de todos os eutiquianos, divididos em tantas blasfêmias como seitas (44). Não atinava a filosofia cega destes presumidos idiotas, como era possível que sendo Cristo Deus, e padecendo Cristo, não padecesse a mesma divindade, pela qual é Deus! Padeceu Deus, e morreu Deus, são proposições católicas e de fé; logo se Deus morreu e padeceu, como não morreu nem padeceu a divindade? A verdadeira teologia o declara facilmente com a que nela se chama comunicação dos idiomas. Assim como do mesmo homem se diz com verdade que vê e ouve e com a mesma verdade que entende e ama, e não se segue por isso que entende e ama pelos sentidos do corpo, nem que vê e ouve pelas potências da alma, assim de Cristo, que é Deus e homem, se diz verdadeiramente que padeceu e morreu, mas nem por isso se segue que padeceu pela divindade, que é imortal e impassível, senão pela humanidade, que é passível e mortal. E isto é o que professa o Rosário, e com que facilmente degola essas blasfêmias e heresias.
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Em Cristo coroado de espinhos – que é o terceiro mistério – e adorado por escárnio com a injuriosa saudação de Ave Rex Judaeorum (45) – três foram as heresias que então e depois lhe negaram este glorioso e verdadeiro título, até por Pilatos, que o condenou, confessado. Osprimeiros dogmatistas delas foram os escribas e fariseus, e os príncipes dos sacerdotes de Jerusalém, quando com as vozes de todo o povo clamaram: Non habemus regem, nisi Caesarem (46) – sendo este César Tibério. Os segundos foram os herodianos, chamados assim porque, tendo cessado o cetro de Judá, por adularem a Herodes o reconheceram por Messias e adoraram por rei dos judeus (47). Os terceiros, não só da mesma nação, senão também romanos, foram os que, aplicando as profecias de Cristo ao imperador Vespasiano, o tiveram e aclamaram por tal, entre os quais seguiram e celebraram o mesmo erro Cornélio Tácito e Suetônio, e, o que é mais, Josefo, que então vivia, com ser judeu, cegueira e infâmia abominável se assim o cria, e maior ainda se o escreveu sem o crer. Tão vil é a dependência e a lisonja!
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Coroado, pois, de espinhos o supremo Senhor e verdadeiro Rei, não só dos judeus, mas de todos os homens e anjos – como confessa a nossa fé no terceiro mistério do Rosário – o quarto, em que levou a cruz às costas, e o quinto, em que foi pregado e morto nela, de tal sorte os envolveu, e ajuntou a heresia, que nem nós referindo-a os podemos separar. Basilides, antiqüíssimo heresiarca, ensinou à sua escola que o crucificado e morto no Monte Calvário não fora Cristo, senão Simão Cirineu, o mesmo que lhe ajudou a levar a Cruz. Assim o escrevem Santo Irineu, Tertuliano, Eusébio Cesariense, Santo Epifânio e Santo Agostinho. E, pois, tão grandes padres da Igreja julgaram que não ficasse em silêncio um tão fabuloso fingimento, eu o quero referir pelas palavras de seu mesmo autor, que tiradas de Santo Epifânio, são estas: Illum, in eo quod portabat crucem, transformavit in suam speciem, et seipsum in Simonem, et prp seipso tradidit Simonem, ut crucifigeretur. Cum autem crucifigeretur, stabat ex opposito invisibilis Jesus, diridens eos, qui Simonem crucifigebant: ipse vero discessit ad caelestia(48). Quer dizer que, quando Simão levava a cruz às costas, Cristo o transformara em si, e pusera nele a sua semelhança, e deste modo o entregara para ser crucificado, e que no mesmo tempo o Senhor, feito invisível, estava defronte, rindo-se dos que crucificavam a Simão, cuidando que o crucificavam a ele, e que dali se fora para o céu. – Tal foi o desatino deste bruto com nome de racional, ao qual imitou outro da mesma fé e do mesmo juízo, chamado Marcos, e destes se derivaram os hereges basilidianos e os marcitas. Também negaram a morte e cruz de Cristo todos os já referidos, que lhe atribuíram corpo fantástico, ou celestial, ou divino, ou humano, mas impassível, tendo uns e outros por menos inconveniente admitir em Cristo este fingimento que a verdadeira morte de cruz, como se não fora maior indignidade em Deus o enganar que o morrer, pois o enganar é mentir, e o morrer amar. Nós, porém, confessando no Rosário, e pregando com S. Paulo: Christum, et hunc crucifixum (49) – não só degolamos esta feia e monstruosa heresia, mas a outra ainda maior que nela se encerra, com que juntamente negavam a salvação do mundo.
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V. Nos mistérios gloriosos, que são os últimos, também tem muito que fazer ou desfazer o Rosário. O da Ressurreição de Cristo foi o primeiro, e os primeiros hereges que o negaram foram os judeus, os quais, assim como lhe tinham comprado a morte, lhe quiseram também comprar a ressurreição. Deram dinheiro aos soldados que guardavam o sepulcro, para que dissessem que, estando eles dormindo, vieram os discípulos e o roubaram. Tal é a verdade das testemunhas como a fé dos que as compraram. Ou os soldados dormiam ou não dormiam: se não dormiam, como o deixaram roubar? E se dormiam, como viram que o roubaram? Já Davi disse que a maldade se mentia a si mesma: Mentita est iniquitas sibi (50) – mas que se minta e se creia, só na obstinação da heresia se acha. Todos os hereges que negaram a Cristo a morte Lhe negaram coerentemente a ressurreição, porque quem não morre não ressuscita. Mas o errar coerentemente, não é emendar o erro, é multiplicá-lo. Hereges na morte, hereges na ressurreição, e por isso dobradamente hereges. Até os que concedem a Ressurreição de Cristo, erram nela torpemente (51). Apeles disse que ressuscitara, mas não na mesma carne em que morrera, se não em outra. Outros, que refere Tertuliano, que ressuscitara sem corpo; outros que com corpo, mas sem sentidos. Cerinto, com nova e ridícula distinção, diz que o que morreu não foi Cristo, senão Jesus, e do mesmo modo o que ressuscitou também foi Jesus, e não Cristo. E para que não houvesse circunstância de ressurreição sem sua heresia, os armenos disseram que ressuscitara ao segundo dia, e não ao terceiro, e os cerintianos, que nem ao terceiro dia ressuscitara, nem ainda em seu tempo estava ressuscitado, mas que ressuscitaria depois. Tudo isto disseram as heresias; e o Rosário que diz? Diz o que dizem as Escrituras, às quais só no mistério da Ressurreição se refere o Símbolo: Et ressurrexit tertia die secundum Scripturas(52). Diz, pois, o Rosário que ressuscitou ao terceiro dia, e que se ressuscitou a si mesmo, como Deus que era. E com estas três cláusulas, em que consiste toda a fé da Ressurreição, assim como Cristo triunfou da morte e do inferno, triunfa ele de toda esta farragem de heresias.
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No segundo mistério, que é o da gloriosa Ascensão de Cristo, também deliraram muito os hereges, e por muitos modos. Alguns, como refere Santo Agostinho (53), disseram que só a alma de Cristo subira ao céu, e o corpo ficara na terra: donde se segue que nem na terra nem no céu estaria hoje Cristo. Na terra não, porque Cristo é corpo sem alma; no céu não, porque não é alma sem corpo. Os maniqueus só admitiam que Cristo subiu em forma corporal visível, mas até às nuvens somente, e que ali se resolvera em ar, e se desvanecera (54). Erro que depois abraçaram Brêncio e Ilírico, igualmente heréticos e blasfemos. Os seleucianos e hermianos, partindo a jornada da Ascensão, fingiram que Cristo subira em corpo e alma até o quarto céu, e que deixando o corpo no sol, dali se partira para o empíreo. Assim interpretavam o verso de Davi: In sole posuittabernaculum suum (55) – aos quais seguiu Hermógenes no mesmo fingimento. Porém, Fabro, com nova fábrica, e depois dele Lutero, Brêncio, Uvigando, Músculo, Smidelino, e toda a canalha de hereges de nosso tempo, dizem que nem Cristo subiu nem podia subir ao céu (56). O argumento com que o pretendem provar é tão falso e tão herético como o mesmo assunto. Subir é deixar um lugar mais baixo, e adquirir outro mais alto: Deus, a quem está unida a humanidade de Cristo, está em todo lugar; logo, também a mesma humanidade está em todo lugar, e quem está em todo lugar, não pode subir, porque não pode deixar um lugar e adquirir outro. Por este argumento se chamam estes hereges ubiqüitários, os quais, cuidando que diziam uma grande sutileza, disseram duas finíssimas heresias: uma que supõem, outra que inferem. Supõem que a união da divindade comunicou à humanidade de Cristo o atributo da imensidade; inferem que nem subiu nem podia subir ao céu: e estas duas heresias se degolam, quando menos, com quatro textos expressos. O primeiro de S. João: Ut transeat ex hoc mundo ad Patrem (57) – o segundo de S. Lucas: Et ferebatur in caelum (58) – o terceiro de S. Marcos: Assumptus est in caelum, et sedet a dextris Dei (59) – o quarto do mesmo Cristo: Ascendo ad Patrem meum, et Patrem vestrum (60). E isto é o que professa e protesta o Rosário.
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terceiro mistério glorioso é o da vinda do Espírito Santo, cujas línguas de fogo sempre queimaram e fizeram raivar os hereges. Cães raivosos, chama Santo Epifânio aos basilianos e georgianos, os quais, mordendo como Ário a Santíssima Trindade, quiseram tirar a divindade ao Espírito Santo, e lhe chamaram criatura: Velut rabiosi canes impudenter creaturam ipsum penitus decernunt, atque sic affirmant a Patre et Filio alienum esse (61). – O mesmo erro ensinou o impiíssimo Macedônio, e seus sequazes Eustátio e Lêusio, Maratônio, Aétio, e todos os semiarianos, e muito antes deles os simonianos e samaritas (62). E se perguntarmos a estes e outros semelhantes hereges que é o Espírito Santo, suposto que dizem que não é Deus, Macedônio disse que é o primeiro anjo superior no poder e autoridade a todos. Hierax, de quem tomaram o nome os hereges hieracitas, disse que era homem, e não outro senão aquele que nas Escrituras se chama Melquisedec (63). Mas esta heresia refutou Macário nos desertos do Egito com um argumento que não tem resposta (64). Foi lá um herege hieracita, muito erudito e eloqüente, a pregar esta falsa doutrina aos monges, e como eles não soubessem responder, porque não tinham estudado – Eu te responderei – disse Macário, que era o prelado. Mandou vir um morto em presença de todos, disse ao cadáver frio que em nome do Espírito Santo recebesse logo espírito de vida, e que sucedeu? Levantou-se subitamente vivo, falou o morto, e emudeceu o herege. Mas como não bastam milagres contra a obstinação herética, ainda vão as heresias por diante (65). Pedro Abailardo disse que o Espírito Santo era a alma do mundo; Donato disse que era Deus, mas menor que o Filho, como também o Filho menor que o Padre; e daqui nasceu a herética distinção dos que ao Espírito Santo chamam Deusmagnus, ao Filho Deus major, ao Padre Deus maximus (66). Exlaí, heresiarca e pseudoprofeta, com fábula mais ridícula, disse que o Verbo e o Espírito Santo ambos são filhos do Padre, só com a diferença no sexo (67). Finalmente, os mesmos basilianos, que foram os primeiros hereges contra o Espírito Santo, reconhecendo o seu erro, confessaram que o Espírito Santo verdadeiramente é Deus igual em tudo ao Padre e ao Filho, mas que o Padre e o Filho e o Espírito Santo não são três pessoas distintas, senão uma só. Tal é a cega condição dos hereges, que ainda quando acertam, não sabem emendar um erro sem outros. Sendo, porém, tantas e tão várias as heresias que o Rosário degola na confissão deste só mistério, ainda lhe resta hoje mais que degolar, porque, depois de estar convencida, pacífica e adorada em toda a Igreja a divindade do Espírito Santo por mais de mil e duzentos anos, Serveto e Valentino Gentil, e com eles Calvino, Beza, Melancton, e os outros hereges desta calamitosa idade, ou negam a divindade ao Espírito Santo, com que tornam a ser arianos, ou lha concedem com distinta pessoa e natureza, com que de novo são trietistas (68).
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Os mesmos, pois, que assim tratam a divindade do Esposo, como tratarão a glória da Esposa, que é a que só nos resta no quarto e quinto mistério? Dos hereges arianos, que negavam a divindade ao Verbo Eterno, e a concediam só ao Padre, disse elegantemente Santo Agostinho que cuidavam que não podiam honrar o Pai senão com afronta do Filho: Non se putant ad unici Patris gloriam nisi per unici Filii contumeliam pervenire. E nós podemos dizer dos hereges de nosso tempo que, parece, cuidam que não podem honrar o Filho senão com afrontas da Mãe, sendo certo que ao Filho diminuem a divindade, e à Mãe tiram totalmente a glória. Lutero, Calvino, Melancton, Brêncio, Buccero, Lossio, Sarcério, Culmano, Schenckio, e os demais – cumprindo-se neles a profecia das inimizades entre a serpente e a mulher que lhe havia de quebrar a cabeça – todos, como inimigos jurados da Mãe de Deus, a publicam blasfemamente por indigna de toda a honra, de todo o culto, de toda a veneração com que os católicos, muito menos do que suas prerrogativas merecem, a celebramos. Desde o mistério da Encarnação até o da Assunção gloriosa – que são todos os do Rosário – nenhuma ação há da soberana Virgem que não abatam, que não envileçam, que não mordam, que não roam, e em que não empreguem furiosamente os dentes venenosos estes filhos da serpente infernal. Não deixarei de dizer aqui uma só coisa que aprovou e lhe pareceu exemplar ao irreligiosíssimo Lutero. Em um sermão da Visitação, diz assim: Maria non sua causa Elisabetham adiit, nec aliam ob causam, quam ut praegnanti inserviret. Per hoc subruuntur omnia instituta, et ordines, qui eo tantum intendunt, ut sibi, non etiam aliis commodi sint (69): Maria – que tão simplesmente a nomeia – não foi visitar a Isabel por amor de si, senão para a servir a ela. E por esta ação ficam derrocados todos os institutos e ordens monacais que dentro dos claustros tratam só de si, e não dos outros. Isto, infame apóstata, isto é o que só louvas? Isto é o que só te agrada depois que com o hábito despiste a clausura, a religião, a fé, o juízo, a vergonha? Mas vamos ao ponto.
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Proibiu Lutero todas as festas da Virgem, Senhora nossa, e mais particularmente a de sua Assunção (70). E por quê? Porque, segundo os fundamentos da que ele chamou religião reformada, a mesma Mãe de Deus não teve maior santidade que qualquer outra criatura humana, ainda que fosse tão pouca santa como o mesmo Lutero. São palavras expressas suas: Tam nos sancti sumus, atque Maria, si modo in Christum credamus (71): Qualquer de nós é tão santo como Maria, contanto que creiamos em Cristo. Pode haver mais atrevida e mais descarada blasfêmia? O fundamento desta e das demais, tão abominável como elas, é dizerem as seitas de Lutero e Calvino que o céu não se dá por merecimentos, que pelas boas obras não se adquire graça ou santidade, que só a fé, ainda que faltem todas as outras virtudes, faz justos, e que os justos no céu todos são iguais, porque a glória se dá só pelo sangue de Cristo, o qual se derramou igualmente por todos (72). Daqui se seguem duas conseqüências notáveis contra a Assunção e Coroação da Virgem, Senhora nossa. A primeira, que a Mãe de Deus no céu não teria maior glória, nem melhor lugar que qualquer outro bem-aventurado, porque todos se Lhe igualam. A segunda, que a mesma Mãe de Deus ainda não está nem pode estar no céu, porque sem a fé luterana e calvinística – como eles ensinam – ninguém se pode salvar; e sendo a fé da Virgem Maria a maior de todas, é certo, e de fé católica, que não teve tal fé como a sua. Mas não são necessárias conseqüências para inferir esta heresia, porque o mesmo Lutero e Calvino dizem expressa e declaradamente que ninguém até hoje entrou no céu, exceto só a pessoa de Cristo, Senhor nosso, e que todos os outros estão de fora, esperando pelo dia do Juízo final, entrando também nesta conta a própria Mãe de Cristo (73). Porém, a mesma Senhora, que sabia isto melhor que Lutero e Calvino, com a experiência de mil e duzentos anos, quando instituiu o Seu Rosário, só com introduzir nele os dois mistérios de Sua gloriosa Assunção e Coroação, igualmente degolou no mesmo Rosário a temeridade blasfema desta heresia, como a impiedade de todas as outras: Cunctas haereses sola interemisti in universo mundo.
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VI. Desta maneira refuta e degola as heresias a parte mental do Rosário, que são os mistérios; e não com menos eficácia, antes mais declaradamente faz o mesmo a parte vocal, que são as orações de que é composto. E, antes que desçamos ao particular de cada uma, digo que as mesmas orações do Rosário, por si só e geralmente tomadas, são uma protestação universal da fé católica, com que detestam e condenam todas as seitas e heresias contrárias. Notai muito a razão deste dito, que, sendo evidente, não é vulgar. A razão é porque toda a religião ou seita diversa se funda em diferente fé, toda a diferente fé se funda em diferente esperança, e toda a diferente esperança pede diferente oração, porque cada um pede conforme espera, e cada um espera conforme crê. Porque ensinou Cristo, Senhor nosso, a seus discípulos uma tão diversa e tão nova forma de orar, como é o Padre-nosso? Por isto mesmo. Porque como instituía uma religião nova e diversa de todas, era necessário que também a forma de orar fosse nesta religião nova e diversa. É altíssimo pensamento do doutíssimo Maldonado da nossa companhia o qual para mim, se não é o intérprete que melhor penetrou nas Escrituras, não têm elas outro que as interprete melhor: Quisquis unquam religionem mutavit, et orandi rationem mutavit. Nec ulla fuit nunquam religio, quae non certam supplicandi Deo rationem haberet(74): Ninguém mudou nunca a religião que não mudasse também a oração, e não houve também religião alguma diversa que não tivesse modo de orar a Deus também diverso – assim a diz este grande autor. E depois de o provar com o exemplo de Cristo e de seu precursor na mudança da lei de Moisés à lei da graça, o confirma com a autoridade dos santos padres, que assim o advertiram e notaram na mudança que fizeram todos os heresiarcas nas orações da Igreja todas as vezes que mudaram a fé. Os arianos, como notou Santo Atanásio, os valentinianos, como notou Santo Irineu, os marcionistas, como notou Tertuliano, os maniqueus e donatistas, como notou Santo Agostinho, e todos, finalmente, como notou Santo Epifânio, fazendo hoje o mesmo, como é notório, os luteranos e calvinistas (75). De sorte que as orações do Rosário, só por si mesmas e por serem próprias da Religião Católica, são uma protestação geral da verdadeira fé, com que também geralmente se confundem, refutam e degolam todas as seitas e heresias contrárias.
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Agora desçamos em particular à consideração das mesmas orações, e vejamos como em todo o Padre-nosso e Ave-Maria não há cláusula ou palavra em que se não refute alguma ou muitas heresias. Farei esta demonstração mais correndo que discorrendo, pois a brevidade do tempo não dá lugar a maior detenção.
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Pater noster. Esta palavra com que chamamos a Deus pai, ou se pode considerar com respeito à geração eterna, ou por ordem à criação temporal, que por isso acrescentamos nosso. Enquanto à geração eterna protestamos que o Eterno Padre tem Filho, que é o Verbo Eterno, e com esta protestação, supondo já degolados os ateístas, degola o Rosário a Praxeas, a Noeto, a Sabélio, a Paulo Samosateno, a Fotino, a Ário, e a Eunômio, os quais, ou não distinguiam a pessoa do Filho da pessoa do Padre, ou negavam que fosse gerado da mesma natureza divina (76). Enquanto à criação temporal, professa a nossa fé e reconhece a Deus por único criador do céu e da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis, não produzidas de alguma pressuposta matéria, mas criadas por Sua onipotência do nada; e com esta protestação não só degola o Rosário os estóicos, os platônicos, os pitagóricos, os epicureus, que foram os hereges da lei da natureza e os patriarcas de todas as heresias, como lhes chama Tertuliano (77), mas também, e mais particularmente, os que depois de Cristo os imitaram nas mesmas cegueiras e acrescentaram outras maiores, os simonianos, os menandrianos, os basilidianos, os valentinistas, os marcionistas, e por vários e novos erros dogmatizaram ao contrário, e, entre todos, os brutíssimos maniqueus, que com tão ignorante fé como herética filosofia, dividiram a primeira causa em dois princípios ou deuses: um, a que chamaram autor do bem, e outro do mal, dizendo que o bom criara a alma, o mau o corpo; o bom o dia, o mau a noite; o bom a saúde, o mau a enfermidade; o bom a vida, o mau a morte (78).
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Qui es in caelis. Deus tanto está no céu como na terra, e em todo o lugar; mas dizemos que está no céu porque no céu, como em Sua própria corte, se manifesta visivelmente a todos os bem-aventurados. E posto que o céu empíreo seja um só céu, chama-se, contudo, céus – in caelis – para maior declaração de Sua grandeza e majestade, assim como Jerusalém, que era a corte de Deus na terra, se chamava Jerosolimas. E com a propriedade e significação singular desta palavra, degola nela o Rosário a heresia de Saturnilo e Basilides, os quais diziam que os céus eram trezentos e setenta e cinco, criados, não por Deus, senão por outros tantos anjos, e que no último e ínfimo de todos morava o Deus dos judeus (79). Novo erro, e segunda e maior heresia, porque o Deus que entre os judeus se chamava Deus de Abraão, Deus de Isac e Deus de Jacó, é o mesmo Deus que os cristãos cremos e adoramos, então mais conhecido pela unidade da essência, como hoje pela unidade da essência e pela Trindade das Pessoas.
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Sanctificetur nomen tuum. Em dizer que seja santificado o nome de Deus, detestamos a mais atroz e horrenda heresia, com que entre os hereges setentrionais é profanado e blasfemado Seu santíssimo nome. Zuínglio, Calvino e Beza dizem que Deus quer que os homens pequem, e queab aeterno decretou que pequem, e que os obriga a que necessariamente pequem, e que não possam deixar de pecar, ainda que quisessem. Donde se segue, como douta e largamente demonstra Belarmino, que na sentença impiíssima destes mais ateus que hereges, Deus é a causa do pecado e de todos os pecados, e que quando os homens pecam, Deus é o que mais própria e mais verdadeiramente peca que os mesmos homens (80). E como a santidade e a puríssima e infinita santidade de Deus é a que mais se opõe ao pecado, de nenhum modo mais e melhor pode detestar a atrocidade desta blasfêmia e a maldade mais que diabólica desta heresia, que dizendo e repetindo, como diz uma e muitas vezes o Rosário: Sanctificetur nomen tuum.
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Adveniat regnum tuum. O mais próprio sentido desta petição é pedirmos que acabe de chegar o reino de Cristo, que será na Sua segunda vinda, quando vier a julgar vivos e mortos, já todos vivos pela ressurreição universal. Assim o diz em próprios termos S. Paulo: Per adventum ipsius, et regnum ejus (81) – e o mesmo Cristo aos discípulos: Donec videant Filium hominisvenientem in regno suo (82). E a protestação deste artigo de fé que fazemos no Rosário degola duas insignes heresias mais antigas que modernas. A primeira, que negava o Juízo universal, e foi dos barborianos, gnósticos, florianos, maniqueus e proclianistas. A segunda, que negava a ressurreição também universal, que foi de Himeneu e Fileto, de Valentino e Apeles, de Marco, Cedron e Almarico, dos caianos, dos ofitas, dos marcionistas, dos severianos, dos seleucianos, dos arcônticos, e outros (83).
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Fiat voluntas tua sicut in caelo et in terra. Observa nestas palavras S. João Crisóstomo que não dizemos a Deus: fazei, Senhor, a Vossa vontade em nós – ou façamos nós a Vossa vontade, senão, fiat; seja feita; e com que mistério? Para confessarmos que o fazer a vontade de Deus não depende só de Deus, nem só de nós, senão do seu e do nosso concurso juntamente. Do seu, por meio da Sua graça, do nosso, por meio do nosso alvedrio, porque, como douta e elegantemente disse S. Bernardo: Tolle liberum arbitrium, non erit quod salvetur; tolle gratiam, non erit unde salvetur (84). E com esta protestação degolamos de um golpe outras duas fortíssimas heresias: a dos pelagianos, que negavam a necessidade da graça, e a dos luteranos e calvinistas, que negam a liberdade do alvedrio. Em negarem o livre alvedrio, negam totalmente o ser humano; e assim era necessário que o fizessem em boa conseqüência, porque só deixando primeiro de serem homens podiam cair em erros tão irracionais e tão brutos.
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Panem nostrum quotidianum da nobis hodie. Aqui pedimos a Deus, como Pai do céu, o sustento temporal e espiritual necessário para esta vida e para a outra; e na confissão desta paternal e universal providência, detestamos aquela heresia tão assentada entre os filósofos gentios, e não abjurada totalmente entre os cristãos, com que eles criam que havia fortuna e fados, e nós, ainda que o não creiamos, nos queixamos dela, como se a fortuna, e não Deus, fora a que reparte o pão, dando tão pouco a uns, e tanto a outros (85).
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Et dimitte nobis debita nostra. Nesta grande e importantíssima cláusula rogamos a Deus que nos perdoe nossos pecados, com detestação e arrependimento deles. E que homem haverá com nome de cristão que negue ser este ato, ou dentro ou fora do Sacramento, louvável e de verdadeira penitência? Mas, sendo esta a que faz tremer o demônio e a que despoja o inferno, foi tão infernal e mais que diabólico o espírito de Lutero, que se atreveu a dizer que semelhante contrição faz ao pecador hipócrita e mais pecador: Haec contritio facit hypocritam, et magis peccatorem (86). – O mesmo professa toda a escola cega e torpe deste infame mestre, Melancton, Beza, Tilemana, Kemnício, e com seu colega Calvino, toda a outra sentina dos hereges de nosso tempo. Acrescentamos, para mover a misericórdia divina a que nos perdoe, o perdão que também nós damos a nossos inimigos: Sicut et nos dimittimus debitoribus nostris – e sendo este o maior ato da caridade cristã, também a esta heróica obra, como a todas as boas e de virtude, negam os mesmos hereges o valor e merecimento, chegando a dizer que todas são injuriosas à satisfação do mesmo Cristo, que nos ensinou a orar assim, com que eles e todas estas heresias ficam degoladas.
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Et ne nos inducas in tentationem. Aqui nos ensinou o mesmo Senhor a desconfiar de nossa fraqueza, e recorrer a Seu auxílio e graça para não cair em tentação. Mas, assim como antigamente Pelágio tinha escrito que para resistir as tentações não era necessária a graça de Deus, e bastavam as forças do alvedrio humano, e assim como Joviniano disse que o homem legitimamente batizado não podia ser vencido das tentações do demônio, assim, e com mais abominável erro, e com furor e arrojamento verdadeiramente infernal, ensinam os mesmos luteranos e calvinistas que nem a constância nas virtudes ajuda, nem a fraqueza e caída nos vícios impede a salvação (87). E se pedirmos a razão a estes brutos – como o bruto de Balaão lha pediu a ele, que também era herege – respondem os libertinos, como discípulos da mesma escola, que as ações dos homens todas são indiferentes, e que nelas não há bem nem mal. Mas esta estólida heresia degola, como as demais, o Rosário, concluindo com a última cláusula do Padre-Nosso: Sed libera nos a malo.
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VII. Passando à oração da Ave-Maria, logo nas primeiras palavras e como na vanguarda, se opõe contra o sagrado uso e exercício dela um exército de hereges armados de cegueira, de impiedade, de furor, de blasfêmia. Calvino, Pomerano, Brêncio, Bucero, Pelicano, Belingero, Marbáquio, Uvigando, e outros, todos condenam aos católicos o uso da Ave-Maria, dizendo que esta oração é supersticiosa, porque nela louvamos e engrandecemos tanto a Senhora, que de criatura a fazemos deusa. As palavras do último que nomeei são estas: Qui Mariam hac salutatione compellant, in crimen superstitionis incurrunt, quia contra Dei verbum ex creatura faciunt deam, et Mariae divinitatem ascribunt (88). Só o testemunho desta calúnia, em que se conjuraram tantos, basta para conhecer quem são os hereges, e a temeridade, a mentira, e a ignorância brutal de quanto dizem. De maneira que, porque repetimos o que disse o anjo e o que disse Santa Isabel à Virgem Maria, somos supersticiosos, e porque pedimos à mesma Senhora que rogue por nós a Deus a fazemos deusa? Mas porque a futilidade blasfema desta heresia se degola por si mesma, triunfe sobre ela o Rosário, mais desprezando-a que convencendo-a, e faça cada católico raivar tantas vezes cada dia a todos os hereges quantas são as que nele se repete a mesma Ave-Maria.
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Gratia plena. Saudamos como o anjo a Virgem, Senhora nossa, com o nome de cheia de graça, excelência tão sublime que, trazendo-Lhe a embaixada do anjo o título de Mãe de Deus, é maior ainda o nome da saudação que o título da embaixada. Três coisas ensina a fé católica acerca da graça. A primeira, que é um hábito sobrenatural inerente na alma, e não distinto realmente da caridade, o qual faz ao homem grato a Deus, e por isso justo e santo. A segunda, que não consiste a graça na fé, posto que a supõe, e muito menos na fidúcia ou confiança posta só nos merecimentos de Cristo, o qual de nenhum modo pode justificar a alma. A terceira, que só à graça é devida a glória, e que sem graça ninguém, por mais obras, moral ou materialmente, boas que faça, se pode salvar. Isto é o que ensina a fé, e o que protesta o Rosário, e por isso nas duas primeiras protestações degola as heresias dos luteranos e calvinistas, que são as modernas, e na terceira as dos pelagianos e celestinos, que são as antigas (89).
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Dominus tecum. O sentido e energia enfática com que o anjo disse à Senhora estas palavras, diz Santo Agostinho que foi esta: Dominus tecum, sed plusquam mecum: O Senhor é convosco, mas muito mais convosco que comigo. – E por quê? In me enim, licet sit Dominus, memetipsum creavit Dominus; per te autem genitus est Dominus: Porque comigo está o Senhor que me criou, e convosco está o Senhor que vós gerastes. O mesmo dizemos e confessamos nós quando dizemos na Ave-Maria: Dominus tecum – e quantas vezes repetimos esta confissão tantas degola o Rosário a blasfêmia e sacrílega heresia de Nestório, o qual, não podendo negar a divindade de Cristo, para apartar o Filho da Mãe, e o Dominus do tecum, que fez (90)? Confessando o mesmo todo, dividiu as partes e os tempos, e com invento mais que diabólico veio a dizer que o Senhor nascera da Virgem Maria homem, que depois por seus merecimentos no batismo recebera o ser Cristo, e que finalmente pela morte que padecera alcançara depois da ressurreição o ser Deus. Isto se atreveu a pronunciar aquela execranda língua, a qual, porém, na vida foi comida de bichos, e na morte não sofrendo a terra em si tão abominável cadáver; subitamente se sumiu nela, e foi sepultado no inferno.
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Benedicta tu in mulieribus. Aqui dizemos que é a Virgem Maria bendita entre todas as mulheres, não só para declarar a excelência e dignidade infinita com que excede a todas, mas para confessarmos que foi mulher. E por que razão em coisa tão manifesta? Porque também é necessária esta confissão para degolar duas heresias. A primeira de homens, que foram os coliridianos, os quais diziam que a Virgem Maria não fora mulher, senão Deus; a segunda de mulheres, que foram as da Arábia, Trácia e Cítia, as quais, como refere Santo Epifânio, adoravam a mesma Senhora como deusa, e lhe ofereciam sacrifício (91). Parece que mereciam algum perdão estas heresias, pela devoção e afeto com que foram inventadas, mas onde não há verdade não pode haver devoçãoPor isso a do Rosário excede facilmente a todas, porque não só é solidamente verdadeira, mas destruidora de todos os erros.
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Benedictus fructus ventris tui Jesus. Nestório, e os hereges geralmente chamados anticomarianitas, ou antimarianos, que quer dizer inimigos ou contrários de Maria, dizem que morou Deus em suas entranhas como em casa, ou assistiu nelas como em templo, no qual, porém, se entra e sai, mas não se recebe dele o ser (92). Outros, como o raio de luz que passa sem lesão pela vidraça, mas nasce no céu e do sol. Outros, finalmente, como a água do canal, ou no rio que passa por ele sim, mas tem o seu nascimento na fonte. E por mais que esta heresia se explique por tantos modos plausíveis e aparentes, todos eles degola o Rosário, dizendo:Benedictus fructus ventris tui Jesus. Assim como o fruto nasce da árvore, e da substância da árvore recebe o ser, assim o Filho de Deus, que é o rio da fonte, e o raio do sol, e o herdeiro da casa, e o Senhor igualmente do templo, de tal maneira morou nas entranhas de Maria, que delas, como verdadeiro fruto, recebeu a substância e o ser, e delas, como verdadeiro Redentor, recebeu o sangue, que foi preço infinito da Redenção pela qual se chama Jesus: Et benedictus fructus ventris tui Jesus.
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Sancta Maria. Implacável é o ódio com que os hereges perseguem, e as calúnias com que procuram escurecer a santidade da Virgem Santíssima, argüindo pecado onde nunca houve, nem pode haver, nem a mais venial sombra dele. Assim o fazem em vão Lutero, principalmente, e Calvino, e todos seus discípulos, não só ímpios contra a fé, mas ingratos à mesma Senhora, segundo suas próprias seitas (93). Em certo modo mais obrigação tinham estes hereges de ser devotos da Virgem, Senhora nossa, que os católicos. Porque a Virgem Maria foi Mãe de um Filho tão benigno e liberal para com eles – segundo eles dizem – que, dando-lhe licença para viverem em todos os vícios, sem mais arrependimento nem penitência, contanto somente que o creiam, lhes promete o céu. E para conosco, os católicos, é tão justo e severo juiz o Filho da mesma Senhora, que não bastando a nossa fé, com ser a verdadeira, para nos salvar; basta um só pecado sem arrependimento para nos lançar no inferno. Pois, se tanto devem os hereges ao Filho desta Mãe, por que a perseguem tanto? Porque conhecem, ainda que o dissimulem, a verdade da doutrina católica, e como sabem que o Filho da mesma Senhora os há de condenar sem dúvida, por isso têm tão grande ódio à Mãe. Estes mesmos, pois, que tão blasfemamente querem pôr mancha na santidade sempre imaculada da Virgem Maria, são também os que tornaram a ressuscitar em nossos tempos, e atirar outra vez do inferno, onde já estava sepultada com ele, a heresia de Nestório, negando à mesma Senhora a própria e verdadeira maternidade do Filho de Deus e seu. Mas assim como o Rosário degola aquela heresia, dizendo: Sancta Maria, assim torna a degolar esta, acrescentando: Mater Dei.
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Ora pro nobis peccatoribus. Esta tão piedosa deprecação impugnam também os hereges, e que hereges? Quem esperara tal juízo de uma cabeça coroada, e da coroa que maior obrigação tem de ser católica? O imperador Constantino Coprônimo passou um decreto, que dizia assim:Ne Mariae quidem intercessionem quisquam petat, neque enim illa juvare quemquam potest (94): Ninguém peça a intercessão de Maria, porque ela não pode ajudar a ninguém. Eis aqui, novo Herodes das almas, para que Deus te deu esse poder: para que o tirasses a sua Mãe. Não debalde mereceste na pia o sujo e infame sobrenome de Coprônimo, profanando as sagradas águas do batismo em portentoso prognóstico de tuas impiedades, blasfêmias, heresias e artes mágicas, chegando a pactuar com os demônios de fazer cruel guerra aos santos. Acabou a vida este monstro abrasado em fogo de suas próprias entranhas, e confessando a gritos que vivo estava já entregue aos incêndios eternos pelo que tinha feito contra a Virgem Maria: Adhuc vivens inextinguibili igni traditus sum propter Mariam (95). E porque seus infames ossos não descansassem em melhor sepultura, o imperador Micael os mandou desenterrar; e em dia de grandes festas queimar publicamente (96). Assim castiga as injúrias de sua Mãe o mesmo Deus, que tanto sofre e dissimula as suas. Mas a protérvia e obstinação herética, nem com a paciência se abranda, nem com o castigo se emenda. Constantino não teve a quem imitar mais que a Vigilâncio, e teve depois por imitadores os petrobrosianos, os cátaros, os tabaritos, e, em nossos tempos, a todos os calvinistas e luteranos, que tantas e tão nobres partes da Europa têm infeccionado com esta peste. Merecedores justamente de que vivam e morram nas trevas de sua cegueira, pois proíbem o recurso à fonte donde nasceu a luz.
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Nós, porém, ó Mãe de Deus, e advogada única dos pecadores, protestando a verdade desta fé, confirmada com tantos benefícios de Vossa poderosíssima intercessão, prostrados humildemente a Vossos santíssimos pés, todos com a voz e com o coração Vos dizemos: Ora pro nobis peccatoribus. E acrescentamos: Nunc, et in hora mortis nostrae, porque não só na vida, mas na morte, e depois dela, reconhecemos dever à mesma intercessão e amparo Vosso a indulgência das penas do Purgatório, e a glória eterna do céu. Negaram o purgatório os hereges aérios, os uvaldenses, os chamados apostólicos, as uviclefistas, os hussitas, os albigenses, e para que em nada deixassem de errar, também Lutero e Calvino com todos seus sequazes; negaram a imortalidade das almas os saduceus, os psíquicos, os arábicos, os hermanianos, e todo o antigo e bestial rebanho de Epicuro, e o moderno dos ateus (97). Porém nós, que ensinados não só da fé, mas da experiência e da razão, cremos que as almas são imortais, e que os pecados cometidos na vida, ou se purgam depois da morte com satisfação temporal, ou se castigam sem fim com pena eterna. Na mesma cláusula com que dizemos à Virgem Santíssima: Ora pro nobis peccatoribus nunc, et in hora mortis nostrae – detestamos e confundimos estas duas perniciosíssimas heresias, e com a mesma detestação acaba de degolar o Rosário assim as que pertencem à parte mental do que medita, como à vocal do que reza.
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VIII. Mas, posto que as heresias referidas e detestadas sejam tantas e tão várias, como a obrigação do meu assunto é mostrar que a Virgem, Senhora nossa, por meio do seu Rosário, não só matou muitas, senão todas: Cunctas haereses sola interemisti, parece que contra a generalidade desta proposição se estão opondo nesta mesma Igreja e seus altares três exceções evidentes: a das cruzes, e das imagens, e a da real e verdadeira presença de Cristo no diviníssimo Sacramento. Confesso que os erros e heresias que encontram estes três atos da Fé e Religião Católica – que são nos templos da cristandade os mais públicos – ainda até agora as não degolou o Rosário, mas é porque ainda o não consideramos todo.
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Primeiramente, quem viu jamais Rosário sem cruz? Nem há Rosário sem cruz, nem cruz no Rosário bem rematada sem medalha. Com a cruz degola o Rosário a heresia dos paulicianos, dos bruissianos, dos uviclefistas, dos bogomiles, porque estes, como os calvinistas e protestantes em nossos dias, derrubam, quebram e desterram as cruzes, as quais nós, pelo contrário, em memória e figura da sacratíssima Cruz em que Cristo padeceu e nos remiu, adoramos com suma veneração (98). E com as medalhas, ou sejam do mesmo Cristo, ou da Virgem, Senhora nossa, ou de qualquer outro santo de nossa devoção, degola do mesmo modo o Rosário a heresia de Carolstádio, de Uviclef, de Lutero, de Zuínglio, de Calvino, e dos mais, por isso chamados iconômacos, os quais negam e proíbem o culto e veneração das sagradas imagens, como dantes o tinham proibido os judeus no Talmud e os maometanos no Alcorão, que de tais mestres tais discípulos. Chamam impiamente a este culto idolatria, sendo piedade, religião e parte da mesma fé, definida pelos Concílios, canonizada com os templos, altares e votos, usada dos santos padres em todas as idades, e confirmada com infinitos milagres.
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Resta só a protestação do Santíssimo Sacramento no Rosário, a qual de indústria reservei para este último lugar, estando no mesmo Rosário mais expressa que todas:Panem nostrum quotidianum da nobis hodie. Pedimos nestas palavras o sustento temporal e espiritual para o corpo e para a alma, e no espiritual e da alma o primeiro e principal, e mais substancial de todos, que é o corpo de Cristo, o qual verdadeiramente comemos no diviníssimo Sacramento. Assim o declarou o mesmo Cristo na mesma oração do Padre-Nosso, dizendo por S. Mateus: Panem nostrum supersubstantialem(Mt. 6,11). Chama-se pão, porque se nos dá debaixo de espécies e acidentes de pão. Chama-se nosso, porque é próprio dos fiéis e filhos da Igreja Católica. Chama-se quotidiano, porque todas os dias se consagra e oferece no sacrossanto sacrifício da missa. E chama-se, finalmente, sobre-substancial, porque excede infinitamente a todas as substâncias criadas, dando-se nele a do mesmo Criador. Isto é o que confessa e protesta o Rosário expressamente naquelas soberanas palavras, não se achando tão expressa protestação do Santíssimo Sacramento em nenhum símbolo da fé. Os símbolos da fé são três. O dos apóstolos, composto por eles no princípio da primitiva Igreja, que é o que ordinariamente repetimos; o símbolo Niceno, decretado dali a trezentos anos no Concílio de Nicéia, em que se ajuntaram trezentos e dezoito bispos, que é o que se canta na Missa; e o símbolo de Santo Atanásio, em que se contém a confissão da sua fé, declarada não muito depois, e aprovada em Roma, que é o que todos os domingos se lê na reza eclesiástica.
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Agora pergunto, e perguntarão todos com muita razão, se em todos estes símbolos, e em cada um deles se contém o que crê a Fé Católica, e o Santíssimo Sacramento do altar é por antonomásia o Mistério da Fé (99), por que se não faz expressa menção dele em algum dos mesmos símbolos, ao menos no segundo e no terceiro? A razão é, como consta de todas as histórias eclesiásticas, porque tendo reduzido os apóstolos o primeiro símbolo ao que era somente preciso para a pregação universal do mundo, por ocasião de algumas heresias que de novo se foram levantando na Igreja, foi necessário declarar com maior distinção e formalidade nos outros símbolos o que só virtualmente se continha no primeiro. Não houve, porém, esta necessidade – ponto verdadeiramente digno de grande reparo, e tanta consolação para os católicos como confusão para os hereges – não houve, digo, esta necessidade na fé do Santíssimo Sacramento. E por quê? Porque desde seus princípios esteve tão firmemente crida e tão estabelecida entre todos os cristãos a verdade deste altíssimo mistério que em espaço de setecentos anos não houve quem o pusesse em questão, e nos trezentos e cinqüenta anos seguintes só houve um homem na Igreja grega, e outro na Latina, que em diversos tempos o duvidaram, até que no ano de mil e cinqüenta do nascimento de Cristo, o impiíssimo Berengário – que comumente se reputa pelo heresiarca deste erro – se atreveu a querer defender publicamente que o corpo de Cristo não estava no Sacramento. E, posto que uma vez caído, outra relapso, e de ambas as vezes convencido, abjurou Berengário a sua heresia; assim abjurada por seu próprio inventor, a ressuscitaram no século passado, e a seguiram Lutero e Calvino, não conformes porém então, senão divididos em duas seitas. Lutero, mais moderado, confessa que no Sacramento está o corpo de Cristo, mas diz que juntamente está pão, e Calvino, totalmente cego e impudente, só diz que está ali pão, e de nenhum modo o corpo de Cristo.
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Estas são as duas heresias que hoje permanecem entre luteranos e calvinistas, com igual injúria e dano da cristandade, as quais finalmente degola o Rosário confessando e protestando com a fé católica que de pão não há no Sacramento mais que os acidentes, e o que dantes era a substância dos mesmos acidentes, por milagrosa e verdadeira transubstanciação, está ali convertida na substância do corpo de Cristo, que é o que cremos e adoramos naquela Hóstia consagrada. Assim que o Rosário entendido, meditado, e rezado na forma em que foi instituído pela Virgem Maria, Senhora nossa, é uma protestação da fé católica, tão universal juntamente, e tão particular, que mais expressamente se refutam nele muitas heresias, e mais extensivamente todas, que em todos os três símbolos da mesma fé. E desta maneira se verifica gloriosamente do mesmo Rosário que por meio dele degolou a Virgem Maria, e ela só, as heresias de todo o mundo: Cunctas haereses sola interemisti in universo mundo.
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IX. Tenho acabado, fiéis, o meu discurso. E, pois, ele, por haver sido tão dilatado, não permite larga peroração, eu o resumo a três palavras. A primeira, que à vista de tantas e tão enormes heresias, não só alheias da fé, mas de todo o entendimento e juízo, conheçamos quando escurece o lume da razão a cegueira dos vícios – que são as raízes donde todas elas nasceram – e demos infinitas graças a Deus por em tempos tão contagiosos ter livrado a nossa pátria desta peste, da qual ela se conservará pura e sem lesão, enquanto a licença dos mesmos vícios, que tanto crescem, não provocarem o céu a semelhante castigo.
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segundaque não faltemos jamais no santo exercício do Rosário, oferecendo-o a Deus e a Sua Santíssima Mãe, não só como tributo da nossa devoção e piedade, mas como protestação da nossa fé, e como um público sinal e testemunho dela. Quando o Concílio Antioqueno condenou a heresia de Ário, que tão grande cisma tinha causado na Igreja, tomaram por empresa os católicos, para se distinguir dos arianos, trazer ao pescoço as definições do mesmo Concílio em sinal da sua fé: Tanquam symbolum fidei, ut se catholicos, et non arianos esse profiterentur – diz, referindo este antigo exemplo, Maldonado (100). O qual acrescenta pia e doutamente que ao mesmo fim devemos nós trazer em público o Rosário, porque só ele basta para protestação da fé que professamosQuemad modum, si quae vulgo Rosaria vocant, quibus precari sacram Virginem salemus, laco torquis ad collum geras, ut ostendas te non haereticum, sed catholicum esse.
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terceira e última palavra é que estejamos muito confiados e certos que esta nossa protestação será mais agradável a Deus, porque nela mostramos que somos Seus, e da Sua parte, e seguimos a bandeira da Sua fé em tempo que tantos a negam. Por que foi tão estimada a fé de Tobias? Porque, quando os outros iam adorar os ídolos de Jeroboão, ele fazia as suas romarias ao Templo de Jerusalém. Por que prometeu Cristo o paraíso ao ladrão, e lho deu de contado no mesmo dia? Porque, quando todos O negavam e blasfemavam, ele O confessou à vista de todos. E, finalmente, por que é tão louvada e celebrada Marcela, a mulherzinha humilde do Evangelho? Porque, quando os escribas e fariseus caluniavam a santidade e divindade do mesmo Senhor, ela levantou a voz em Sua defensa. Façamos nós o mesmo com o Rosário na boca, no coração e nas mãos, e com esta pública protestação da fé católica confundiremos e degolaremos as heresias passadas e as presentes, assim como ela degolou e confundiu as presentes e as futurasUt et praesentium procerum calumniam et futurorum confundat haereticorum perfidiam.
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Notas:
(1) Uma mulher, levantando a voz do meio do povo, lhe disse: Bem-aventurado o ventre que te trouxe, e os peitos a que foste criado (Lc. 11,27).
(2) Ele expele os demônios em virtude de Belzebu, príncipe dos demônios (Ibid. 15).
(3) Bem sei que és o Santo de Deus (Mc. 1,24).
(4) Suar. in 3 part. tom. 2 disput. 19, sect. I
(5) Cornelius in cap. 3 Genes. v. 15.
(6) August. Chrysost. Athan.. Irineus, Iib. 1, cap. 9 et lib. 2, c. 57.
(7) Lutherus citatus a Cornel. in epist. ad Tim. cap. 4, v. 1.
(8) Cassianus, collat. 7, c. 32.
(9) Em qualquer dia que comeres dele, morrerás de morte (Gên. 2, 17).
(10) Bem podeis estar seguros que não morrereis de morte (Gên. 3, 4).
(11) August lib. II de Genes. ad literam c. 1 et 24, et lib. 14 civit. cap. 7. Idem docent S. Ignatius ad Trallianos, Irin. lib. 3, cap. 37. Hilar. in Matth. 3, Epiphan. Haeres. 39, Ambros, Cyrill, etc.
(12) Gregor. IX in Bulla Canonizat. S. Dominici.
(13) A1anus a Rupe in Hist. Dominic.
(14) Que de dois fez um (Ef. 2, 14).
(15) Matando as inimizades em si mesmo, para formar os dois em um, e para reconciliá-los a ambos (Ibid. 15 s)
(16) Não há distinção de judeu e de grego (Rom. 10,12).
(17) Luther. in comment c. 1 ad Galat.
(18) Eu recebi do Senhor o que também vos ensinei a vós (1 Cor. 11,23).
(19) Eu vos louvo, pois, porque guardais as minhas instruções como eu vo-las ensinei (Ibid. 2).
(20) Conservai as tradições que aprendestes, ou de palavra, ou por carta nossa (2 Tes. 2,14).
(21) Calvinus, Brencius, Kemnitius, Hamelmanus, apud Bellarmin. de Verbo Dei Scriptio, cap. I
(22) Vide Baronium et Spondanum sub iisdem nominib. et Suarium disp. 7, sect. 2 et 3, tom. 1, in 3 par.
(23) No qual todos pecaram (Rom. 5,12).
(24) August. advers. Julian.
(25) Ita Bellarmin. tom. 2, lib. 1, c. 6, pág. 233.
(26) Epiph. haeresi 30.
(27) E sendo reconhecido na condição como homem (Flp. 2, 7).
(28) Ex Epiphanio, D. Hieronym. Bellar.
(29) Na sarça ardente, vista por Moisés, reconhecemos tua santa e inviolável virgindade.
(30) Omnes isti citantur pro eo tempore a Baronio, et ex eo a Spondano in Apparatu pág. 2 et 3.
(31) Eis aqui está posto este menino para ruína e para salvação de muitos em Israel, e para ser o alvo a que atire a contradição (Lc. 2,34).
(32) Ouvindo-os, e fazendo perguntas (Lc. 2, 46).
(33) Ita de illis Epiphanius.
(34) Ita de his Bellarmin.
(35) Tertul. relatus a Mald. in cap. 1 Matt.
(36) D. Ambr. in Psalm. 118, Sermon. II; D. Aug. Serm. 107 de tempor.
(37) E ajuntou-as umas às outras pelas caudas, e no meio atou uns fachos (Jz. 15, 4).
(38) Epiph. Haeresi 22, Bellarm. de Christo lib. 3, cap. 1.
(39) Suares, part. 1, disp. 32, sect. 1.
(40) Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas (Is. 53,4).
(41) Bellarm. lib. 4, c. 8.
(42) Se é possível, passe de mim este cálix (Mt. 26,39).
(43) Não se faça, contudo, a minha vontade, senão a tua (Lc. 22, 42).
(44) Bellarminus in praefatione ad libros de Christo.
(45) Deus te salve, rei dos judeus (Mc. 15. 18).
(46) Nós não temos outro rei, senão o César (Jo. 19.15).
(47) Baron. anno Christi 71.
(48) Epiph. haeresi 24, pág. 21.
(49) Cristo, e este crucificado (I Cor. 2.2).
(50) A iniqüidade mentiu em seu dano (Sl. 26,12).
(51) Epiph. haeresi 28; Iren. lib. 1, c. 24; August. de Haeresibus, lib. 8; Tertull. Philast.
(52) E ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras (Símbolo dos Apóstolos).
(53) August. de Agone Christi, cap. 25.
(54) Gregor Nazianz. orat 51; Tertull. de carne Christi, cap. 24; Theod. lib. 1, Haereticarum Fabul.
(55) No sol pôs o seu tabernáculo (Sl. 18,6).
(56) Apud Bellar. de Incarnat. lib. 3, c. 12.
(57) De passar deste mundo ao Pai (Jo. 13,1).
(58) E era levado ao céu (Lc. 24.51).
(59) Foi assunto ao céu, onde está sentado à mão direita de Deus (Mc. 16,19).
(60) Vou para meu Pai e vosso Pai (Jo. 20, 17).
(61) Epiph. haeresi. 24.
(62) Baron. anno Christi 360. Idem in apparatu loquens de Samaritis.
(63) Epiph. haeresi. 67.
(64) Spond. anno Christi 287.
(65) Reliquia ex Baronio, sub iisdem nominibus.
(66) Epiphan. Haeresi. 19 et 53.
(67) Euseb. 6 Historiae, 3 r.
(68) Bellar. in citata praefatione.
(69) Lutherus in Serm. de Visit. B. V.
(70) Ita Canisius in praefat. ad Iib. 2.
(71) Luther. in postil. circa Evang. domin. 3 post Epiph.
(72) Haec omnia late Bellarm. in libris de gratia et Iib. Arbitr. et in libris de justificatione et bonis operibus.
(73) Luther. in praelectione in Genesim; Calvin. lib. 3 institutionum, c. 20,24,25.
(74) Maldon. In Lucam cap. 11.
(75) Citati ab ipso Maldonado.
(76) August, lib. I de Haeresib. cap. 4; Hilar. lib. de Synodis; Theodoretus Haeretic. Fabular lib. 4.
(77) Epiph. haeresi. 5.6.7.8.
(78) Cyril. Epiph. August. Athanasius, Theod. citati a Baron. anno Christi 277.
(79) Epiph. haeresi. 24.
(80) Bellar. de amissione gratiae et statu peccati cap. 6.
(81) Na sua vinda e no seu reino (2 Tim. 4, 1).
(82) Antes que vejam vir o Filho do homem na glória do seu reino (Mt. 16, 28).
(83) Epiph. Baron. Alfons. a Castr. V. Judicium v. Resurrectio.
(84) D. Bernard. citatus a Bellar in Praefat. de libero arbitrio. Idem Bellar in iisdem libris latissime.
(85) Zeno, Plato, Pitagor. Epicuro, etc. in quo herrore hausto ab Aegyptiis etiam fuisse Pharisaeos, ait ex Josepho Spondanus in apparatu n. VI
(86) Ex Canisio et Bellar. totis libris de vestit. et bonis operibus.
(87) Bellar. de gratia et lib. arb. a cap. 4 et deinceps.
(88) Canisius lib. 3 c. 8,9,10, etc.
(89) Ex Bellar. et Baron. supra citatis.
(90) Canisius, lib. 3, c. 8, pág. 158 et 159.
(91) Epiph. in Panario haeresi. 79. Idem haeresi. 78. D. Thom. in 3, distinct 4, q. 2, art. I, ait fuisse haeret. qui B. V. naturae cujusdam caelestis seu angelicae afferent.
(92) D. Cyril in defens. primi anathematis relatus a Suares, tom. I, in 3 part. disp. 8, sect 1.
(93) Apud Canisiun supra
(94) Apud Canisiun supra
(95) Cedren. relatus a Baron. anno Christi 775.
(96) Georg. Harmat. et ex eo Rader, relati a Spondi. eodem anno n. 11.
(97) Bellar. lib. de Purgat. ex libro de beat. et in. Vocat. Sonctor. a cap. 15.
(98) Vasques, de Adoratione, lib. 7, c. 1. Bellarm. de imaginibus Sanctor lib. 2, c. 26.
(99) Bellar. de Sacram. Eucharist. cap. I, lib. 1.
(100) Maldon. in Joannem, cap. 1

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Pe. Reginald Garrigou-Lagrange O. P

Coube a São João Batista a missão de anunciar a vinda imediata do Messias. Pode-se pois dizer que ele foi o maior dos precursores de Jesus no Antigo Testamento. É assim que Santo Tomás entende a palavra de Jesus em São Mateus (11, 11): “Em verdade, vos digo, entre os nascidos de mulheres não surgiu alguém maior do que João Batista“.

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Mas, logo a seguir, acrescenta Nosso Senhor: “Entretanto, o menor no reino dos céus é maior que ele“. O reino dos céus é a Igreja da terra e do céu: é o Novo Testamento, mais perfeito como estado do que o Antigo, embora certos justos do Antigo tenham sido mais santos que muitos do Novo. E quem na Igreja é o menor? Estas são palavras misteriosas que têm sido diversamente interpretadas. Fazem pensar nestas outras pronunciadas mais tarde por Jesus: “Aquele que dentre vós for o menor este é o maior” (Lc 9, 48). O menor, quer dizer o mais humilde, o servidor de todos; é, pela conexão e proporção das virtudes, o que tem mais alta caridade. Quem na Igreja é o mais humilde? Sem dúvida, é aquele que não foi nem Apóstolo, nem Evangelista, nem mártir (pelo menos exteriormente), nem pontífice, nem padre, nem doutor, mas que conheceu e amou o Cristo Jesus não menos por certo que os apóstolos, os evangelistas, os mártires, os pontífices e os doutores: é o humilde operário de Nazareth, o humilde José.
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Os Apóstolos foram incubidos de fazer com que os homens conhecessem o Salvador, para pregar-lhes o Evangelho a fim de salvá-los. Sua missão, como a de São João Batista, é da ordem da graça necessária a todos para a salvação. Mas há uma ordem ainda superior à da graça. É aquela que é constituída pelo próprio mistério da Encarnação, ou seja, a ordem da união hipostática ou pessoal da Humanidade de Jesus com o próprio Verbo de Deus. A esta ordem superior se prende a missão singular de Maria, a maternidade divina e também, de certa forma, a missão oculta de José. Este assunto foi exposto de diversas maneiras por São Bernardo, São Bernardino de Siena, o dominicano Isidoro de Isolanis, Suarez e muitos autores recentes.
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Bossuet diz admiravelmente no seu primeiro panegírico desse grande santo: “Dentre todas as vocações noto duas, nas Escrituras, que parecem diametralmente opostas: uma é a dos Apóstolos; a segunda, a de José. Jesus é revelado aos Apóstolos para que o anunciem por todo o universo; e é revelado a José para que silencie e o esconda. Os Apóstolos são luzeiros para mostrarem Jesus ao mundo inteiro. José é um véu para encobri-lo; e sob esse véu misterioso oculta-se-nos a virgindade de Maria e a grandeza do Salvador das almas. Aquele que glorifica os Apóstolos concedendo-lhes a honra da pregação, glorifica José pela humildade do silêncio”. A hora da manifestação do mistério do Natal ainda não era chegada, essa hora deveria ser preparada por trinta anos de vida oculta.
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A perfeição consiste em cumprir a vontade de Deus, cada um segundo sua vocação. Mas a vocação toda excepcional de José supera por certo, no silêncio e na obscuridade, a dos maiores Apóstolos: pois ela se relaciona mais de perto com o mistério da Encarnação redentora. José, depois de Maria, esteve mais próximo que ninguém do próprio Autor da graça. Assim pois, no silêncio de Belém, durante a estadia no Egito e na pequena casa de Nazaré ele terá recebido mais graças que jamais a qualquer outro santo seria dado receber.
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Qual a missão especial de José com relação a Maria? Consistiu ela sobretudo em preservar a virgindade e a honra de Maria, contraindo com a futura Mãe de Deus um verdadeiro matrimônio, mas absolutamente santo. Conforme relata o Evangelho de São Mateus (1, 20): “O anjo do Senhor, que apareceu em sonho a José lhe diz: “José, filho de Daví, não temas receber Maria como tua esposa, pois o que nela se gerou é obra do Espírito Santo”. Maria é perfeitamente sua esposa. Trata-se de um matrimônio verdadeiro (cf. Santo Tomás, III, q. 29, a. 2), mas inteiramente celeste e que devia ter fecundidade inteiramente divina. A plenitude inicial de graça dada à Virgem em vista da maternidade divina fazia apelo em certo sentido ao mistério da Encarnação. Conforme diz Bossuet: “A virgindade de Maria atraiu Jesus do céu… Se sua pureza a tornou fecunda, não hesitarei, no entanto, em afirmar que José teve sua parte nesse grande milagre. Pois tal pureza angélica, apanágio da divina Maria, foi também o desvelo do justo José”.
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Era a união sem mácula e inteiramente respeitosa com a criatura mais perfeita que jamais existira, em ambiente extremamente simples, qual o de um pobre artesão de aldeia. Assim, José se aproximou mais intimamente do que qualquer outro santo daquela que é a Mãe de Deus, daquela que é também a Mãe espiritual de todos os homens e dele próprio José, daquela que é Co-Redentora, Mediadora universal, dispensadora de todas as graças. Por todos esses títulos José amou Maria com o mais puro e devotado amor; era de certo um amor teologal, porquanto ele amava a Virgem em Deus e por Deus, por toda a glória que ela dava a Deus. A beleza de todo o universo nada era em face da sublime união dessas duas almas, união criada pelo Altíssimo, que encantava os anjos e ao próprio Senhor enchia de júbilo.
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Qual foi a missão excepcional de José perante o Senhor? Em verdade, o Verbo de Deus feito carne foi confiado a ele, José, de preferência a qualquer outro justo dentre os homens de todas as gerações. O santo velho Simeão teve o menino Jesus em seus braços por alguns instantes e viu nele a salvação dos povos ― “lumen ad revelationem gentium” ― mas José velou todas as horas, noite e dia, sobre a infância de Nosso Senhor. Muitas vezes teve em suas mãos aquele em quem via seu Criador e Salvador. Recebeu dele graças sobre graças durante os vários anos em que viveu com ele na maior intimidade do dia-a-dia. Viu-o crescer. Contribuiu para sua educação humana. Jesus lhe foi submisso. É comumente chamado de “pai nutrício do Salvador”; porém em certo sentido foi mais que isso, pois como nota Santo Tomás é acidentalmente que após o casamento um homem se vem a tornar “pai nutrício” ou “pai adotivo”, enquanto que não foi absolutamente de forma acidental que José ficou encarregado de zelar por Jesus. Ele foi criado e posto no mundo precisamente para tal fim. Esta foi a sua predestinação. Foi em vista de tal missão divina que a Providência lhe concedeu todas as graças recebidas desde a infância: graça de piedade profunda, de virgindade, de prudência, de fidelidade perfeita. Sobretudo, nos desígnios eternos de Deus, toda a razão de ser da união de José com Maria era a proteção e a educação do Salvador; Deus lhe deu um coração de pai para velar pelo menino Jesus. Esta a missão principal de José, em vista da qual ele recebeu uma santidade proporcionada a seu papel no mistério da Encarnação, mistério que domina a ordem da graça e cujas perspectivas são infinitas.
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Este último ponto foi bem esclarecido por Mons. Sinibaldi em sua recente obra La Grandeza di San Giuseppe, p. 33-36, na qual mostra que São José foi predestinado desde toda a eternidade para tornar-se o esposo da Virgem Santíssima e explica, com Santo Tomás, a tríplice conveniência dessa predestinação.
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O Doutor Angélico a demonstrou ao indagar (III q. 29, a. 1) se o Cristo deveria nascer de uma virgem que tivesse contraído um verdadeiro casamento. E concluiu que devia ser assim, tanto para o próprio Cristo, como para sua Mãe, e também para nós.
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Isso convinha grandemente ao próprio Nosso Senhor para que ele não fosse considerado, até que chegasse a hora da manifestação do mistério do seu nascimento, como um filho ilegítimo, e também para que ele fosse protegido em sua infância. Para a Virgem não era menos conveniente, a fim de que ela não fosse considerada culpada de adultério e como tal viesse a ser lapidada pelos judeus, conforme notou São Jerônimo, e ainda para que ela própria fosse protegida em meio às dificuldades e à perseguição que iria começar com o nascimento do Salvador. Foi outrossim, acrescenta Santo Tomás, muito conveniente para nós, porquanto pelo testemunho insuspeito de São José tomamos conhecimento da concepção virginal do Cristo: segundo a ordem das coisas humanas, representou para nós esse testemunho um admirável apoio ao de Maria. Enfim, era soberanamente conveniente para que nós encontrássemos em Maria ao mesmo tempo o perfeito modelo das virgens como das esposas e mães cristãs.
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Explica-se assim, segundo muitos autores, que o decreto eterno da Encarnação ― estabelecendo a maneira como hic et nunc esse fato se devia realizar e em quais circunstâncias determinadas ― envolva não somente Jesus e Maria mas também José. Desde toda eternidade, com efeito, estava decidido que o Verbo de Deus feito carne nasceria milagrosamente de Maria sempre virgem, unida ao justo José pelos laços de um matrimônio verdadeiro. A execução desse decreto providencial é assim referida em São Lucas (1, 27): “Missus est Angelus Gabriel a Deo, in civitatem Galileae, cui nomen Nazareth, ad virginem desponsatam viro, cui nomen erat Joseph, de domo David, et nomen virginis Maria“. [O Anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão por nome José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria].
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São Bernardo chama São José de “magni consilii coadjutorem fidelis simum” (coadjutor fidelíssimo do magno conselho”).
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Por isso é que Mons. Sinibaldi, após Suarez e muitos outros, afirma, ibid., que o ministério de José é em certo sentido confinante, em seu nível, com a ordem hipostática. Não que José tenha cooperado intrinsecamente, como instrumento físico do Espírito Santo, para a realização do mistério da Encarnação, pois nesse acontecimento seu papel é muito inferior ao de Maria, Mãe de Deus; entretanto, ele foi predestinado para ser, na ordem das causas morais, o guardião da virgindade e da honra de Maria, ao mesmo tempo que o protetor de Jesus menino. É preciso precaver-se aqui contra certos exageros que falseariam a expressão desse grande mistério; o culto devido a São José não vai além especificamente do de dulia prestado aos outros santos, mas tudo faz pensar que ele merece receber, mais do que todos os outros santos, esse culto de dulia. Por isso é que a Igreja, em suas orações menciona o nome de José imediatamente após o de Maria e antes do dos Apóstolos na oração A cunctis (a todos nós…), por meio da qual se implora a proteção de todos os Santos. Se São José não é mencionado no Canon da missa, há todavia para ele um prefácio especial e o mês de março lhe é consagrado.
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Num discurso pronunciado na Sala Consistorial no dia da festa de São José, em 19 de março de 1928, S.S. Pio XI comparava nestes termos a vocação de São José com a de São João Batista e com a de São Pedro: “Fato sugestivo é ver-se sugirem, bem vizinhas e brilharem quase contemporâneas, certas figuras tão magníficas. Primeiro, São João Batista que se ergue no deserto com sua voz, ora grave ora suave, como leão que ruge e como o amigo do Esposo, que se rejubila pela glória do Esposo, para afinal oferecer à face do mundo a maravilhosa glória do martírio. Depois, Pedro que ouve do divino Mestre estas sublimes palavras, pronunciadas também elas à face do mundo e dos séculos: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja; ide e pregai ao mundo inteiro”, missão grandiosa, divinamente resplandecente. Entre essas duas missões aparece a de São José: missão recolhida, calada, quase despercebida, que não se evidenciaria senão alguns séculos mais tarde; um silêncio ao qual sucederia, mas muito tempo depois, um sonoro canto de glória. Pois, onde mais profundo o mistério, mais espesso o véu que o encobre, e maior o silêncio, é justamente ai que mais alta é a missão, como mais brilhante o cortejo das virtudes exigidas e dos méritos requeridos para, por feliz necessidade, com elas se conjugarem. Missão única, muito alta, a de guardar o Filho de Deus, o Rei do mundo, e de guardar a virgindade e a santidade de Maria; missão única, a de ter participação no grande mistério ocultado aos olhos dos séculos, e de assim cooperar na Encarnação e na Redenção! Toda a santidade de José consiste precisamente no cumprimento, fiel até o escrúpulo, dessa missão tão grande e tão humilde, tão alta e tão escondida, tão esplêndida e tão envolta em trevas”.
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(Trecho de “Les trois ages de la vie interieure”, trad. Permanência. publicado em Revista Permanência, Junho de 77)

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Extraído do site Permanência

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